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Capitais Nacionais do Brasil, um mapa de cultura e desenvolvimento regional

Paola Lima
Publicado em 24/2/2022

Atualizado em 14/7/2022

Quem passeia pelo interior de São Paulo pode conhecer quatro capitais nacionais percorrendo menos de 500 quilômetros. É simples. Basta começar por Holambra, a Capital Nacional das Flores. Seguindo 50 km para oeste, encontrará Limeira, a Capital Nacional da Joia Folheada. Mais 85 km para o norte, chega-se à Capital Nacional da Cerâmica Artística e da Decoração, Porto Ferreira, e com 53 km para oeste, à Capital Nacional da Tecnologia, São Carlos.

As cidades paulistas fazem parte da lista de 46 municípios brasileiros que receberam nos últimos anos títulos de capital nacional oficializados por lei federal (veja o mapa interativo). O primeiro a ter o reconhecimento por lei foi Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, que se tornou a Capital Nacional da Literatura, pela Lei 11.264, de 2006, por ser sede da Jornada Nacional da Literatura desde 1981Só no primeiro semestre de 2022, seis novas cidades foram agraciadas com um titulo. Uma delas foi Nova Esperança, no Paraná, que se tornou a Capital Nacional da Seda pela Lei 14.388.

Portal de entrada de Holambra, São Paulo: cidade é oficialmente a Capital Nacional das Flores desde 2011 (foto: Getty Images/iStockphoto)

Interessados em também conquistar seu título federal, outros 145 municípios contam com projetos apresentados no Senado e na Câmara, às vezes nas duas Casas, para receber a homenagem. Mas o que há de tão vantajoso nessas denominações?

— Não tenho dúvida de que esses títulos têm um grande atrativo de natureza social e de natureza econômica — assegura o senador Esperidião Amin (PP-SC), autor da Lei 14.255, de 2021, que homenageou Urupema, e da Lei 13.818, de 2016, que concedeu a Laguna, também em Santa Catarina, o título de Capital Nacional dos Botos.

Ele explica que, no caso de Laguna, a cidade e apenas outras duas no mundo (Mauritânia, na África, e Mianmar, na Ásia) desenvolvem a pesca da tainha em cooperação com o golfinho da espécie Tursiops truncatus, o boto pescador.

— Isso significa um atrativo turístico e uma grande responsabilidade ambiental. O espaço ambiental para o boto viver teve de ser ampliado e só isso já significa a criação de uma regra ambiental, consequência de a cidade ser capital nacional — exemplifica.

O título de Capital Nacional dos Botos fez com que Laguna, em Santa Catarina, ampliasse a proteção à espécie (foto: Elvis Palma/Prefeitura de Laguna)

Amin é autor de outras duas propostas semelhantes: para Irineópolis ser a Capital Nacional do Trator (PL 1.039/2020) e para que Itajaí seja a Capital Nacional da Pesca (PL 5.226/2019).

O senador esclarece que cada iniciativa tem um impacto diferente na cidade homenageada. A ideia de transformar Irieónopolis na Capital Nacional do Trator, por exemplo, não surgiu por conta do tamanho da frota de veículos, mas do desfile de tratores de uso rural que ocorre na cidade desde 2013.

— É uma festa que comemora a pequena propriedade rural, porque cada uma é dona do seu trator. O agricultor conseguiu uma pequena propriedade, conseguiu conquistar um patrimônio seu, e isso é motivo de orgulho. Para ele e para Santa Catarina, que tem o maior número de pequenas propriedades rurais rentáveis. Isso é o reconhecimento de uma política pública de longa data — argumenta.

Capitais Nacionais

46 cidades já ganharam o título por lei e mais de 100 querem essa distinção

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Reconhecimento x relevância

Em novembro, a Comissão de Educação do Senado concedeu à cidade de João Câmara, no Rio Grande do Norte, a alcunha de Capital Nacional dos Ventos. Durante a votação do PL 3.682/2020, que seguiu para análise da Câmara, o autor do texto, senador Jean Paul Prates (PT-RN), defendeu a importância desse tipo de proposta para o desenvolvimento das cidades.

