Sete horas de intenso debate para votar a CPMF

Da Redação | 13/12/2007, 02h36

A votação da proposta de emenda à Constituição (PEC 89/2007) que prorrogava a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira ( CPMF ) só foi concluída na madrugada desta terça-feira, por volta de 1h Os encaminhamentos de votação foram iniciados às 18h com uma autocrítica e um apelo governista por parte do senador Valter Pereira (PMDB-MS). Mesmo reconhecendo que o Brasil é obrigado a suportar uma alta carga tributária, o parlamentar por Mato Grosso do Sul advertiu para o risco que correm os programas governamentais caso falte a CPMF.

Valter Pereira quis ir além dos cinco minutos regulamentares, obrigando o recém-eleito presidente, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), a consultar os líderes sobre a extensão dos encaminhamentos. Por unanimidade, foi mantido o que manda o regimento, e a defesa governista prosseguiu com o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), que também reconheceu o excesso de impostos, mas defendeu a importância do imposto do cheque.

- Seria um ato criminoso para com o Brasil negar a CPMF ao governo Lula - apelou Inácio Arruda, com a concordância do senador Gerson Camata (PMDB-ES), que chamou a CPMF de "tributo Robin Hood", e alertou para o efeito nulo da derrota do imposto sobre a popularidade de Lula.

Outro governista, o senador João Pedro (PT-AM), fez um histórico da CPMF, partindo da emenda que em 1993 criou o Imposto sobre Movimentações Financeiras (IPMF), passando pelas emendas de prorrogação do tributo sob outra denominação em 1996, 1999, 2002 e 2003. Em seguida, citou o idealizador da CPMF, o médico e ex-ministro da Saúde Adib Jatene, ainda hoje um defensor da contribuição.

Quinto orador a usar a palavra, o senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), manteve a defesa da CPMF no ar, embora lamentando que os adversários não tenham se convencido por todo o tipo de argumentação. Valadares chegou a assumir a incerteza vivida pela bancada do governo em relação à sorte do imposto.

- Se a CPMF cair, os preços dos alimentos não vão variar para baixo, mas o dinheiro para cirurgias pelo SUS [Sistema Único de Saúde] vai diminuir. A oposição pode ganhar esta batalha, mas uma outra vitória desse tipo acabará com a oposição - advertiu.

A líder do bloco da apoio ao governo, Ideli Salvatti (PT-SC), pegou o bastão das mãos de Valadares e classificou a votação de "histórica". Como argumento favorável à CPMF citou os dados da pesquisa CNI/Ibope, divulgada na terça-feira (11), com aumento da confiança da população no governo, e números de crescimento da economia.

- A percepção do povo é a de que a situação do país está melhor. Sem a CPMF, o ritmo de crescimento e distribuição será menor. Por isso, o povo está atento a como vamos votar - argumentou Ideli, que cedeu a palavra ao senador Francisco Dornelles (PP-RJ), tendo este alertado também para o risco que a não prorrogação da DRU teria sobre os setores que não têm assegurada receitas vinculadas.

Às 19h50, subiu à tribuna o senador Tião Viana (PT-AC), que no final da manhã havia entregue a presidência ao senador Garibaldi Alves, eleito o novo presidente. Os argumentos de Tião Viana dividiram-se entre os racionais e os emocionais: de um lado muitos estados, como o Pará, recebem em razão da CPMF mais recursos do que arrecadam com o imposto

Críticas

O contra-ataque da oposição só viria depois dos argumentos do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), por meio do líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), que minimizou os alertas sobre crise na saúde, "num momento de bonança", ou seja, alta carga tributária e aumento crescente da arrecadação. O líder do PSDB criticou a estratégia de negociação do governo que ofereceu isenção para a faixa de renda para a CPMF que seriam tragadas pelo aumento da arrecadação e "chantageou" governadores com o corte de recursos.

