Francisco Dornelles diz que Brasil precisa se preparar para disputas no comércio

Da Redação | 28/11/2008, 16h38

Com a recessão nas economias mais desenvolvidas do planeta, as práticas desleais de comércio devem se intensificar a partir de 2009. A disputa na colocação dos excedentes comerciais voltar-se-á para países emergentes, como o Brasil. Diante desse diagnóstico, o líder do PP no Senado, Francisco Dornelles (RJ), três vezes ministro desde 1985, uma delas à frente do então Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, comemorou a aprovação pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da sua proposta para agilizar o sistema de defesa comercial do país, com a criação de um conselho técnico, capaz de decidir com pragmatismo as contendas que prejudicam as empresas brasileiras. Agora, quer apressar sua conclusão no Senado. Conhecido por sua vasta experiência na área tributária e fiscal - foi secretário da Receita Federal na gestão Figueiredo e ministro da Fazenda na de Sarney -, Dornelles, relator da primeira MP anticrise do governo Lula, que deve ser votada nesta semana, diz, na entrevista a seguir, que reforma tributária é a longo prazo e não ajuda a enfrentar a crise internacional.

Jornal do Senado - Diante do agravamento da crise financeira internacional, o Brasil precisa aperfeiçoar o seu sistema de defesa comercial?

Francisco Dornelles - Foi com esse objetivo que apresentei o projeto aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos. Ele cria o Conselho de Defesa Comercial com sete integrantes, dos quais três do setor privado - um da indústria, um do comércio e outro da agricultura - e quatro representantes do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. O objetivo é agilizar a defesa comercial brasileira, principalmente no caso de colocação de medidas provisórias para proteger setores prejudicados por práticas desleais de comércio. Hoje, o processo é demorado. Às vezes, quando termina, a empresa brasileira já quase quebrou.

JS - De acordo com levantamento do Ministério do Desenvolvimento, citado no relatório do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), de 2000 a 2006, nenhuma medida provisória foi aplicada.

Dornelles - O problema não é a Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão que aplica as medidas de defesa comercial no Brasil. Ela está bem administrada. O problema é a parte política que não deveria entrar. Os técnicos verificam, examinam e chegam à conclusão que existe o dumping. Colocam a medida anti-dumping. Essa decisão vai para o conselho de ministros, onde há representantes do Itamaraty, da Agricultura, da Fazenda. O da Agricultura reconhece a existência do dumping, mas argumenta que o setor precisa importar insumo mais barato. O Itamaraty sustenta que a exportação é da Venezuela e que medida compensatória pode prejudicar as nossas relações com aquele país. Em suma, a questão do dumping fica em segundo plano. A análise passa, então, a ter uma conotação política. O que proponho é um conselho para verificar se há ou não dumping, subsídio ou qualquer outra prática desleal de comércio. Se existir, o conselho aplica a medida compensatória.

JS - Esse modelo é semelhante ao norte-americano?

Dornelles - Lá, o International Trade Commission tem mais autonomia e é mais forte do que esse conselho. Mas o que foi proposto no projeto é um meio-termo, um caminho para chegar lá. Vou conversar com [o senador] Marco Maciel para que a Comissão de Constituição e Justiça aprove isso com urgência. Como lá é terminativo, ele iria direto para a Câmara. No próximo ano, em decorrência da recessão em países como o Japão e os Estados Unidos, a tendência deles é tentar colocar seus excedentes comerciais em países como o Brasil, que vão manter nível médio de crescimento. E eles vão usar todas as práticas que puderem. Há, ainda, os fornecedores desses mercados em recessão que precisarão recolocar suas exportações.

JS - Como relator da primeira medida provisória anti crise, que deve ser votada pelo Senado nesta semana, o sr. vai manter o texto da MP 442 aprovado na Câmara?

Dornelles - Vou. Está bom o texto. Pela sondagem que fiz junto aos partidos e aos líderes, todos têm intenção de aprovar a MP 442, sem fazer condicionamentos a outras matérias. O objetivo da MP é dar liquidez ao mercado, facilitar os movimentos financeiros entre instituições bancárias e empresas, botar um guarda-chuva para que as pequenas instituições tenham acesso ao redesconto junto ao Banco Central. A liberação de parte do compulsório para que os grandes bancos adquirissem ativos de bancos menores, ou fizessem operações com essas instituições de menor porte, não surtiu o resultado esperado. A MP amplia os poderes do BC para ajudar os bancos em dificuldades.

JS - Com um cenário ainda incerto sobre os reflexos da crise financeira internacional no Brasil, quais os projetos importantes para serem agilizados dentro do Congresso?

Dornelles - Acho que o governo está administrando a crise de maneira muito competente. Eu aplaudiria todas as medidas tomadas até agora. A parte operacional é que apresenta dificuldades. Os recursos para a construção civil, por exemplo. Uma certidão negativa de débitos para que empresas desse setor possam iniciar um empreendimento demora de dois a três meses na Receita Federal do Brasil. A parte executiva tem que ser mais eficiente. O que precisamos é menos burocracia.

JS - Existe alguma chance de a reforma tributária aprovada na comissão especial da Câmara chegar ao Senado ainda este ano?

Dornelles - Na política brasileira, a única coisa impossível é prever o que é possível. Realmente, não consigo avaliar. Não sei se o governo vai acionar o rolo compressor. Não sei se os governadores vão ter coragem de se posicionar publicamente contra o projeto. Ouvi avaliações, com base em estudos sobre as condicionantes colocadas no projeto, que ele demoraria 32 anos para ser totalmente implementado.

