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No Dia do Meio Ambiente, senadores explicam guinada de Bolsonaro na área

Ricardo Westin
Publicado em 5/6/2020

A área desmatada em 2019 na Amazônia, a maior floresta tropical do planeta, foi 30% superior à destruída em 2018. No mesmo período, o número de autuações por crime ambiental no país caiu 20%. Esses são dados do primeiro ano de governo do presidente Jair Bolsonaro, que tomou posse em janeiro de 2019. De acordo com analistas do setor ambiental, já é certo que, em razão do ritmo atual, os índices de desmatamento na Amazônia vão aumentar em 2020 na comparação com 2019.

Nesta sexta-feira (5), comemora-se o Dia Mundial do Meio Ambiente, data instituída pela Organização das Nações Unidas em 1972. A Agência Senado entrevistou um senador que defende e outro que condena as medidas ambientais do governo — respectivamente, Marcio Bittar (MDB-AC) e Fabiano Contarato (Rede-ES). Os dois concordam que, em relação ao que o Brasil vinha fazendo ao longo das décadas anteriores, Bolsonaro deu uma guinada de 180o na política federal para o meio ambiente. Para Bittar, a mudança de rumo é positiva. Na avaliação de Contarato, é danosa para o Brasil e o planeta.

 — O presidente acerta. O Brasil tem, sim, graves problemas ambientais. Mas eles não estão na floresta ou no campo. Eles estão na cidade, como a falta de saneamento básico — avalia Bittar.

 — O meio ambiente está sendo vilipendiado, sucateado, desmantelado, destruído, arrasado. Neste Dia Mundial do Meio Ambiente, infelizmente, não temos o que comemorar — afirma Contarato, que é presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado.

De acordo com Marcio Bittar, é preciso “parar de tratar a Floresta Amazônica como um santuário”, porque, segundo ele, isso é prejudicial para a população que vive na Região Norte:

— Todo mundo acredita que o maior problema do Norte é o desmatamento. Isso é uma imbecilidade. Se o desmatamento fosse mesmo um problema, a Europa hoje não existiria, os Estados Unidos não existiriam. Esses lugares são ricos justamente porque no passado alteraram a vegetação nativa. Os lugares pobres, ao contrário, não a alteraram. Nós temos 86% do bioma amazônico preservado, e o Norte é a região mais pobre do Brasil, mais até do que o Nordeste. Se preservar a vegetação fosse mesmo sinônimo de riqueza, nós seríamos hoje a região mais rica do Brasil.

Bittar descreve a Região Centro-Oeste como exemplo de sucesso. Ele ressalta que a agropecuária avançou sobre a vegetação do Cerrado nas últimas décadas, mudando a paisagem e elevando fortemente a produção nacional de alimentos. O Norte, ao contrário, está subutilizado, segundo ele. O senador diz que, por causa das exigências ambientais, muitos recursos naturais que poderiam ser extraídos do subsolo da Amazônia, como gás e petróleo, acabam ficando intactos.

— Na questão da Amazônia, o grande desafio é preservar o homem e melhorar a qualidade de vida. Fala-se tanto da floresta, mas se esquece do homem que está lá dentro e vive numa situação paupérrima e insalubre. Eu cito, por exemplo, o Igarapé São Francisco, que corta a cidade de Rio Branco ao meio e virou um esgoto a céu aberto. Falta aterro sanitário nas cidades, temos a questão do lixo hospitalar. Em São Paulo, veja o caso do Rio Tietê.

De acordo com Bittar, o exagero na preocupação com a Amazônia é resultado da pressão de países que não cuidaram das próprias florestas:

— Lacramos a Amazônia por causa de países como a Noruega e a Alemanha. A maior parte do PIB [Produto Interno Bruto] da Noruega vem de petróleo e gás. A Alemanha investe pesado em usinas termelétricas à base de carvão. A coisa é tão descarada que esses países fazem exatamente aquilo que dizem que nós não devemos fazer. É má intenção. Eles fazem uma lavagem cerebral nas pessoas. Resulta disso uma grande desinformação no Brasil. Se derrubam uma árvore na Amazônia, o camarada no Sul e no Sudeste até chora. Mas se morre alguém numa reserva extrativista da Amazônia, ninguém fica chocado. Parece que as coisas valem mais que os seres humanos.