- Se com o fim da CPMF vier um cenário favorável, dividirei com a minha bancada, mas e vier o caos eu assumo a inteira responsabilidade. Estou tranqüilo porque a recusa à CPMF vai obrigar o governo a descer à terra para negociar uma verdadeira reforma tributária e diminuir gastos - disse Virgílio, que afirmou não acreditar nas promessas que o governo fez para chegar a um acordo com os tucanos, como a prorrogação do governo só por mais um ano. E lembrou que na oposição o PT nunca fez concessões ao governo para proteger a população.

A defesa da CPMF feita pelo governador de Minas Gerais, Aécio Neves, do partido de Virgílio, foi utilizada minutos depois pelo senador Paulo Paim (PT-RS) como argumento a favor da manutenção do imposto. Ele criticou a oposição por manter-ser irredutível a despeito de todos os pontos em que o governo aceitou ceder.

- Eu não entendo esta Casa - lamentou poucos minutos depois o senador Wellington Salgado (PMDB-MG) diante da posição dos que são contra a CPMF. Ele disse que não se poderia questionar um presidente com índices de popularidade tão grande.

"Lorota"

O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) rechaçou os ataques aos adversários do imposto e tachou de "lorota" a afirmação do governo de que CPMF ajuda a combater a sonegação. Repetindo o que dissera Virgílio, o parlamentar pernambucano citou estudo da Universidade de São Paulo (USP) que demonstraria ser a CPMF um tributo que pesa mais no bolso dos pobres do que no dos de maior renda, pelo efeito da transferência do imposto para os produtos.

O senador Sibá Machado (PT-AC) justificou a mudança da posição do PT contra a CPMF, no governo Fernando Henrique, pela mudança na aplicação que teria sido feita no governo Luiz Inácio Lula da Silva, destinando recursos da CPMF para o pagamento do Bolsa-Família e da aposentadoria dos trabalhadores rurais.

- Vim aqui falar da emoção do povo - disse Sibá.

O líder do DEM centrou sua argumentação na eficiência econômica, defendendo o ponto de vista de que o aumento da carga tributária nos coloca em desvantagem perante os concorrentes do Brasil como Rússia e a Índia.

- Se o governo quer ajudar os pobres, deve deixar de usar o aumento da arrecadação para contratar 26 mil petistas em cargos comissionados e criar 38 ministérios - disse Agripino, que citou dados da execução do Orçamento para dizer que os investimentos públicos em saúde não passam de 4% do total de investimentos do governo.

- Chega de egoísmo. Vamos buscar a solidariedade e da fraternidade - respondeu a senadora Serys Slhessarenko (PT-MT).

- Não estamos sendo egoístas. Egoísta é o governo que arrecada R$ 60 bilhões em outros impostos e ainda quer ficar com R$ 40 bilhões dos trabalhadores - replicou a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), relatora das PECs na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

Membro de um partido que fechou questão a favor da CPMF, o senador Osmar Dias (PDT-PR) disse que recebeu documento assinado pelo líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), e pelo ministro das Relações Institucionais, José Múcio, com vários compromissos do governo: redução 0,02% na alíquota da CPMF, para passar dos atuais 0,38% a 0,30% em 2011; redução da incidência da DRU nas verbas para educação, de forma que a partir de 2011 não haveria mais o corte de 20% dos recursos, o equivalente a R$ 5 bilhões a mais; contenção dos gastos correntes (mensagem 154/2000 na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos - CAE); restrição dos limites globais para o montante da dívida consolidada da União; limite de crescimento dos gastos com pessoal igual à inflação mais 2,5% ao ano (matéria na CAE); estabelecimento de limites mais específicos para limite despesas correntes na LDO de 2008; verbas para a recuperação do Hospital das Clínicas de Curitiba.

- Além disso, a promessa do governo de vir a utilizar toda arrecadação da CPMF com a saúde condiz com os interesses da população - disse Osmar Dias.

- Não há momento mais oportuno do que este para acabar com a CPMF, quando há um excesso de arrecadação - argumentou dois discursos depois o irmão de Osmar Dias, senador Alvaro Dias (PSDB-PR). Para ele, rejeitar a CPMF será um sinal de independência do Legislativo em relação às imposições do Palácio do Planalto.

