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Nos bastidores, medidas administrativas garantem o trabalho no Senado

Guilherme Oliveira
Publicado em 12/6/2021

Negociações, debates, audiências, sabatinas, votações. Todas essas atividades são o pulso do Senado, uma Casa legislativa incumbida de fazer política, legislar e fiscalizar o governo — papéis que ocupam o noticiário e as atenções do público brasileiro e definem o Senado aos olhos do país. As articulações são laboriosas e as decisões têm grande impacto. Entretanto, ao olhar por baixo da cúpula convexa do Congresso Nacional, o que se verá é a imensidão das operações corriqueiras de um órgão público de abrangência nacional, com mais de 8 mil funcionários e suas rotinas cronometradas.

Senadores e servidores reunidos à mesa de comando da CPI da Pandemia - Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Manter o Senado funcionando durante a pandemia de covid-19 não foi uma questão de viabilizar apenas a dimensão política e os espaços ocupados pelos senadores. Esses, claro, são a culminação de todos os esforços da Casa. Ocorre que, assim como os parlamentares, os servidores também estavam isolados e afastados do local de trabalho, ou encarando a incerteza do vírus à solta no seu cotidiano. A eles precisou ser oferecida uma estrutura que, se não foi inovadora como o Sistema de Deliberação Remota (SDR), deveria pelo menos injetar previsibilidade e consistência nos seus expedientes modificados.

Essa estrutura compreende vários níveis. Soluções tecnológicas, medidas sanitárias e cuidados médicos se combinaram numa rede de apoios ao longo do ano de 2020 para estabelecer o que viria a ser o novo ambiente de trabalho dos servidores: virtual e remoto em muitos casos; presencial, mas adaptado, para alguns. No horizonte daqueles responsáveis por tecer essa rede, a preocupação, além de permitir a continuidade do dia-a-dia das diversas áreas do Senado, era manter acesa a chama de comunidade entre os colegas distanciados.

Servidores do Senado atualizam o Portal Senado Notícias com áudios, vídeos, textos e fotos diariamente - Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

No começo de tudo, porém, não havia muito tempo para ponderações. A covid-19 chegou ao Brasil no final de fevereiro de 2020 e em duas semanas já era a grande preocupação do país. O vírus impôs uma crise sanitária sem precedentes ou manual, exigindo dos gestores que agissem quase por reflexo nas duas frentes que precisavam ser abordadas: proteger os funcionários e dar sequência aos trabalhos da Casa.

Técnicos em operação na TV Senado: transmissões acontecem sete dias por semana, 24 horas por dia - Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Naturalmente, boa parte da responsabilidade pelas primeiras decisões cruciais, aquelas destinadas a erigir um escudo contra a covid-19, recairia sobre o Sistema Integrado de Saúde do Senado (SIS). O setor conta com uma pequena equipe de médicos, mantém postos de atendimento no Senado e gerencia o plano de saúde dos servidores. Logo no início de março, o SIS procurou o aconselhamento de um epidemiologista da Universidade de Brasília (UnB) e começou a formular medidas para a redução de riscos de contaminação no ambiente interno, com base no conhecimento científico disponível sobre a doença naquele momento — que era ainda limitado.

Daniele Calvano: "Médicos do Senado orientaram e atenderam o público interno sobre a covid-19, o que permitiu também a continuidade dos trabalhos na Casa" - Reprodução da rede interna /Agência Senado

Em uma primeira etapa, o acesso aos prédios do Senado e a circulação foram restritos, e estabeleceu-se um sistema para detecção e afastamento de casos suspeitos. O SIS tinha consultórios abertos e um serviço de WhatsApp — o “coronazap” — para servidores que suspeitassem ter a doença.

Daniele Calvano foi a médica do SIS nomeada para coordenar as ações de combate à covid-19 no Senado. Ela havia sido coordenadora-geral do serviço entre 2015 e 2019, e foi essa expertise recente à frente da área que garantiu a sua convocação para a tarefa.

