Casagrande quer legislação que garanta transparência dos gastos do governo

Da Redação | 18/07/2008, 12h20

Apontado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) como um dos senadores mais atuantes na defesa da fiscalização do governo, o senador Renato Casagrande (PSB-ES) quer o lançamento na Internet, em tempo real, de todos os gastos do governo, como prevê projeto de lei complementar que há quatro anos tramita no Congresso.

Na entrevista a seguir, Casagrande avalia os resultados do ciclo de debates Controle Público - Instrumento de Cidadania, proposto por ele, anuncia que apresentará projeto para definir o que é dado sigiloso e sugere a criação de uma comissão mista de fiscalização e controle, nos moldes da que existe para o Orçamento.

O senador fala também de outra iniciativa sua: a comissão externa de juristas, instalada no último dia 9, incumbida de elaborar o anteprojeto de revisão do Código de Processo Penal. 

Jornal do Senado - O que motivou o senhor a propor o ciclo de debates sobre controle público como instrumento de cidadania? Foram as denúncias de corrupção na administração pública cada vez mais freqüentes?

Renato Casagrande - O motivo foi esse. Não que a corrupção seja maior agora do que era ontem. Ocorre que os órgãos de controle estão mais atuantes, tanto os tradicionais quanto os novos instituídos pela Constituição de 1988, como o Ministério Público. E a Polícia Federal também está mais atuante. O resultado foi o aumento das denúncias. Isso fez com que transparecesse à sociedade e a nós, parlamentares, a necessidade de aperfeiçoamento desses órgãos. Além de uma investigação mais eficiente e a punição de quem comete atos ilícitos, temos que pensar que o melhor trabalho é evitar a corrupção. Quanto mais eficientes forem os órgãos de controle da administração pública, mais prevenção teremos com relação ao uso do recurso público.

Na década de 90, o senhor foi deputado estadual e depois vice-governador do Espírito Santo, em um período crucial, quando o governo estava crivado de denúncias de corrupção. Essa experiência explica sua preocupação permanente com a área de controle e fiscalização?

Foi um período politicamente muito ruim para o estado, uma vez que a criminalidade organizada estendeu seus tentáculos para as instituições - governo do estado, Legislativo, Judiciário, tribunal de contas e assim por diante. Essa parte negativa me mostrou como a coisa funciona. Ao mesmo tempo, foi uma época de transição de inflação elevadíssima para estabilização econômica, com o Plano Real. Havia, por exemplo, a correção mensal da folha do funcionalismo e a reposição do resíduo no final do ano. Veio o plano de estabilização, mas essa conquista do servidor foi mantida. O primeiro aprendizado foi esse enfrentamento interno que o gestor precisa fazer para ter responsabilidade na condução da administração pública. Foi necessário um debate aberto com os servidores para que pudéssemos adequar a estrutura de gastos a essa nova realidade. Assim, tanto o que não se deve fazer na administração pública quanto o controle necessário para não deixar margem para que a criminalidade se instale, porque ela se enraíza com velocidade enorme, foram, sem dúvida, experiências que eu trouxe para dentro do Congresso. No meu mandato, na Assembléia Legislativa, fizemos vários debates sobre ética, controle e combate à corrupção. Isso acabou delineando o caminho que ia seguir na vida pública.

Quais foram as proposições mais importantes das cinco mesas de debates?

Em primeiro lugar, a transparência. Para tanto, a tecnologia é aliada importante. Ninguém pode argumentar que vive em município ou estado que não tem tecnologia disponível. A rede mundial de computadores [Internet] chega a todos os locais deste país. Esse instrumento permite que todos os órgãos públicos, da administração direta e indireta, possam lançar em tempo real a sua execução orçamentária, o preço do produto comprado e do serviço contratado. O governo federal mantém o Portal da Transparência, que permite, tanto aos órgãos de controle quanto à imprensa e à sociedade, fiscalizar os gastos federais e compará-los. O primeiro item do controle é aquele feito diretamente pela sociedade. Para que isso aconteça, é preciso ter legislação que obrigue o lançamento em tempo real das despesas em todos os níveis da administração pública. 

Existe um projeto de lei complementar já aprovado no Senado, do ex-senador João Capiberibe, que trata dessa exigência. Ele é de 2004 e estacionou na Câmara [PLP 271/04]. O senhor pretende retomá-lo?

Por sugestão da Consultoria da Casa, fizemos algumas propostas de alteração nesse projeto. Encaminhamos ao líder do PSB na Câmara e estamos na expectativa de que aquela Casa vote esse projeto o mais rápido possível. Quando retornar ao Senado, vamos pedir ao senador Garibaldi Alves [presidente da Casa] que priorize sua votação. Uma das mudanças que propus assegura ao controle externo de cada ente da Federação o acesso irrestrito a todos os dados da administração direta necessários ao seu trabalho de controle. As informações têm de ser fornecidas em meio digital. 

Como aparelhar os pequenos municípios para que tenham condição de fazer isso?

O projeto prevê um período de adequação para atender as exigências, no caso, quatro anos para os municípios com até cinqüenta mil habitantes. Estamos sugerindo que o Congresso funcione como um elo importante, de fato, de direito, do controle público. O Senado pode usar o Interlegis [programa voltado ao desenvolvimento dos legislativos] para facilitar o uso não só do Siga Brasil, sistema desenvolvido pela Consultoria de Orçamento da Casa e pelo Prodasen que permite acompanhar a elaboração e a execução orçamentária da União. Podemos formar multiplicadores nos municípios e nos estados. O Congresso pode exercer de forma preventiva sua função de controle. A atuação não pode se restringir às CPIs. Algumas delas viram palco de disputas políticas e acabam tendo resultados frágeis e tímidos. Essa CPI dos Cartões Corporativos foi um exemplo disso. Mais do que punir quem teve responsabilidade, é fundamental se ter um regulamento claro de como esses cartões devem ser usados, quem pode recebê-los, o que é dado sigiloso e o que não é. Houve um descontrole, neste e no governo passado, no uso desses cartões, bem como da conta tipo B, que é o adiantamento em espécie.

A regulamentação do que é dado sigiloso precisa de lei específica?

Sem dúvida. Devo apresentar um projeto com essa finalidade. Os dados não disponíveis para publicação precisam ser definidos em lei, para que não tenhamos dúvida como tivemos agora, nos cartões corporativos, com os gastos da Presidência [da República]. Outra proposta, que apresentei como emenda quando entrei no Senado, é a criação de órgão de controle externo, a exemplo do Conselho Nacional de Justiça, para os tribunais de contas, que acumularam grande poder nos últimos anos. São órgãos auxiliares do Poder Legislativo, mas que acabaram tendo vida própria. Acho fundamental que o Tribunal de Contas da União e os tribunais de contas nos estados e nos municípios sofram fiscalização e acompanhamento de membros e de lideranças da sociedade brasileira. Hoje eles controlam todo mundo, mas não tem ninguém que exerça o controle sobre eles.

O senhor também defende um controle maior sobre as estatais?

As principais denúncias de corrupção estão relacionadas, geralmente, à administração pública indireta. Essas empresas aprovam seu orçamento no conselho de administração e têm um conselho fiscal que aprova as contas da diretoria executiva. Acho que ainda é um controle muito precário. Queremos que essas empresas lancem suas informações no Siafi [Sistema Integrado da Administração Financeira, mantido pelo governo federal], como faz a administração direta.

Essa exigência valeria também para as empresas de capital aberto?

Seria para todas elas, inclusive Petrobras. Todas as estatais, na minha avaliação, precisam prestar conta dos seus gastos. Essa é uma proposta de emenda à Constituição de minha autoria que já apresentei. O documento final relativo ao ciclo de debates relacionou mais de cinqüenta medidas, algumas delas já em tramitação no Congresso e que pretendemos agilizar. A fixação do limite de endividamento da União é uma delas. Os estados e os municípios já têm esse teto. Estamos propondo a formação de uma comissão mista de fiscalização e controle, como se tem a do Orçamento. É fundamental também que consigamos avançar em uma reforma política. O processo eleitoral costuma ser a ante-sala da corrupção. Eleição tem custo elevado. E, em alguns casos, ocorre uma relação promíscua com representantes do setor produtivo. 

Quando participou dos debates, o ministro Jorge Hage, da CGU, pediu celeridade ao projeto em tramitação na Câmara que trata do conflito de interesses públicos e privados (PL 7.528/06), que delimita até onde o servidor pode ir no exercício de cargo federal e seus impedimentos posteriores. O senhor compartilha da avaliação do ministro, que o considera fundamental para o combate à corrupção?

O projeto está no rol das medidas propostas. Hoje não está claro até onde o gestor pode chegar e às vezes há exercício de interesses diversos. Precisamos ver se por lei há como inibir esse tipo de comportamento. Também é preciso definir em lei os critérios e os meios de proteção aos servidores que denunciam irregularidades, desperdício ou má gestão. Precisamos ter regra geral para os casos de nepotismo e generalizar a imposição de quarentena, que só existe para alguns órgãos. As agências reguladoras, por exemplo, não têm quarentena.

Entre as conclusões do ciclo de debates, está a preponderância das emendas de bancada sobre as individuais. Atualmente é o contrário: os parlamentares dão mais importância às individuais, exatamente onde ocorre o maior volume de irregularidades.