Na opinião do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), o argumento do excesso de arrecadação não é válido, uma vez que esse excedente decorre de uma circunstância internacional favorável, sobre a qual não há garantia de continuidade. Ele lembrou que a dívida pública ainda está em R$ 1,3 trilhão, e que esse valor só cairá se os investidores perceberem a possibilidade de solvência do Estado.

- Tirem os ternos e vistam os jalecos. Por que não construir um entendimento? O tempo de uma cirurgia e de um parto é o tempo da vida - pressionou o senador petista.

Afirmando participar de cerimônias de entrega de cartões do Bolsa-Família, a senadora Fátima Cleide (PT-RO), disse que os brasileiros pobres não estão preocupados com números da macroeconomia, mas com os recursos sem os quais não poderiam se alimentar ou freqüentar escolas e faculdades.

Colega de partido de Fátima Cleide, o senador Eduardo Suplicy (SP) abriu alguns dados bancários para mostrar que desconta R$ 160 reais de CPMF em um salário de R$ 16 mil.

- Isso é perfeitamente razoável. É a nossa contribuição para a maior equidade social - disse.

Às 21h50, quando a oposição já dava como certa a rejeição da PEC, o debate foi agitado pelo boato de que uma carta assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a promessa de utilização total da CPMF com a saúde estava circulando entre os senadores.

Carta de Lula

Às 22h30, Romero Jucá pediu a palavra antecipadamente. Rememorou as negociações no Senado e anunciou que trazia duas cartas endereçadas ao presidente do Senado, uma assinada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pelo ministro das Relações Institucionais, José Múcio, e outra assinada pelo próprio presidente Lula, encaminhando a primeira.

A carta dos ministros (um comunicado conjunto em termos genéricos) foi usada para embasar dois caminhos de negociação apresentados por Jucá: um deles seria o aumento dos gastos com a saúde em R$ 29 bilhões, e não mais R$ 24 bilhões, conforme sugestão do Conselho Nacional de Secretários de Saúde. A CPMF seria prorrogada por um ano apenas, enquanto se discutisse uma proposta de reforma tributária.

O outro caminho seria o aumento gradual da parcela da CPMF com a saúde até atingir, em quatro anos, o total da arrecadação, calculado em R$ 36 bilhões. Nessa hipótese, a CPMF seria prorrogada por quatro anos.

A idéia de Jucá era interromper os encaminhamentos para a retomada das negociações nesta quinta-feira (13). O DEM e o PSDB, entretanto, recusaram esse entendimento, mantendo posição favorável à votação ainda na noite de quarta.

- Esse é um fato novo. Poderemos perder, mas está aqui e a decisão é do Senado - disse Jucá.

- Esta é uma proposta intempestiva, de última hora. Não merece consideração neste momento - disse José Agripino

- Não sei por que essa proposta não veio antes. Recebo com respeito e simpatia a carta dos ministros. Mas só depois dessa votação, abriremos negociações. E estaremos prontos a negociar tão logo, votemos a CPMF - reforçou Arthur Virgílio.

Apelo de Simon

O debate prosseguiu até que às 0h05 desta quinta-feira (13) o senador Pedro Simon (PMDB-RS), voto declarado a favor da CPMF, pediu que a votação fosse adiada para que "todos pudessem refletir" sobre a matéria, evitando uma vitória ilusória para qualquer um dos lados. A iniciativa foi duramente criticada por Virgílio. Os dois trocaram reprimendas, mas uma hora depois um abraço caloroso pôs fim ao conflito.

Às 0h55, Garibaldi colocou a matéria em votação. Agripino propôs que se votasse em separado a Desvinculação de Receitas de União ( DRU ), mecanismo que permite a manipulação de recursos da ordem de R$ 40 bilhões. Com exceção do líder do PSOL, senador José Nery (PA), houve concordância com a proposta de Agripino.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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