— A alguns pode parecer que é de menos relevância dar esses títulos às cidades, tentar dar a elas dísticos como "cidade disso", "cidade daquilo", "a capital". Mas é extremamente importante para quem está em João Câmara e na região do Mato Grande saber que este é um reconhecimento. Não é uma ordem demagógica, é um reconhecimento — garantiu o senador, listando a importância de João Câmara, que hoje é a décima cidade potiguar que mais recolhe impostos, graças aos 29 parques eólicos instalados na região.

Senadores Esperidião Amin, Jean Paul Prates e Izalci Lucas argumentam que reconhecimento é importante para a população dos municípios homenageados (fotos: Jefferson Rudy/Agência Senado, Edilson Rodrigues/Agência Senado e Jane de Araújo/Agência Senado)

Jean Paul, porém, reconhece que é importante não banalizar a concessão do título de capital nacional. Sua preocupação tem fundamento: entre os mais de 100 projetos em tramitação, cerca de 20 são de cidades diferentes disputando o mesmo título.

Um desses casos é a Capital Nacional do Ovo, que tanto pode acabar sendo Bastos, em São Paulo, ou Santa Maria de Jetibá, no Espírito Santo. As duas contam com propostas em tramitação no Congresso — a de Bastos, apresentada em 2017, já foi aprovada na Câmara e aguarda votação no Senado (PLC 133/2018); a de Santa Maria de Jetibá, apresentada em 2019, ainda precisa ser votada pelos deputados (PL 4677/2019) antes de seguir para o Senado.

Ambas são expoentes no setor, sendo que o município capixaba lidera o ranking nos últimos anos, com uma produção de 361,3 milhões de dúzias de ovos em 2019, seguida por Bastos, com 280,5 milhões de dúzias, de acordo com dados do IBGE.

Ijuí, no Rio Grande do Sul, foi a última cidade a ter uma lei federal que a torna Capital Nacional das Etnias (foto: Google Maps)

Situações assim abrem espaço para críticas a esse tipo de propostas, muitas vezes julgadas eleitoreiras. Para impedir a distribuição indiscriminada de títulos, está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado uma proposta para disciplinar essa concessão (PL 2.102/2019). De iniciativa da deputada licenciada Laura Carneiro, o projeto define regras claras para as homenagens aos municípios.

A proposta determina a comprovação de interesse público, verdade e regularidade para a entrega do título. Para isso, será preciso anuência do município em relação à homenagem por meio de manifestação oficial do Poder Legislativo municipal; comprovação documental de que a cidade seja expoente nacional, por pelo menos dez anos consecutivos, na área em que almeja o título, ou que o acontecimento que se pretende ressaltar ocorra por no mínimo dez anos consecutivos.

Além disso, deve-se fazer audiência ou consulta pública da população local. Fica proibido também que um município receba mais de um título de capital nacional ou que mais de um município ostente o mesmo título.

“Esperamos contribuir para que sejam justas e legítimas as homenagens, de modo a atender ao interesse dos municípios que se empenham em executar com excepcional competência determinada atividade, promover com destaque característica notável ou valorizar sobremaneira sua história e sua cultura, e que merecem, por isso, o reconhecimento do poder público e da sociedade”, defendeu a deputada ao justificar o projeto.

Tradição comprovada

A necessidade de comprovação de que o município é um expoente no país na área em que pretende receber o reconhecimento é reforçada pela consultora legislativa de cultura Romina Capparelli. Ela alerta que a concessão dos títulos às vezes se fundamenta mais no desejo da cidade de obtê-lo do que na sua real liderança na modalidade. Cidades de uma mesma região, por exemplo, podem ter como típico um mesmo produto agrícola, uma iguaria ou um mesmo perfil cultural, histórico ou geográfico.

