Em debate, Florestan Fernandes é apontado como exemplo para o país

Da Redação | 08/08/2011, 19h01

O compromisso do sociólogo Florestan Fernandes com a defesa da população desfavorecida foi marcante não só nos foros acadêmicos e políticos, mas igualmente no comportamento diário do sociólogo. Avesso a privilégios, ele fazia questão de se aproximar das mesmas condições enfrentadas pelo povo que estudou e que representou no Congresso Nacional, inclusive como deputado constituinte.

Esse exemplo de fidelidade foi apontado como uma das características marcantes da personalidade de Florestan em debate realizado nesta segunda-feira (8) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). Coordenada pelo presidente da comissão, senador Paulo Paim (PT-RS), a audiência pública procurou discutir os direitos humanos e a sociologia sob a ótica de Florestan, morto aos 75 anos no dia 10 de agosto de 1995 - há 16 anos, portanto.

Uma das passagens mais interessantes da vida do sociólogo foi relatada na audiência pelo assessor parlamentar Laurez Cerqueira, que trabalhou com Florestan durante seu mandato de deputado (1987-1994). Quase ao fim da vida, já debilitado devido à hepatite C que contraiu em uma transfusão de sangue, o sociólogo (1920-1995) teve uma crise e foi, sozinho, a um hospital público para ser atendido. Logo depois, seu filho, o jornalista Florestan Fernandes Jr., o encontrou no hospital, de robe, aguardando o atendimento. Como o pai se recusava a sair da fila em que estava, o filho teve de pedir a ajuda de um médico para convencê-lo a ser atendido imediatamente.

Laurez, autor do livro Florestan Fernandes - Vida e Obra, também contou que, numa fase seguinte, em estado ainda mais grave, o sociólogo recebeu do médico orientação para fazer um transplante de fígado. Quando tomou conhecimento do fato, o então presidente, e sociólogo, Fernando Henrique Cardoso ligou para o colega de academia, colocando à sua disposição tudo o que fosse necessário, inclusive a possibilidade de realizar a operação em Cleveland (EUA). Florestan recusou a ajuda, argumentando que havia muitas outras pessoas antes dele esperando pela operação. "Só aceito se a oferta for feita a todos", teria dito o ex-deputado. Acabou fazendo a cirurgia no Brasil.

- Esse tipo de conduta é fundamental como referência de homem público - afirmou Laurez.

O ex-assessor contou ainda uma história que revela "o lado turrão de Florestan". Em discurso na Câmara, protestou de forma dura contra a campainha utilizada para convocar os parlamentares ao Plenário da Casa. Lembrou que as reuniões tinham hora marcada, e que a campainha o fazia lembrar de "um berrante chamando os bois para o curral". Às gargalhadas, o então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães (1916-1992), respondeu: "Florestan, você tem razão, mas sem a campainha, o Plenário da Câmara não funciona".

Autor do livro Florestan - A inteligência militante, o jornalista Haroldo Ceravolo Sereza ressaltou "a empatia de Florestan com a população negra". Haroldo lembrou que o sociólogo paulista, filho de mãe solteira que não conheceu o pai e teve de trabalhar desde criança (inclusive como engraxate e posteriormente como garçom), viveu no bairro paulistano do Bexiga, "onde brancos e negros conviviam intensamente".

- Essa empatia lhe permitiu ver os limites da revolução burguesa brasileira, que afastava os negros da chamada sociedade competitiva - afirmou Haroldo.

Laurez Cerqueira creditou à origem do sociólogo (o proletariado) o olhar acurado sobre a escravidão e os negros. Laurez e Haroldo também recordaram que, devido à condição humilde, Florestan estudou até o 3º ano do 1º grau e, posteriormente, teve de fazer o curso de madureza - equivalente hoje ao supletivo - para, só então, ingressar na Universidade de São Paulo (USP), em 1941. Laurez frisou que Florestan foi aprovado na USP "após concorrer com jovens da elite paulista que antes estudavam no exterior".

Ao comentar esses aspectos da vida de Florestan Fernandes, Haroldo disse que "a vida dele foi uma luta contra uma série de peneiras, dificuldades, constrangimentos e opressões".

Também participou da audiência pública desta segunda o senador Cristovam Buarque (PDT-DF).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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