Esse é um debate que nós colocamos para provocar polêmica. As emendas de bancada deveriam complementar o Orçamento da União para obras estruturantes em cada estado. Toda bancada capitalizaria politicamente essa iniciativa, com a sociedade percebendo a importância e o retorno desse investimento. Essas emendas teriam prioridade na execução orçamentária. Mas teriam que mudar. Hoje, as emendas de bancada de estados com poucos parlamentares acabam virando emendas individuais.Outra mudança importante seria o repasse mais automático de recursos federais para os municípios, ou uma redistribuição dos recursos fiscais dentro de um novo pacto federativo. Muitos prefeitos deste país só conseguem fazer investimento com as emendas individuais. Elas funcionam como uma compensação pela má distribuição dos tributos, concentrados atualmente nas mãos do governo federal. Portanto, é quase impossível acabarmos com as emendas individuais nessa situação, pela importância que elas têm para os pequenos municípios.

De um modo geral, o objetivo dessas medidas é dar instrumentos à sociedade para que o cidadão possa ajudar no combate ao desperdício e à corrupção. Mas como engajá-lo, já que a maioria dos brasileiros nem sabe o que é a lei orçamentária do país?

O cidadão, que tem condições de entrar em um banco de dados e fazer sua análise, pode fiscalizar individualmente. Também como indivíduo deve exercer bem a sua cidadania na hora do voto. Esse é um debate até um pouco desgastado. Mas ainda é um comportamento eficiente. Nós temos que ter responsabilidade com nosso poder político individual. E temos que exercer individualmente o poder que a gente tem em favor de uma coletividade. Além disso, precisamos ajudar na organização de entidades da sociedade que tenham esse papel de controle da administração pública. E ajudar as que já existem. Se elas tiverem acesso a dados e legislação que não deixe margem de dúvida sobre o exercício do gestor público, a possibilidade de êxito no seu trabalho aumenta. O nível mais transparente da administração pública é o federal. Os estados e os municípios ainda estão muito fechados.

Na direção de aperfeiçoar as instituições, o senhor propôs e obteve apoio do presidente Garibaldi Alves na criação de comissão externa de juristas para rever o Código de Processo Penal do país. Quais foram as razões dessa iniciativa?

O nosso código é muito antigo, data de 1941. Só isso já evidencia a necessidade do seu aperfeiçoamento. Nesse período, ocorreram mudanças pontuais que precisam ser consolidadas. A sociedade, principalmente as camadas mais pobres do país, tem interesse direto nessa mudança. Debater o sistema carcerário, penas alternativas, agilidade na tramitação dos processos, eficiência na investigação do processo, tanto na parte do inquérito policial quanto na parte da Justiça, são questões que têm a ver com o nosso dia-a-dia, principalmente dos mais carentes. 

A criação de uma comissão externa foi uma idéia inovadora?

Apesar de previsto no Regimento [Interno], o Senado ainda não havia aproveitado esse instrumento. Verificamos essa possibilidade de criar uma comissão externa com a finalidade de elaborar um anteprojeto. Ela foi empossada no dia 9 de julho, com nove membros, e terá cento e oitenta dias a contar de 1° de agosto para concluir seu trabalho. Essa comissão terá a incumbência de fazer a consolidação das alterações pontuais e de discutir outras modificações com a sociedade e com especialistas na área. Quando se discute o código de forma global, há condições de se pensar a legislação do início ao fim, de uma maneira harmônica. Se conseguirmos concluir essa proposta até dezembro, poderemos votar essa revisão em 2009. Seria um marco na história do Congresso Nacional.

Como será a tramitação dessa proposta?

Vamos entregar o anteprojeto ao presidente do Senado. Ele deve dar entrada como um projeto de código, que deverá ser examinado por uma comissão especial temporária formada por onze senadores. Essa comissão externa de juristas vai adiantar o trabalho da comissão especial, vai abreviar etapas.

Não existe um grupo no âmbito da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, designado pelo senador Marco Maciel, com a mesma finalidade? Não haverá um conflito?

Não vai haver conflito algum. Na hora que for montada essa comissão especial para estudar o anteprojeto, os integrantes dessa comissão da CCJ poderão compô-la e aproveitar todo o trabalho. Essa comissão externa funcionará no período eleitoral, quando temos dificuldade em fazer tramitar matérias. Também vai trabalhar no final do ano, quando a pauta fica congestionada e temos dificuldade em votar as propostas. Vamos ganhar tempo. O Brasil está muito atrasado na modernização do seu Código de Processo Penal. Muitos países latinos já fizeram essa atualização.

Cíntia Sasse/ Jornal do Senado
(Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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