— Sentimos a necessidade de ampliar o atendimento que a gente fazia presencialmente nos postos para diminuir a circulação na Casa, e também pela consciência de que lá fora, nos sistemas público e privado, a procura estaria grande. Criamos um mecanismo para atender a distância porque não dava para esperar.

A equipe logo enxergou que o plano dependia de mais proatividade. A prevenção teria pouca chance de sucesso se os servidores não fossem integrados às informações que orientavam os protocolos de segurança sanitária. Não bastaria que o serviço médico distribuísse comandos se a comunidade do Senado estivesse às cegas. Assim, o próprio protocolo desenvolvido para o controle de entrada às dependências foi convertido em uma ferramenta didática.

— Observamos nos nossos atendimentos que muitos pacientes não sabiam que alguns sintomas podiam ser de covid-19, porque eles são comuns a muitas enfermidades. Coisas que hoje em dia parecem simples e óbvias, mas na época não eram. Sentimos a necessidade de que as pessoas fizessem uma autotriagem para detectar o que seriam fatores de risco de infecção — relata Daniele.

Questionário

A autotriagem é um questionário que qualquer pessoa que entra no Senado precisa preencher, respondendo se manifestou nos dias anteriores alguns dos vários indícios da doença, ou se esteve em companhia de alguém que manifestou. No início de 2020 a lista era valiosa, pois reunia o pouco que se sabia, então, sobre os efeitos do vírus. Ao fazer o visitante ou servidor confrontar o seu estado com a realidade da doença, o questionário flagrava casos que poderiam passar despercebidos ao mesmo tempo que gerava conscientização.

Outro motivo pelo qual a autotriagem pesava em importância naquela fase inicial de fortalecimento da segurança sanitária era o fato de que ainda havia poucos testes confiáveis, ou mesmo disponíveis. A partir de julho o SIS conseguiu estabelecer uma rotina de testes periódicos para os servidores que ainda precisavam ir ao Senado — aqueles vinculados ao "bunker" das sessões deliberativas remotas ou de áreas como comunicação e polícia.

Algumas das medidas desenvolvidas pelo SIS se revelaram pioneiras. O “coronazap” foi uma das primeiras experiências abrangentes de telemedicina no país (a modalidade foi aprovada pelo Congresso no final de março). O plano de saúde dos servidores passou a incluir, já no primeiro semestre, a testagem para covid-19 entre os serviços cobertos — antecipando decisão da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em junho que tornou essa prática obrigatória.

Para Daniele Calvano, os avanços foram rápidos porque o SIS sempre teve o respaldo da direção da Casa e dos demais setores. Cada medida precisava de campanhas de comunicação, de aquisição de equipamentos, de orientação jurídica.

— A pandemia veio colocar à prova a nossa capacidade de gestão. Faz muita diferença quando a administração superior apoia as medidas técnicas e é focada na produção da comunidade.

Outras medidas de saúde importantes para os servidores, que vieram ao longo da pandemia, foram a expansão da rede hospitalar do plano de saúde — que já estava em curso, mas acabou acelerada — e a antecipação da campanha de vacinação contra a gripe promovida pelo Senado em 2020, de abril para março. Essa última ação foi feita para reduzir as chances de casos de gripe comum se confundirem com casos de covid-19 — lembrando, novamente, que no início do ano o conhecimento da doença ainda era escasso e os testes disponíveis não eram precisos.

O questionário da autotriagem foi acoplado a um sistema virtual desenvolvido pela Secretaria de Tecnologia da Informação (Prodasen): um código QR para ser lido pelo celular, gerando um formulário único que é preenchido pelo visitante e depois repassado aos funcionários da portaria, pelo mesmo sistema. Caso seja identificado, a partir dele, um caso suspeito, a pessoa recebe as orientações para buscar o atendimento médico.

Antes do trabalho no Senado, Roberto Suguino passa por aferição de temperatura corporal - Foto: Janaina Araujo/NINTRA

O Prodasen também foi essencial para o cumprimento da segunda etapa de restrições de acesso ao Senado: o teletrabalho. A partir de recomendação do SIS, essa modalidade foi estabelecida como preferencial para todos os servidores, e obrigatória para os grupos de risco, a partir do dia 16 de março. Como os servidores não podiam ficar sem os arquivos e programas que usam nas suas tarefas, o Prodasen precisou disponibilizar, praticamente do dia para a noite, o acesso remoto às redes e estações de trabalho para todos na Casa. Isso representou uma expansão desse serviço em mais de 20 vezes - cerca de 300 servidores, somente, tinham permissão e ferramentas para trabalhar de casa antes da pandemia.

A fotógrafa Marri Nogueira faz pesquisa de imagens para o Portal de Notícias remotamente durante a pandemia da covid-19 - Foto: Beto Barata

Pelo acesso remoto é possível chegar à rede interna de computadores do Senado, com seus diretórios de arquivos úteis aos servidores e que não podem ser expostos à rede mundial. Os servidores também usam vários serviços on-line no seu dia-a-dia: a intranet, que contêm algumas funções que só podem ser operadas a partir da rede interna, é o que se chama de extranet. Alguns softwares de gestão de pessoas, por exemplo, estão apenas na extranet.

Os computadores físicos do Senado estão automaticamente conectados à rede interna, mas um computador doméstico precisa que essa porta lhe seja aberta. A forma usual de fazer isso, no Senado, é o token: uma chave virtual inscrita em um pen drive que, ao ser conectado ao computador, integra-o à rede. O Prodasen tem um número limitado desses aparelhos, já em mãos de servidores autorizados, mas para a rotina finita do trabalho doméstico o setor foi atrás de uma solução alternativa.

O diretor do Prodasen, Alessandro Albuquerque, relata que eles optaram pelo método da rede privada virtual, ou VPN, na sigla em inglês.

— É como se eu lançasse um cabo de rede da nossa central de dados até a sua casa. Estabeleço um canal limpo dentro da internet pública para você passar. É mais seguro que eu forneça para cada usuário um token, mas não temos unidades para todos os servidores. Mesmo se eu tivesse o orçamento para comprar mais, não valeria a pena: ficaria muito caro e elas não teriam uso depois.

Jornalista, Débora Brito é uma das profissionais que não pode deixar de realizar o trabalho presencial no Senado - Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Acesso

O acesso remoto por VPN demanda apenas que o usuário baixe um programa e use nele login e senha, mas a abertura dessa “porta traseira” para a rede interna do Senado veio com várias ressalvas para garantir a segurança tecnológica da Casa. Um computador conectado à rede interna pode trazer para ela as suas vulnerabilidades, então o usuário da VPN precisa ter o antivírus em dia, evitar acessar sites e programas maliciosos e proteger as suas senhas.

acesso_remoto_senado_.pngA VPN é uma mera configuração do firewall (barreira de segurança contra ameaças externas) da rede do Senado, e sua liberação depende de um simples comando. A principal objeção à ferramenta não seria de ordem técnica, e sim da perspectiva de avaliação de risco, mas havia bons motivos para superá-la.

— Aí começa a transformação do comportamento do profissional de TI. Muitas áreas são muito conservadoras, especialmente a de infraestrutura, e tem que ser assim, porque as ameaças cibernéticas só crescem. Não dá para fazermos muitas concessões, especialmente por sermos setor público. Mas, quando o pessoal entendeu que o mundo estava parando, começamos a pensar em dar solução.

O Prodasen se preparou para oferecer assistência aos milhares de servidores que passariam a usar o acesso remoto, com a produção de um manual de instruções para todos os usuários e o roteamento do ramal de suporte técnico para as casas dos operadores — que também estavam trabalhando remotamente.