Os senadores Marcio Bittar e Fabiano Contarato: visões opostas sobre o meio ambiente (fotos: Pedro França/Agência Senado)

Fabiano Contarato, por sua vez, afirma que o governo Bolsonaro provoca um enfraquecimento e até uma destruição deliberada das estruturas governamentais de preservação do meio ambiente. Como exemplos disso, ele cita a transferência da gestão das florestas públicas das mãos do Ministério do Meio Ambiente para as do Ministério da Agricultura, a extinção da Secretaria de Mudanças do Clima e da Coordenação de Educação Ambiental (esta ligada ao Ministério da Educação) e a diminuição da presença de representantes da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama, órgão consultivo do Ministério do Meio Ambiente).

— Além disso, funcionários do Ibama e do ICMBio responsáveis pela fiscalização de crimes ambientais vêm sendo vítimas de assédio moral. Órgãos ambientais que eram comandados por técnicos foram ocupados por militares. ONGs estão sendo criminalizadas — alerta o senador.

Contarato lembra que, antes de ser eleito presidente da República, Bolsonaro já defendia o fim do Ministério do Meio Ambiente.

— Por causa da pressão, ele não conseguiu fazer isso de direito, mas está conseguindo fazer de fato. Após 28 anos de sua criação, o Ministério do Meio Ambiente está sendo desmantelado.

Segundo o senador, o interesse do governo ao adotar tal política é privilegiar grupos econômicos que lucram com o avanço sobre o meio ambiente. Ele afirma que essa é uma “visão míope”, uma vez que já está demonstrado que a economia e o meio ambiente não são incompatíveis e podem andar lado a lado.

Ainda de acordo com Contarato, o governo federal está violando o artigo 225 da Constituição (“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”). Ele afirma que, por essa razão, apresentou em torno de 50 ações judiciais contra o presidente Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

— Ao permitir o desmatamento, a grilagem de terras, a liberação recorde de agrotóxicos e a extração de minérios em minas inseguras, o governo está, no fim das contas, violando o principal bem jurídico que existe: a vida humana. Sem o meio ambiente protegido, não existe vida. Embora seja óbvio, isso é algo que o governo nega. Nós, no Senado, precisamos ser mais proativos e ter mais coragem e resistência para fazer valer aquilo que está estabelecido na Constituição Federal.

As ações tomadas por Bolsonaro e Salles despertaram as críticas de todos os ex-ministros do Meio Ambiente. Em maio de 2019, oito antigos titulares da pasta assinaram um documento conjunto, apesar das divergência ideológicas entre eles, denunciando o desmonte das políticas de preservação do meio ambiente.

Em setembro, o Ministério Público Federal elaborou um documento contendo uma série de recomendações necessárias para que o Ministério do Meio Ambiente voltasse a efetivamente cuidar da conservação ambiental.

A Agência Senado solicitou ao Ministério do Meio Ambiente entrevista com algum porta-voz que comentasse as políticas da pasta. Como resposta, foi enviado um vídeo curto em que o ministro Ricardo Salles fala sobre o Dia Mundial do Meio Ambiente. Entre outros pontos, ele afirma que haverá a liberação de verbas para a conservação de floresta, o fechamento de lixões e a transformação de lixo em energia elétrica.