JS - Então, como sustentar que a reforma tributária possa funcionar como uma sinalização importante para o enfrentamento da crise?

Dornelles - Não se pode ligar reforma tributária com crise, que exige medidas rápidas para dar confiança e liquidez ao sistema. Não se pode achar que reforma tributária, que vai entrar em vigor Deus sabe quando, pode ter algum impacto sobre a crise atual.

JS - Mesmo assim, o governo parece empenhado em fazer andar a reforma dentro do Congresso. Apesar da queda-de-braço com os governadores que querem adiá-la e a aliança com o empresariado, que há anos sonha com uma simplificação do sistema tributário do país, o governo está intensificando as negociações para colocar o substitutivo do deputado Sandro Mabel [PR-GO] em votação no Plenário esta semana.

Dornelles - Política é o fato e o tempo. A reforma tributária é um fato. Mas o meu tempo é a hora que ela chegar ao Senado. Sem entrar no mérito, porque eu não vi o texto aprovado na comissão, acho que qualquer reforma tributária tem que atirar principalmente na burocracia, na redução do custo de arrecadação. Para várias empresas brasileiras, esse custo onera mais do que o próprio imposto. Estudo do Banco Mundial mostrou queo Brasil é o país onde as empresas mais gastam tempo pagando impostos e contribuições, com 2,6 mil horas por ano. Isso em país desenvolvido fica em 300 a 400 horas.

JS - Essa é a carga tributária invisível, à qual o sr. costuma se referir?

Dornelles - Carga tributária é o que você paga de imposto mais o que se gasta para pagar o imposto. Essa carga é invisível. Quando se apresenta a arrecadação como um percentual do PIB, só se considera o montante em reais que as empresas entregaram ao Tesouro. Só que para entregar esse dinheiro, elas tiveram despesa considerável que não entra contabilmente como carga tributária, mas que é carga tributária.

JS - Os contribuintes pessoas físicas também arcam com essa carga invisível?

Dornelles - Sim. Se as pessoas soubessem que quando tomam cafezinho estão pagando 36% de imposto no preço do café e 40% no do açúcar, se acendem a luz pagam cerca de 46% e se usam o telefone arcam com 40% da conta em impostos, a reação seria muito grande. Essa carga invisível vem embutida no preço. É aquele imposto que você paga sem saber que está pagando. Se há um aumento da alíquota do imposto de renda de 27% para 28%, todo mundo sabe e grita. Agora, quando são indiretos, como Imposto sobre Produtos Industrializados [IPI], Programa de Integração Social [PIS], Programa de Formação do Patrimônio do Servidor [PASEP] e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social [COFINS], as pessoas não reclamam porque não identificam o aumento. Hoje, a carga fiscal no Brasil é baseada nesses tributos indiretos, que são os invisíveis.

JS - É por essa razão que o sr. costuma dizer que a falta de transparência é a mãe da regressividade?

Dornelles - Os impostos indiretos são regressivos. Em termos proporcionais, eles fazem com que pessoas de menor renda paguem mais imposto do que pessoas de renda mais elevada. Um estudo da Universidade de São Paulo evidenciou essa distorção: famílias que recebem até dois salários mínimos arcam com um total de tributos equivalente a 48% da sua renda, enquanto aquelas que ganham mais do que 30 salários mínimos consomem 26% da sua renda. Os mais ricos conseguem poupar e, conseqüentemente, sofrem relativamente menos com os impostos sobre o consumo. Enquanto quem ganha pouco consome tudo e acaba mais penalizado pela tributação pesada sobre mercadorias e serviços.

JS - O que se pode fazer para corrigir isso?

Dornelles - É a própria pressão política. Os que pagam mais defendendo modificações que façam com que essa distorção seja corrigida. Eles iriam discutir o problema da regressividade se não houvesse essa carga invisível.

JS - A simplificação da estrutura tributária não permitiria procedimentos mais transparentes e melhores?

Dornelles - A simplificação dos procedimentos tributários acabaria com a carga administrativa. Mas não obrigatoriamente teria efeito sobre a regressividade. Pode-se adotar um imposto único. Ele poderia ser extremamente simplificado e extremamente regressivo. A simplicidade é importante, mas não reverte em si o quadro da regressividade.

JS - Em que medida a proposta de mudança constitucional que o sr. apresentou, em março desse ano, na Subcomissão Temporária da Reforma Tributária contribui para reduzir a regressividade?

Dornelles - A proposta traça as linhas gerais federativas. A regressividade é um problema de lei ordinária. O que eu fiz foi um relatório preliminar. A criação do Imposto sobre Valor Adicionado [IVA] Nacional simplifica a estrutura tributária e reduz custos. Ele funde vários tributos federais, como IPI, PIS, Cofins, Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico [Cide], Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações [Fust], Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações [Funttel] e, principalmente, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços [ICMS] estadual. Com o IVA Nacional, pode se ter um quadro real do quanto cada um paga de imposto.

JS - Vários representantes do Conselho Nacional de Política Fazendária [Confaz], que reúne os secretários estaduais de Fazenda, acham que o seu projeto é mais favorável aos estados do que a proposta que tramita na Câmara. Ela aproveita a capacidade dos estados em cobrar e fiscalizar imposto sobre valor adicionado.

Dornelles - Não quero falar sobre o meu projeto. Mas ele é muito melhor para os estados e para a União.

Cíntia Sasse / Jornal do Senado

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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