A última etapa do acesso remoto é o acesso à própria máquina de trabalho do servidor. A Microsoft, empresa de serviços tecnológicos que tem contrato com o Senado há três décadas, oferece uma ferramenta chamada protocolo de desktop remoto (RDP, na sigla em inglês), que estabelece a conexão direta entre dois computadores, de modo que o usuário possa operar a sua estação de trabalho a partir do seu computador doméstico. Quando ativada, o usuário enxerga na tela a área de trabalho do computador distante. Assim, pode manipular seus arquivos e também utilizar o certificado digital vinculado à máquina — para assinar documentos de trabalho, por exemplo. Só é possível acionar o RDP quando se está conectado à rede interna, por meio do token ou da VPN.

Oportunidade

A pandemia foi um tempo de invenções e também de oportunidades. Os grandes atores mundiais do mercado de tecnologia aproveitaram o estouro do home office para distribuir benesses, expor seus produtos e aumentar sua base de usuários, de olho em vendas futuras. Instituições com muitos funcionários estavam em boa posição para se favorecerem dessas iniciativas. O Senado recebeu uma oferta da Microsoft: um número ilimitado de licenças do 365 — a linha de serviços corporativos da empresa — por seis meses.

Alessandro aceitou, pensando num experimento. O Senado, que tinha apenas 100 licenças, passou a ter 11 mil, o suficiente para todos os logins da rede interna.

— Já vínhamos debatendo [expandir], mas se eu compro milhares de licenças, elas ficam sem uso e eu tenho que devolver, fica muito feio para um gestor público. Com essas novas licenças abertas para todos, começamos um monitoramento para saber quantos colegas estão usando regularmente. Percebemos que mais de 2 mil pessoas usam. Aditamos o contrato e hoje são 2,8 mil licenças autorizadas, sendo 500 em período de free trial [teste grátis] — conta ele.

Diretor da Secretaria de Tecnologia da Informação (Prodasen), Alessandro Albuquerque - Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

O SIS e o Prodasen encontravam as soluções e quem batia o martelo e providenciava os meios para materializá-las era a Diretoria-Geral (Dger), o coração administrativo do Senado.

A diretora-geral, Ilana Trombka, credita a agilidade para colocar de pé toda a nova estrutura funcional em questão de poucos dias a dois fatores principais: entrosamento e desenvoltura.

O entrosamento se devia ao fato de que os principais gestores envolvidos na criação de um Senado remoto já trabalhavam juntos há muito tempo. Ilana chefia a Dger desde 2015, mesmo ano em que Alessandro Albuquerque chegou à Diretoria do Prodasen e Daniele Calvano assumiu a coordenação do SIS. Na Secretaria-Geral da Mesa (SGM), Luiz Fernando Bandeira de Mello ocupava o cargo de secretário-geral desde 2014. Ainda na área legislativa, o Registro Parlamentar vinha com a mesma diretora (Quésia de Farias Cunha) desde 2014, e a Consultoria tinha o mesmo diretor (Danilo Aguiar) desde 2016. Na Secretaria de Comunicação estava a diretora mais recente, Érica Ceolin, desde 2019, mas os seus três chefes de veículos estavam nas funções há pelo menos três anos. O diálogo entre todos os departamentos que colaboraram para estruturar o Senado na pandemia já vinha de longa data.

Da esquerda para a direita: Quésia de Farias Cunha e Luis Fernando Bandeira; o diretor da Consultoria Legislativa, Danilo Augusto; a diretora da Comunicação Social, Érica Ceolin - Foto: Geraldo Magela, Beto Barata, Pedro França

Gestão

Ilana Diretora.jpgJá quanto à desenvoltura para atuar, a diretora-geral argumenta que isso é resultado de uma fórmula de gestão que atribui uma orientação mínima a todo o conjunto, mas permite que, abaixo da superfície, ele funcione de forma dinâmica. É a administração “caórdica”, cujo objetivo é estimular o sistema a ser flexível e fortalecer as suas partes individuais. Os resultados são vistos justamente nas crises, quando as ações são rápidas e contam com adesão e comprometimento.

— No resultado geral, parece que a gente estava muito pronto para a pandemia porque levantamos uma estrutura robusta com muita rapidez. Não estávamos prontos, não tínhamos nada preparado, não havia um plano “em caso de pandemia”. Mas o valor da administração é ter os recursos que nos possibilitem reagir. E eu tinha os recursos. Nossos colegas foram muito competentes.

Ilana aponta para a Pesquisa de Clima Organizacional de 2020 como referência para outro elemento de gestão que, segundo ela, estimulou a coesão do Senado: a sensação, entre os servidores, de que a instituição está atenta ao seu bem-estar.

— Os servidores quando estão empoderados e seguros podem muito. As pessoas valorizam muito quando a organização olha para elas e se preocupa com elas. As pessoas estão mais felizes com o Senado, em trabalhar no Senado, porque o Senado colocou a saúde delas num patamar muito alto. E o Senado diz que, para manter isso, precisamos trabalhar, do jeito que for. É um ciclo virtuoso — avalia.

A rede interna do Senado chama, anualmente, os servidores a responderem à pesquisa sobre o clima no ambiente de trabalho

Consulta

A Pesquisa de Clima Organizacional é realizada a cada dois anos pelo Serviço de Saúde Ocupacional e Qualidade de Vida No Trabalho (SesoQVT). Os servidores são convidados a responder um questionário com as suas impressões sobre sua satisfação com a gestão interna. Na edição de 2020, 35% dos servidores participaram. Na avaliação específica sobre as ações de combate à pandemia, o quesito da preocupação com a saúde recebeu a nota mais alta — 8,8.

O SesoQVT não é apenas um mensurador do ânimo dos funcionários do Senado. Ele também promove as suas próprias ações de apoio aos servidores na área da saúde ocupacional. Atenção a insalubridades no ambiente de trabalho e atividades de ginástica laboral são exemplos dessa atuação. Mas o grande trunfo do setor é o atendimento psicossocial, com sessões individuais e em grupo, orientações para gestores e equipes e promoção de debates sobre temas como equidade racial e de gênero ou assédio.

Durante a pandemia, o serviço abriu canais específicos para que os trabalhadores do Senado pudessem externar as suas angústias com o isolamento, o risco de contágio, a preocupação com entes queridos. Thaís Paixão, chefe do SesoQVT, conta que o “coronazap” se mostrou mais uma ferramenta valiosa para levar servidores a esse tipo de ajuda, em caso de necessidade.

— Além de respostas imediatas e acesso ao médico, o atendimento tinha função de permitir um acompanhamento: se a pessoa fez os exames, se teve resultado, como está lidando. Nisso, às vezes via-se que ela estava precisando de algo mais, uma atenção individual. No início, principalmente, as pessoas se assustavam muito.

Rolf Regehr, um dos psicólogos do núcleo, afirma que o número de atendimentos cresceu no período e descreve o perfil do servidor que começou a procurar os serviços do SesoQVT. — [O “coronazap”] trouxe um público que estava sofrendo por conta da pandemia. Eram tanto pessoas infectadas como com parentes infectados ou falecidos, ou pessoas com medo de sair de casa, ir ao Senado, pegar transporte público. Esse é um novo público que normalmente não atendíamos.

Rolf_Regehr_01.jpgPor sugestão de uma servidora que procurou o serviço, foi criado, já em 2021, um grupo de terapia coletiva, chamado “Atravessando juntos a pandemia”. As sessões são mensais, sempre na primeira segunda-feira de cada mês. A regra para participar é o sigilo, para manter o espaço seguro e acolhedor.

