Comoções sociais influenciaram punição de crimes hediondos

Da Redação | 16/07/2010, 18h43

Os sequestros do empresário Abílio Diniz, em 11 de dezembro de 1989, e do publicitário Roberto Medina, em 6 de junho de 1990, estão na gênese da Lei de Crimes Hediondos (Lei 8072/90). Eles foram as vítimas mais notórias de uma onda de extorsões que, no início da década de 1990, motivou a norma que regulamentou o artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição, segundo o qual "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, entre outros, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos".

Em 25 de julho de 1990, é promulgada a Lei 8072/90, definindo os crimes hediondos e excluindo seus autores de benefícios como a liberdade provisória mediante pagamento de fiança. Os condenados pelas práticas de tais crimes perderam também o direito à progressão do regime da pena, pelo qual poderiam, por exemplo, cumprir um sexto da pena e sair do regime fechado para o semiaberto. No caso, a pena passaria a ser cumprida integralmente em regime fechado.

Extermínio

Quatro anos depois, uma nova alteração - feita pela Lei 8930/94 - incluiu nos crimes hediondos homicídios praticados em atividades típicas de grupo de extermínio. Era uma resposta às chacinas da Candelária (23 de julho de 1993) e do Vigário Geral (29 de agosto do mesmo ano). A mesma alteração ainda tornou hediondo o homicídio qualificado, devido à grande repercussão do assassinato da atriz Daniela Perez (28 de dezembro de 1992).

Mais quatro anos depois, um novo escândalo: o dos remédios falsificados ou adulterado, como a "pílula de farinha", um anticoncepcional responsável por muitos casos de gravidez não planejada. Uma nova alteração, feita pela Lei 9.695/98, tornou hediondos os crimes de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.

Habeas corpus

Nesse meio tempo, os pilares da Lei de Crimes Hediondos começavam a ruir. Em 2006, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou habeas corpus impetrado por um condenado a 12 anos de prisão por molestar três crianças entre 6 e 8 anos.

O relator, ministro Marco Aurélio, levantou a questão: impedir a progressão de regime viola o princípio constitucional da individualização da pena. Ou seja, o juiz deve ter autonomia para, dentro dos limites da norma legal, fixar certas condições para o cumprimento da pena que sejam adequadas à recuperação social do delinquente.

O entendimento dos ministros do STF foi de que a progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semiaberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social.

Em 2009, depois de outras decisões semelhantes, o STF aprovou a Súmula Vinculante 26/09. Essa norma prevê que, para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, "o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico".

Dois anos antes, já em função do habeas corpus de 2006, o próprio Congresso foi obrigado a se adaptar ao entendimento do STF, aprovando um projeto que se transformou na Lei 11.464/07. O dispositivo prevendo que a pena seria cumprida "integralmente em regime fechado" foi substituído por "inicialmente em regime fechado". A progressão do regime passou a ser possível com o cumprimento de dois quintos da pena, para condenado primário, ou de três quintos, para o reincidente.

A lei determinou ao juiz que avalie se um condenado preenche, ou não, requisitos "objetivos e subjetivos" do benefício. Após essa avaliação, o preso que cumpre pena em regime fechado pode ser beneficiado pelo semiaberto e até pela liberdade condicional.

Projetos

A mudança, feita às pressas para preencher lacunas deixadas pela declaração de inconstitucionalidade da norma então vigente, desagradou inúmeros parlamentares. Tanto que há vários projetos, em tramitação no Senado e na Câmara dos Deputados, que visam manter na cadeia, por maior tempo, os condenados por crimes hediondos, mas todos esbarram no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal.

Esse dispositivo prevê a individualização da pena e, enquanto ele estiver em vigor, os especialistas consideram difícil adotar-se uma padronização da forma de execução da sanção penal, como seria o cumprimento integral da pena em regime fechado.

Djalba Lima / Agência Senado

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

MAIS NOTÍCIAS SOBRE: