Comissão Afonso Arinos elaborou anteprojeto de Constituição

Da Redação | 01/10/2008, 10h26

Em setembro de 1986, alguns meses antes de a Assembléia Nacional Constituinte iniciar seus trabalhos - o que aconteceu em fevereiro de 1987 -, uma comissão provisória criada pelo Executivo concluiu a elaboração de um anteprojeto de Constituição que, no entanto, acabou não sendo enviado oficialmente ao Congresso. Embora tivesse o nome de Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, o grupo ficou conhecido como Comissão Afonso Arinos, pois seu presidente foi o jurista, ex-deputado federal e ex-senador Afonso Arinos de Melo Franco.

Entre os 50 integrantes desse colegiado, estavam o empresário Antônio Ermírio de Moraes, o cientista político Bolívar Lamounier, o antropólogo e sociólogo Gilberto Freyre, o escritor Jorge Amado, o jurista Miguel Reale, o sindicalista José Francisco da Silva, o jurista Sepúlveda Pertence (então procurador-geral da República) e o economista Walter Barelli (na época diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - Dieese).

Os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Cristovam Buarque (PDT-DF) também participaram desse processo: Sarney, então presidente da República, foi quem convocou a comissão, por meio do Decreto 91.450, de 18 de julho de 1985; Cristovam, professor que ainda não havia iniciado sua carreira política, estava entre os 50 integrantes do grupo.

Crise

Em entrevista concedida à Agência Senado no início de setembro, Sarney disse que tomou a decisão de não enviar o anteprojeto ao Congresso "para evitar uma crise", pois Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte, lhe havia avisado que devolveria o texto caso o recebesse.

Cristovam lembra que, "de fato, houve uma pressão muito grande, por parte de muitos constituintes, para que o anteprojeto não chegasse ao Congresso; eles consideravam o texto uma intromissão do Executivo em seus trabalhos".

- E isso porque nós tínhamos sido nomeados pelo presidente da República - afirmou o senador pelo Distrito Federal.

O consultor legislativo do Senado Fernando Trindade, que na época era assessor da liderança do antigo PCB no Congresso, também recorda a resistência que havia contra o anteprojeto. Ele destacou o contexto histórico no qual ocorria a Assembléia Nacional Constituinte - de redemocratização do país -, em que se questionava a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969, elaboradas durante o regime militar.

- Havia uma interpretação, por parte das lideranças políticas, de que o anteprojeto não deixava de ter vínculos com a ordem política que se desejava superar - explicou o consultor.

Para Cristovam, a decisão de Sarney de não enviar o documento, nesse contexto, "foi correta, já que o ato não seria bem visto". Ele ressalta, porém, que o anteprojeto foi publicado e, portanto, os constituintes podiam ter acesso ao seu conteúdo "sem nenhuma dificuldade".

Apesar das resistências, Fernando Trindade afirma que vários parlamentares se inspiraram nesse texto durante a elaboração da Constituição de 1988. Como prova disso, o consultor observa que o próprio presidente da comissão provisória, Afonso Arinos de Melo Franco, tornou-se constituinte poucos meses depois de apresentar a redação final do anteprojeto e acabou presidindo a Comissão de Sistematização.

Diferenças

Ao relembrar os trabalhos da Comissão Afonso Arinos, Cristovam cita, entre os temas discutidos por seus integrantes, os debates sobre parlamentarismo e presidencialismo, a relação entre os três Poderes e, no caso específico do Distrito Federal, se a região deveria ter representação política. Ele também disse que, ao contrário da Assembléia Nacional Constituinte, a comissão não "esteve subordinada às pressões das corporações, como as associações comerciais, os sindicatos e instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo".

Segundo Cristovam, as pressões das corporações acabaram "aprisionando" a Constituição de 1988 a curto prazo e em itens específicos, e não em questões nacionais. Ele declara que "não se pensou o país como um todo, mas como um quebra-cabeça de corporações".

- Por isso, costumo dizer que nossa Constituição é cidadã, mas não patriótica - afirma ele.

O senador critica ainda o fato de que os constituintes eram também parlamentares, em vez de terem sido eleitos especificamente para elaborar a nova Carta. Isso, argumenta ele, fez com que "o Congresso estivesse mais preocupado com a eleição seguinte do que com o século seguinte, já que muitos parlamentares seriam candidatos em seguida".

- Não havia essa preocupação entre os membros da Comissão Afonso Arinos. Eu, por exemplo, só ingressei na carreira política cerca de dez anos depois - ressaltou Cristovam. 

Veja o texto do anteprojeto:

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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