— A conversa é livre e sobre qualquer coisa que as pessoas queiram trazer. Às vezes falam sobre as suas "transgressões" da pandemia, e elas devem ter a liberdade para se desfazer da culpa, do cansaço. Elas se sentem muito aliviadas de poder falar sobre isso sem julgamento — afirma Rolf.

O SesoQVT tem descoberto, ainda, sobre como os servidores do Senado lidam com o trabalho remoto. Ainda não se sabe se a modalidade está no futuro de alguma área da Casa, mas o serviço de qualidade de vida poderá municiar esse processo decisório a partir do aprendizado que tem acumulado sobre o que funciona e o que não funciona.

— Boa parte [dos servidores] gostaria de continuar pelo menos numa modalidade híbrida. O lado ruim é o prejuízo nas relações, a perda da convivência, e alguns tem menos condição de ter um ambiente bem preparado para isso. O importante é conseguir se beneficiar da parte positiva sem perder o que tem de bom no [modelo] presencial — acredita Thaís.

Os psicólogos do serviço têm se debruçado mais sobre os estudos dos efeitos de ambientes dispersos e virtuais na saúde mental de trabalhadores, e Rolf alerta para as dificuldades que podem surgir na separação entre o pessoal e o profissional.

— Muitas vezes pessoas não têm o lado simbólico do trabalho, como o ato de bater o ponto. Ficou um espaço turvo. Os workaholics trabalham muito mais, as pessoas com menos dedicação acabam por priorizar outras coisas. É importante levar em consideração esse equilíbrio.

O Senado se consolidou como terceiro site governamental com mais seguidores no Facebook - Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Passada a correria do início do ano que supriu as urgências necessárias para manter o funcionamento operacional do Senado, a questão mais perene do ano, pelo ponto de vista da gestão, foi como continuar fomentando a comunidade mesmo com os servidores afastados e em meio a um tempo de apreensão e isolamento.

A ideia de comunidade não se restringia à cooperação interna entre os servidores. Incluía, também, os laços que o Senado poderia construir externamente com ações sociais e interação com o meio social do Distrito Federal. Se a instituição deu aos seus colaboradores as condições para se protegerem, uma extensão disso é que eles possam se dedicar a melhorar a vida de quem atravessa a pandemia sem esse amparo.

Liga do bem

A Liga do Bem é um grupo de voluntariado criado em 2015 por servidores do Senado. Sua origem foi uma sessão do Manhã de Ideias, um programa da Dger que incentiva o brainstorming — técnica de discussão em grupo que se vale das ideias de todos os participantes — entre os servidores para o desenvolvimento de novos projetos. Extraoficial, a liga não faz parte do organograma ou do orçamento da Casa, mas leva o peso da instituição nas suas campanhas. Estas se multiplicaram enormemente com a covid-19, a partir de novas ideias e de um espírito inflamado por um senso renovado de empatia.

Patricia Seixas é a coordenadora do grupo de voluntários da Liga do Bem - Foto: Reprodução

A coordenadora do grupo é Patrícia Seixas, que trabalha na assessoria de comunicação da Dger. Ela está na Liga do Bem desde o começo, quando o trabalho se resumia a campanhas de doações de alimentos, agasalhos e brinquedos e promoção de datas comemorativas para grupos vulneráveis. No início de 2020, estavam em curso também as “doações de amor”, com visitas a lares de idosos e de pessoas com deficiência, que tiveram que ser interrompidas. Mas a pandemia trouxe motivação para uma diversificação drástica das atividades.

— Aprendemos nesse período a ter um olhar mais solidário com o outro, até com a nossa própria equipe. A sensibilidade fica mais aguçada, você percebe mais a dor de pessoas distantes. A pandemia uniu mais as pessoas porque sabemos que elas estão em dificuldade — entende Patrícia.

O terreno coberto pelas ações sociais da liga é vasto. O universo de distribuição social passou a incluir máscaras sanitárias (confeccionadas por costureiras voluntárias), revestimentos para paredes de casas (feitos a partir de caixas de leite), colchões para moradores de rua, lençóis para hospitais, lenços e faixas para pacientes de câncer.