É o que acontece com a disputa pelo título de Capital Nacional da Pesca Esportiva, desejado pelas cidades de Porto Velho, em Rondônia; Corumbá, no Mato Grosso do Sul; e Cáceres, no Mato Grosso. Os projetos (PL 2.487/2019, PL 3.747/2020 e PL 5.883/2019, respectivamente) estão sendo analisados em conjunto na Câmara dos Deputados. As três cidades destacam, e de fato possuem, as aptidões naturais para o exercício do esporte.

— Esse tipo de homenagem também é uma forma de o parlamentar mostrar à população que está trabalhando por sua região. Então é fundamental que os títulos sejam bem fundamentados para que não haja confusão entre os municípios — alerta a consultora, que destaca a importância das audiências públicas com os moradores do local como forma de legitimar a concessão.

Parintins, Capital Nacional do Boi Bumbá, é a única cidade da Região Norte que ostenta o título reconhecido por lei (foto: Bianca Paiva/Agência Brasil)

Romina lembra, no entanto, que o título pode ser um relevante reconhecimento para traços peculiares de um município, como no caso de Divina Graça, em Sergipe, prestes a virar a Capital Nacional da Renda Irlandesa (PL 4.641/2019).

A cidade de cinco mil habitantes reúne mais de 200 mulheres que produzem a renda, a partir da técnica aprendida por missionárias irlandesas na época do Império. E não só coleciona prêmios, como o Prêmio Sebrae TOP 100 de Artesanato e o Selo de Identificação Geográfica, como teve o artesanato reconhecido pelo Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] em 2008 como Patrimônio Cultural do Brasil.

— É um título que dá gosto de conceder, porque são evidentes a relevância e a tradição da renda dentro da cultura da cidade — diz Romina.

Apucarana, no Paraná, é a Capital Nacional do Boné por deter metade da produção nacional do produto (foto: Geraldo Bubniak)

Áreas temáticas

O projeto de lei que regulamenta a concessão dos títulos de capital nacional divide a homenagem em cinco áreas temáticas: atividade de natureza cultural ou esportiva; atividade econômica; evento de relevância cultural, esportiva, científica ou social; acontecimento histórico relevante; e peculiar característica geográfica.

É no critério atividade econômica que Gaspar, em Santa Catarina, deseja o título de Capital Nacional da Moda Infantil. A cidade de 70 mil habitantes já é oficialmente a Capital Catarinense da Moda Infantil, mas batalha pelo título nacional para incrementar os negócios, recebendo eventos e feiras têxteis voltadas ao setor.

Atualmente a indústria têxtil é responsável por quase 30% da renda municipal, obtida por 870 empresas de confecção, 480 facções e 85 tinturarias, fiações, tecelagem e outros. O prefeito Kleber Wan-Dall esteve em Brasília em setembro de 2021 e acompanhou a aprovação do PL 4.319/2019 pelos deputados — a proposta agora será analisada pelo Senado.

— Conseguimos aprovar esse projeto na Câmara dos Deputados. Uma conquista histórica para nossa cidade e para nossa região. Agora o projeto segue para o Senado e para a sanção do presidente. Mas já podemos comemorar. Esse título trará ainda mais incentivo para o desenvolvimento, geração de emprego, renda e oportunidades para nossa gente. Muito orgulho e muita emoção por aqui — compartilhou em suas redes sociais, acompanhado de uma comitiva de representantes do setor empresarial e industrial da região.

Salinas, no norte de Minas Gerais, foi reconhecida em 2018 como Capital Nacional da Cachaça (foto: Divulgação/Prefeitura de Salinas)

Para o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), integrante da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) do Senado, os títulos ajudam na divulgação da cidade em âmbito nacional.

— Quando você se qualifica como capital de alguma coisa, você tem um incremento na propaganda e na divulgação da cidade, você aumenta as possibilidades de visitação. Isso sempre ajuda na economia.


Reportagem: Paola Lima
Edição: João Carlos Teixeira
Infografia: Cláudio Portella
Edição e tratamento de fotos: Roberto Suguino
Foto de capa: Marleno Muniz Farias/Divulgação Urupema