Novo Mais Médicos enfrenta velhos problemas

Nelson Oliveira | 18/12/2018, 10h14

A saída de 8,5 mil profissionais cubanos do Programa Mais Médicos colocou o Brasil novamente diante da necessidade de resolver o problema do atendimento a locais que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS). Alguns deles, como comunidades indígenas isoladas da Região Norte, são ainda mais dependentes do segmento da atenção básica promovida pelo governo.

O acordo entre a Organização Panamericana de Saúde (Opas) com os governos de Cuba e do Brasil, que garantia o funcionamento do Mais Médicos, acabou em novembro diante das declarações do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de que não aceitava a recusa dos cubanos em revalidar diplomas e a retenção, por parte de Cuba, da maior parte da remuneração dos médicos.

O primeiro edital para suprir as vagas do Mais Médicos teve 36.490 interessados e, como resultado inicial, a habilitação para 8.411 delas (98%). No entanto, até ontem 30% dos médicos habilitados não haviam se apresentado nos municípios escolhidos.

A Unidade Básica de Saúde da Família de Itabuna (BA) passou a contar com um novo médico em 26 de novembro. O município é conveniado ao programa desde 2013 e já havia recebido três médicos de Cuba. A administradora da unidade, Marcela Oliveira Falcão, informou que o funcionamento foi afetado pela ausência de médico entre 19 e 23 de novembro. Naquela semana, os doentes menos graves foram atendidos por enfermeiros e outros profissionais de saúde. Quem precisou de um médico foi encaminhado ao centro de referência da cidade.

— Foi uma semana difícil porque não esperávamos a saída do médico, mas conseguimos contornar, e a comunidade não ficou desassistida.

O não preenchimento de vagas decorre da preferência dos médicos por atuarem em centros urbanos. Não por acaso, 63 das 106 vagas ainda em branco estão em distritos sanitários especiais indígenas, principalmente em estados da Região Norte. É o caso do Amazonas, onde sobram 86 postos. Na área do Alto Solimões nenhuma das 22 vagas foi preenchida. No Alto Rio Negro restaram 11 postos. No Amapá e no Pará faltam 20 profissionais.

Edital

Até o momento, 2.476 médicos não compareceram ou não iniciaram suas atividades nos postos para os quais foram designados. Se o número for mantido, 2.582 vagas serão oferecidas no edital seguinte, para o qual já se inscreveram 10.205 médicos brasileiros e estrangeiros, conforme o Ministério da Saúde.

As inscrições foram finalizadas no domingo. Nas próximas quinta e sexta-feira os médicos brasileiros com registro em conselhos regionais de medicina (CRMs) terão nova chance de participar do programa para preencher vagas de desistentes. Quem não tiver registro poderá pleitear as vagas nos dias 27 e 28. Em seguida, nos dias 3 e 4 de janeiro, as oportunidades serão abertas para estrangeiros formados no exterior e sem registro no país.

Garantir que os médicos, especialmente os brasileiros, cumpram os três anos de contrato é um dos desafios do programa. Dados do Ministério da Saúde referentes ao período de 2013 a 2017 indicam que 54% dos brasileiros desistiram em até um ano e meio depois do ingresso. Já os estrangeiros permaneceram mais tempo. A maioria dos cubanos ficou mais de dois anos e meio.

Entre brasileiros e estrangeiros, a maior parte dos desistentes (58%) atuava em periferias de capitais e regiões metropolitanas e em áreas consideradas de extrema pobreza. Nesse último grupo de municípios, estava uma fatia significativa dos cubanos (35%, contra 25% dos brasileiros).

Saldo positivo

O relatório de avaliação do programa entre 2013 e 2017 feito pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) aponta que o Brasil gastou cerca de R$ 13 bilhões com o Mais Médicos. Cerca de R$ 7 bilhões foram transferidos a Cuba, por meio da Opas. Em 2018, os gastos com o programa foram de R$ 3,3 bilhões — R$ 200 milhões a mais que no ano passado.

A relatora na CAS, senadora Lídice da Mata (PSB-BA), concluiu que o Programa Mais Médicos possibilitou melhor distribuição de profissionais em regiões carentes e distantes, no interior e na periferia, e maior cobertura de atenção básica e saúde da família, com mais consultas e procedimentos.

— É uma unanimidade entre os prefeitos brasileiros de todas as legendas partidárias. Porque até então os médicos não chegavam aos municípios. A população, os representantes e vereadores que vieram participar das audiências públicas só relataram aprovação.

A avaliação positiva se confirma na opinião da dona de casa Terezinha de Jesus Alves da Silva, moradora de Campos Belos (GO). Em novembro, ela se consultou com uma médica cubana por causa de uma dor de cabeça.

— Gostei demais. Estou tomando a medicação até hoje. Agora como é que vai ser?

Apesar dos avanços proporcionados pelo Mais Médicos, o senador e médico Eduardo Amorim (PSC-SE) aponta como desafio da saúde a criação de uma política pública de recursos humanos para o SUS, que esclareça questões sobre dedicação exclusiva, valor de salários e horas de trabalho dos médicos e demais profissionais da saúde. Com a ajuda estrangeira, disse, o programa não poderia ser uma solução definitiva para a saúde.

— O Estado teria que ter um detalhamento da formação deles antes de acolher — disse.

O ministro da Saúde, Gilberto Occhi, defende o aproveitamento de médicos que se formam por meio do Financiamento Estudantil (Fies) e a criação de um serviço civil obrigatório no país.

— Acredito que o próximo governo pensará em medidas, como nós pensamos, com relação aos profissionais que se formam pelo Fies e com relação ao serviço civil obrigatório, que também pode proporcionar a presença dos médicos em determinadas cidades — afirmou Occhi.

Reportagem: Emilly Behnke, sob supervisão de Nelson Oliveira

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Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)