A comunidade interna também se beneficia das novas ideias. Os lavadores de carro que trabalham nos estacionamentos do Senado, com credenciamento, perderam grande parte da clientela quando os servidores foram para o trabalho remoto. A Liga criou para eles uma rodada de cestas básicas mensais, que supre parte das necessidades domésticas para aliviar a perda da fonte de renda diária.

As iniciativas da Liga do Bem incluem arrecadação de doações e um aplicativo para ajudar autônomos que prestam serviços a servidores do Senado, sem renda durante a pandemia - Foto: Agência Senado

O volume de doações recebidas cresceu tanto que a liga mudou seu quartel-general de uma sala de reuniões na Dger para um galpão próximo à gráfica do Senado. Também motivou a criação de um brechó, onde itens excedentes ou inadequados para doação são vendidos; o dinheiro arrecadado abastece os projetos.

Patrícia acredita na força do coletivo. O trabalho compartilhado não é uma divisão, mas uma multiplicação de forças, numa corrente que, em vez de restringir, estimula. Suas palavras ecoam o que os gestores do Senado entendem sobre o poder da inspiração dentro de um ambiente convidativo.

— Juntos nós somos muito mais fortes. Não acredito num trabalho sem compartilhamento. Se estamos conectados, se compartilharmos o que temos de melhor, com certeza vamos fazer o melhor. Jamais faço as coisas sozinha porque eu sei até onde posso andar, mas quando se tem respaldo favorável você se empodera e passa a tomar decisões que antes não tomava.

O empoderamento, de tão valorizado, é passado adiante. No brechó, as portas estão abertas para que beneficiários das ações do grupo possam contribuir com produções próprias (como roupas feitas à mão), ficando com o dinheiro correspondente às vendas. Um caminho para que essas pessoas construam a própria renda em tempos de dificuldade.

Trabalho em família: o casal de servidores Michelle e Narciso Mori em ação voluntária para a Liga do Bem - Foto: Agência Senado

Hoje, a Liga do Bem conta com 250 membros regulares, mais um sem-número de ajudantes ocasionais. Além disso, há o grupo Amigos da Liga, composto por pessoas que não trabalham no Senado, mas ficam sabendo das atividades através de conhecidos ou das redes sociais e se interessam em contribuir.

A diretora-geral Ilana Trombka se orgulha do que vê ter sido construído pelas equipes e indivíduos do Senado, mas preferiria que nada disso tivesse sido necessário.

— Estamos passando por uma crise que eu não queria ter passado, e acho que o Senado está se saindo bem. Me alegro em saber que conseguimos dar o melhor atendimento, mas me entristeço em saber que precisamos fazer isso. Eu preferia não ter esses reconhecimentos e a gente não ter pandemia.

Quaisquer lições que tenham sido aprendidas com as experiências de 2021 precisam ser dosadas com a consciência de que o desafio ainda não acabou. Quase metade de 2021 já se passou e a pandemia continua. O trabalho remoto e as votações virtuais, criações de times de servidores às voltas com contingências que nunca haviam experimentado, continuam. Por enquanto, elas têm vencido o teste do tempo.

— Fomos pioneiros, mas não temos varinha de condão. Outros podem fazer o que a gente fez. Provamos que dá certo. E não dá certo só no Senado, só com esses servidores. Não tem nada mágico, que não seja muito trabalho, dedicação e coordenação de esforços — conclui Ilana.


Pauta e reportagem: Guilherme Oliveira
Edição: Maurício Müller
Coordenação e edição de multimídia: Bernardo Ururahy
Edição de multímidia: Wilian Matos de Lima/Rafael Gonçalves da Silva Lima
Infografia e ilustrações: Diego Jimenez/Cássio Costa
Pesquisa fotográfica: Marri Nogueira
Foto de capa: Marcos Oliveira/Agência Senado