Senado analisa aposentadoria especial para condutores de ambulância

Maurício Ribeiro de Santi e Rodrigo Resende (Rádio Senado) | 02/10/2018, 10h00

Seis e meia da noite em Belo Horizonte. Enquanto muitos mineiros estão presos no trânsito da capital, o soldado e condutor do corpo de bombeiros Cristiano Wardil é chamado para socorrer uma pessoa que caiu no Ribeirão Arrudas.

— O Ribeirão Arrudas é como o Rio Tietê em São Paulo. É um córrego que passa por dentro da cidade, tem altura aproximada, dependendo do ponto, de 8 metros. Uma pessoa havia caído lá e nossa unidade foi acionada para dar o primeiro atendimento — explicou Wardil.

Com todos os percalços, o condutor de ambulância e os demais colegas do corpo de bombeiros conseguiram chegar até a vítima. É um morador de rua. Mais um cidadão salvo a partir do trabalho de Wardil.

Histórias como essa são comuns a um expressivo contingente de profissionais que trabalham na fronteira entre a vida e a morte, mas normalmente só são percebidos quando a sirene e as luzes giratórias do carro que dirigem irrompem em meio ao tráfego das grandes cidades.

O Senado examina uma série de propostas em benefício da categoria. Está pronto para a pauta do Plenário o Projeto de Lei do Senado (PLS) 349/2017, que concede aposentadoria especial aos condutores de ambulância. A justificativa é o estresse provocado pela direção de um veículo em alta velocidade, além do contato permanente com agentes patológicos, como bactérias e sangue contaminado.

O presidente da Associação Nacional dos Condutores de Ambulância, Alex Douglas, afirmou que a entidade não abre mão da aposentadoria especial:

— O condutor auxilia a equipe de saúde nas massagens cardiorrespiratórias, tem contato com o paciente, trabalha com barulho, estresse, trânsito, pode ter problema psicológico, isso é do dia a dia do trabalhador, ele trabalha nesse sistema insalubre e não tem como fugir disso.

A associação estima que 1,5 milhão de trabalhadores dirijam ambulâncias pelas ruas do país. Esse número, no entanto, pode ser bem maior, já que a estimativa tem por base um levantamento do Ministério do Trabalho feito há três anos.

Até 2014 a legislação não reconhecia a profissão de condutor de ambulância. Eles nem sequer podiam se organizar em sindicatos para lutar por direitos como piso salarial, adicional de insalubridade, melhores condições de trabalho, carga horária definida. O reconhecimento da existência da profissão foi o primeiro passo, que veio com a Lei 12.998, de 2014, espécie de certidão de nascimento da profissão. Até então, eles eram chamados de “socorristas” ou “motoristas socorristas”, o que não consideravam apropriado, já que os condutores não pertencem à área de saúde.

A lei assegurou a designação “condutor de ambulância”, permitiu a associação sindical da categoria e estabeleceu alguns critérios para o exercício da atividade, como treinamento especializado e a atualização por meio de cursos específicos a cada cinco anos.

Apesar da lei, os órgãos públicos e empresas privadas que empregam esses profissionais não os estão cadastrando corretamente, lamentou Alex Douglas. A saída seria a regulamentação da profissão.

Enviada pelos deputados ao Senado, que a aprovou em dezembro com alterações, a regulamentação foi devolvida à Câmara para apreciação das mudanças e está na Comissão de Trabalho (PL 3.553/2015) daquela Casa. Pelo texto, o condutor deverá ter mais de 21 anos, o ensino médio completo e carteira de motorista nas categorias D ou E, além de receber treinamento especializado, como já prevê a lei de 2014. A proposta ainda obriga os profissionais a acompanharem as equipes de saúde durante os atendimentos básicos de suporte às vítimas.

Pela proposta, quem quiser exercer a atividade de condutor deverá ter mais de 21 anos, o ensino médio completo, carteira de motorista nas categorias D ou E e treinamento especializado, como já prevê a lei de 2014. A proposta ainda obriga os condutores de ambulância a acompanharem as equipes de saúde durante os atendimentos básicos de suporte às vítimas.

Jornada de trabalho

A Comissão de Trabalho da Câmara também analisa projeto que estabelece jornada máxima de trabalho de 30 horas semanais para os condutores de ambulância (PL 9.799/2018).

O professor de psicologia do trabalho da Universidade Estadual da Paraíba, Francinaldo Pinto, que fez pesquisa sobre a profissão de condutor de ambulância, avaliou ser importante regulamentar a carga horária e o regime de folgas para garantir o devido descanso a esses profissionais:

— Um aspecto que não é muito frequente, mas que existe, é a sonolência diurna excessiva desses condutores, porque eles trabalham em sistema de plantão — alertou.

No Senado, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) analisa o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 113/2017, que oficializa 10 de outubro como Dia Nacional do Condutor de Ambulância.

Condutores de ambulância enfrentam diversos desafios para fazer o seu trabalho com o máximo de eficiência. Não bastasse a pressão natural da profissão, fatores externos prejudicam ainda mais a vida desses profissionais.

O condutor Elísio Gonçalves, de Fortaleza, lamentou a quantidade de trotes recebidos pelos serviços de emergência:

— O maior desafio é quando mandam a gente para um atendimento que, na verdade, é um trote.

Segundo ele, muitas vezes os trotes vêm seguidos de assaltos:

— É uma profissão de risco. No ano passado, uma unidade nossa foi assaltada. Levaram os pertences da tripulação e um aparelho celular — contou.

Obstáculos

A falta de educação de muitos motoristas também é um desafio. Cristiano Wardil destaca que, em geral, a intenção dos motoristas é ajudar, mas nem sempre isso é possível:

— As pessoas querem ajudar, só que elas não sabem como posicionar o seu veículo. Uns jogam para direita, outros jogam para esquerda, vira um emaranhado que é impossível de costurar com um carro de uma tonelada. É preciso educar o motorista para a presença do veículo de emergência, seja ele policial, bombeiro, Samu ou agente de trânsito.

Wardil alertou ainda para outro fator que vem prejudicando o trabalho dos condutores de ambulância: o uso do telefone celular.

— Com vidro fechado e usando telefone, a pessoa não vai escutar a sirene. A gente cola na traseira do veículo, sirene alta, buzina, e a pessoa não percebe. Às vezes, numa parada cardiorrespiratória, poucos minutos podem definir a vida ou a morte da vítima. A gente lida com isso sempre.

Ele lembrou o resgate do morador de rua que havia caído no Ribeirão Arrudas:

— Essa ocorrência me marcou porque quando eu acessei a vítima, ela olhou para mim e disse “obrigado”. Ela não questionou: poxa você demorou, ou então: nossa vieram muito rápido. Obrigado, foi o que ela disse. Isso alimenta o coração. Era um morador de rua. Um cidadão marginalizado pela sociedade, que às vezes nem é chamado pelo nome. É um cidadão!

Acesse a infomatéria sobre os desafios do dia a dia dos motoristas de ambulância

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)