"Sociedade organizada começa a perceber existência do Parlamento do Mercosul", diz Dr. Rosinha

Da Redação | 26/06/2008, 15h38

O Brasil assumirá pela primeira vez, a partir deste sábado (28), a presidência do Parlamento do Mercosul. Durante sessão a ser realizada na cidade argentina de Tucumán, o comando da instituição passará às mãos do deputado Dr. Rosinha (PT-PR), que até então ocupou a vice-presidência brasileira no regime de rodízio entre os países. Durante os próximos seis meses, caberá a ele a condução do processo de consolidação do órgão que pretende representar as sociedades dos países que compõem o bloco - Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai - nos debates a respeito da integração regional.

Na opinião de Dr. Rosinha, a sociedade civil organizada já começa a perceber a existência do novo parlamento. Ele cita como principais interessados no assunto, até o momento, empresários que têm negócios no Mercosul e pesquisadores das universidades dos países que compõem o bloco. "Esses setores já perceberam, o povo de maneira geral, não", admite o deputado.

Na primeira etapa do processo de criação da instituição, cada um dos quatro países vem sendo representado por 18 parlamentares indicados pelos respectivos Congressos Nacionais - os nove parlamentares da Venezuela, país em fase de adesão, têm direito a voz, mas não a voto. Até 2010, todos os países terão eleito de forma direta seus representantes, completando mais uma etapa de transição. Mas quantos representantes? Esta é a principal questão a ser resolvida até o final do ano, segundo Dr. Rosinha.

Para o deputado, a definição do critério de proporcionalidade a ser adotado para a constituição do parlamento - por meio da qual se indicará o número de parlamentares a serem eleitos por cada país - está diretamente ligada aos critérios para a constituição do orçamento da nova instituição, que tem sede em Montevidéu. Com a posse dos deputados eleitos até 2011, acredita Dr. Rosinha, o Parlamento do Mercosul estará a caminho de sua consolidação.

A seguir, a entrevista do novo presidente do Parlamento do Mercosul:

Agência Senado - É a primeira vez que o Brasil assume a presidência do Parlamento do Mercosul, depois dos outros três países que compõem o bloco. Quais serão as prioridades da sua gestão?

Dr. Rosinha - O próprio protocolo que constituiu o Parlamento do Mercosul estabelece duas questões: o parlamento deve representar o povo que vive no Mercosul e, ao fazer essa representação, deve ter o objetivo de construir a cidadania do Mercosul. Em função dessas duas questões, a representação e a construção cidadã, devemos ter parlamentares na quantidade suficiente para que o povo se sinta representado. Nesse período de seis meses, meu objetivo é construir a proporcionalidade de representação. Porque hoje são 18 parlamentares por país. O Brasil está sub-representado, e há uma super-representação do Paraguai e do Uruguai, quando se compara com a população. Então, eu procurarei, nesses seis meses, encaminhar essa questão.

Agência Senado - A definição tem que ocorrer até o final do ano?

Dr. Rosinha - Tem que ser até o final do ano, porque a Argentina tem que ter mais do que dezoito, também, e ali haverá eleições no segundo semestre de 2009. E teria pouco tempo para eles elaborarem o projeto de lei. Nós temos eleições em 2010 e temos que elaborar nosso projeto, pela própria Constituição, com um ano de antecedência.

Agência Senado - Os outros países do bloco já estão receptivos à mudança?

Dr. Rosinha - Havia bastante resistência, principalmente do Paraguai, pela ocasião em que negociamos o protocolo. Agora assume o Paraguai uma nova proposta, uma nova linha política. Espero muito rapidamente ter uma interlocução com eles, para ver a possibilidade dessa proporcionalidade. A Argentina é favorável, porque ela terá um aumento do número de vagas. E, numa conversa preliminar com algumas lideranças do Uruguai, eles não se opõem à correção mínima, pelo menos atenuada, dessa proporcionalidade.

Agência Senado - E qual é a proposta em estudo?

Dr. Rosinha - O projeto que apresentei e que está tramitando coloca para o Brasil setenta e cinco parlamentares, mantendo Paraguai e Uruguai nos dezoito e a Argentina com trinta e dois. A Venezuela, assim que entrar, teria trinta e um. E proponho, nesse projeto que está tramitando, que, a cada entrada de um novo país, essa proporcionalidade seja revista.

Agência Senado - Como vai se dar a eleição dos deputados brasileiros para o Parlamento do Mercosul?

Dr. Rosinha - Aí depende muito da proporcionalidade. Há uma série de interrogações. Se forem mantidos apenas os dezoito parlamentares, não vejo outra possibilidade senão eleições nacionais por listas partidárias. Porque aí a votação individual se torna quase impossível. Se tivermos os setenta e cinco, abrem-se outras possibilidades. Pode ser uma eleição nacional ou regional. Porque, para fazer por estado, não haveria mais de dois deputados pela maioria dos estados, e cerca de treze estados teriam apenas um parlamentar cada - o que significa, praticamente, uma eleição majoritária, não proporcional. Temos que optar, na minha opinião, por uma eleição por região. Sendo por região, teríamos que construir novas circunscrições eleitorais, porque hoje existem as circunscrições do município e do estado.