O ministro Ricardo Salles e o presidente Jair Bolsonaro (foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

O professor de gestão ambiental Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que quem atua no desflorestamento ilegal não são as grandes indústrias do agronegócio, que compreendem a importância de manter as florestas de pé, mas sim alguns empresários do setor rural, que desmatam além do permitido por lei para ampliar irregularmente a sua área de exploração, e também os grileiros, que invadem terras públicas, obtêm a titulação delas, desmatam essas áreas para valorizá-las e depois as revendem.

— Setores do agronegócio mais ligados à indústria e à exportação sabem que explorar o meio ambiente de forma predatória é, no fim das contas, um tiro no pé. Em primeiro lugar, porque a destruição da floresta contribui para as mudanças climáticas em todo o planeta. Minha equipe, por exemplo, fez estudos que mostraram a relação do desmatamento em Mato Grosso e Rondônia com a redução de um mês na estação chuvosa. Isso é um golpe mortal na possibilidade de haver duas safras por ano numa mesma área. Em segundo lugar, porque o acesso de produtos brasileiros como couro, carne e grãos aos mercados internacionais fica mais restrito: empresas boicotam, acordos comerciais se tornam mais difíceis. Os produtores sérios, que são a maioria, não podem silenciar diante disso. Se não querem ser confundidos com os produtores que praticam a agropecuária predatória, precisam repudiar fortemente a criminalidade ambiental.

Na avaliação de Rajão, a imagem do Brasil no exterior está se deteriorando rapidamente por causa da guinada nas políticas ambientais:

— Quando o governo diz que é preciso acabar com uma “indústria das multas” e que o Ibama não pode mais destruir os equipamentos usados no desmatamento, ele está passando uma clara mensagem. Quem está querendo cometer crime ambiental se sente motivado a agir. É como se a polícia avisasse que não vai mais reprimir o roubo de carros. Os ladrões vão passar a agir tranquilamente. Isso é ruim para a marca Brasil. Até pouco tempo atrás, o país era respeitado internacionalmente. Nós fomos a única nação tropical com níveis substanciais de desmatamento que conseguiu reduzi-lo em 80% entre 2004 e 2012. Foi a maior contribuição mundial em termos de redução na emissão de gases do efeito estufa. Agora a marca Brasil está perdendo a credibilidade. Por causa disso, é natural que os investidores estrangeiros como um todo deixem de aplicar dinheiro no país e escolham outros destinos. Qual empresa vai querer associar sua imagem a um país que é conivente com a exploração predatória do meio ambiente ou a incentiva? A economia nacional perde.

Presidente da CMA fará 'lives' para marcar o Dia Mundial do Meio Ambiente

Dia do Meio Ambiente é lembrado pelos senadores em redes sociais

Produtores de soja apoiam política ambiental

O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Bartolomeu Braz, concorda que os grandes produtores rurais não são os responsáveis pelo desmatamento no país:

— O Código Florestal [de 2012] exige que as propriedades rurais tenham de 20% a 80% de sua área protegida, dependendo da região do país em que se localizem. A punição é severa para quem desmata além dessas porcentagens, e o produtor que age de forma ilegal ainda perde acesso ao crédito nas instituições financeiras. Todo esse cuidado com a sustentabilidade é muito importante para a imagem positiva da produção brasileira no mercado internacional. É, portanto, o produtor rural quem protege o meio ambiente no Brasil.

Braz, contudo, discorda de que a atual política ambiental seja negativa e esteja prejudicando as exportações do agronegócio:

— A política ambiental do governo é acertada porque busca a regularização das propriedades rurais que não têm dono [com o registro da terra]. E é quando se regulariza a terra que se pode punir quem eventualmente cometer algum crime ambiental naquele local. A política ambiental é tão acertada que o agronegócio do Brasil nunca exportou tanto quanto agora.​


Reportagem: Ricardo Westin
Pauta, coordenação e edição: Nelson Oliveira
Coordenação e edição de multimídia: Bernardo Ururahy
Infografia: Cássio Costa
Pesquisa fotográfica: Ana Volpe
Foto de capa: Mayke Toscano/Secom-MT