Agência Senado - O senhor prefere as listas regionais?

Dr. Rosinha - Eu acho que dá uma maior responsabilidade ao parlamentar, maior representatividade, sendo regional. E aí também entra outra possibilidade: listas ou votação individual por região? Creio, novamente, que a lista é melhor, porque você vai ter que ajustar, no interior da lista, uma forma de ter representatividade de todos os estados daquela região.

Agência Senado - Qual é o balanço que o senhor faz da atuação do Parlamento do Mercosul até aqui?

Dr. Rosinha - A gente encontra ainda muita dificuldade de fazer o parlamento funcionar, porque todos nós somos ainda parlamentares nacionais. A dificuldade é de tempo e trabalho nessa relação. A outra dificuldade diz respeito a uma questão cultural, porque o parlamentar nacional tem a propensão a fazer a defesa do nacional e não a defesa do regional. Isso só vai se dar com eleições diretas e a construção de famílias políticas. E também, como conseqüência disso, a definição do papel do parlamentar. Ele não consegue ainda definir qual é o seu papel. Há vontade política de todos, tanto que os brasileiros estão presentes em todas as sessões, há vontade de integração, mas essas dificuldades são inerentes à condição de construção do parlamento.

Agência Senado - O fato de o parlamento reunir-se apenas dois dias por mês não dificulta a tarefa dos parlamentares?

Dr. Rosinha - Dificulta porque é pouco tempo e já está surgindo um excesso de trabalho, principalmente para as comissões. E não há a compreensão, vamos dizer assim, das direções dos parlamentos nacionais de uma maneira geral, não estou falando do Brasil, do papel do Parlamento do Mercosul. Ainda bem que essa fase é curta, são só quatro anos.

Agência Senado - A sociedade brasileira já começa a perceber a existência do Parlamento do Mercosul?

Dr. Rosinha - Acho que a sociedade civil organizada, que debate política nacional e até mesmo internacional, e as empresas que fazem negócios dentro do Mercosul, esses já perceberam a existência do parlamento. As universidades também, há uma grande demanda surgindo de universidades, há muitas teses de mestrado e doutorado. Esses setores já perceberam, o povo de maneira geral, não.

Agência Senado - Mas é o povo que vai eleger os deputados do Mercosul.

Dr. Rosinha - Por isso é que defendo que, na lei eleitoral, nós tenhamos a garantia do tempo de televisão gratuito, como ocorre hoje nas eleições nacionais.

Agência Senado - A relação com os governos está fluindo bem?

Dr. Rosinha - No caso do Brasil, digo que sim. A relação de colaboração tem sido bastante positiva. A interlocução obrigatoriamente vai crescer.

Agência Senado - O ato de criação da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) prevê o estabelecimento de um novo parlamento regional em Cochabamba, na Bolívia. Como se daria a relação entre os dois parlamentos?

Dr. Rosinha - Primeiramente há uma leitura de conjuntura. Sempre se discutiu a união da América Latina. Mas os ventos de centro-esquerda que sopram hoje não chegaram à América Latina como um todo, mas sim à América do Sul. E a conjuntura hoje favorece a integração da América do Sul. Ao mesmo tempo, há dois blocos na América do Sul: o bloco andino e o Mercosul. Esses dois blocos têm que se encontrar em algum momento, para fazer a integração. Acho que a Unasul é um passo para esse encontro. Ali, ao se estabelecer o espaço parlamentar, não se define (esse espaço) como um parlamento de imediato. Caso este seja construído, a sede seria em Cochabamba. Vejo que não houve precipitação, se colocou essa possibilidade, assim como o Tratado de Assunção e o Protocolo de Ouro Preto abriram o espaço para o parlamento (do Mercosul). E esse espaço vamos procurar ocupá-lo, agora na minha presidência, fazendo uma reunião plenária entre o Parlamento Andino e o Parlamento do Mercosul, para debater esse tema, em Montevidéu. Também já há um acordo firmado entre os dois parlamentos para a realização de duas reuniões anuais.

Agência Senado - E quais são os próximos passos para a consolidação do parlamento do Mercosul?

Dr. Rosinha - Na hora em que se definir a proporcionalidade, vai se definir também o orçamento. Aí o Parlamento do Mercosul terá mais independência. Hoje o seu orçamento é de US$ 1 milhão. Não é caro, há uma contenção de despesas. Mas a partir de 2011, com a posse de todos os novos deputados e o estabelecimento da proporcionalidade, haverá maior independência.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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