Documento único estará disponível em julho

Aline Guedes | 27/02/2018, 09h57

Uma série de mudanças relacionadas à identificação dos cidadãos tem sido feita pelo governo federal para reduzir a burocracia. Algumas dessas medidas pretendem diminuir o número de documentos pessoais obrigatórios e facilitar a prestação de serviços.

A principal delas é o Documento Nacional de Identificação (DNI), lançado no início deste mês. A ideia é ter um documento único, com informações de título de eleitor, CPF, carteira de identidade e biometria. Carteira de motorista e passaporte ficaram de fora porque são passíveis de apreensão.

O documento único ficará disponível também em formato digital. Quando solicitado, o cidadão poderá apresentar a identidade no celular, ficando dispensado de portar papel.

Segundo o governo federal, o documento eletrônico será seguro, uma vez que as informações só podem ser acessadas com senha. A cada novo acesso, será exigido um código com data e hora para prevenir o uso por outra pessoa.

A base de dados do DNI será armazenada e gerida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo a juíza auxiliar da presidência do TSE, Ana Lúcia Aguiar, em uma primeira etapa, como teste, podem requisitar o documento único servidores do próprio TSE e do Ministério do Planejamento. A previsão é abrir para o restante da população a partir de 1º de julho.

Não será necessária a troca do documento que ainda estiver válido. A ideia é que o novo documento substitua os demais gradativamente.

Base de dados

O DNI foi criado pela Lei 13.444/2017. Relator do projeto no Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG) ressaltou que o Brasil conta com um banco de dados em cada estado, permitindo que uma mesma pessoa tire 27 carteiras de identidade diferentes. A criação do registro nacional, na opinião de Anastasia, ajudará a coibir falsidades e fraudes e vai agilizar o acesso dos brasileiros aos benefícios aos quais têm direito.

— Estamos colocando a tecnologia em favor da população — declarou o senador.

De acordo com Ana Lúcia Aguiar, em 2017, o TSE firmou parceria com Polícia Federal, Denatran e governos estaduais a fim de agilizar a integração das bases de dados. Ela informou que o desenvolvimento da primeira versão do documento digital custou ao governo cerca de R$ 500 mil.

— Essa versão sai muito mais barata para o governo do que a emissão do documento físico. Os custos, em nenhum momento, serão repassados ao cidadão — afirmou a juíza.

Ideia antiga

A ideia de unificar os documentos é antiga, segundo o consultor do Senado Roberto Sampaio. Ele lembra que, em 1997, uma lei chegou a ser editada com vistas à criação de um número único de identidade no país, mas a medida não foi efetivada por falta de recursos e por questões operacionais. Ele acredita que, desta vez, o governo conseguirá concretizar a unificação.

— É uma ação muito interessante, devido à facilidade de obtenção do documento por meio dos aplicativos de smartphones. O que ajudará a reduzir os custos com a emissão em aproximadamente R$ 0,10 por pessoa — explicou.

Sampaio considera que a popularização do documento único ocorrerá de forma natural e que as facilidades possibilitadas por ele levarão as pessoas a se interessarem e buscarem o aplicativo.

Simplificação

Em julho de 2017, um decreto presidencial simplificou a entrega de documentos, atestados, certidões, dispensando cópias autenticadas ou reconhecimentos de firma no serviço público. A principal mudança é a obrigação de o órgão público — em vez do próprio cidadão ou empresa — buscar em repartições os diferentes documentos exigidos para a prestação de um serviço.

Por exemplo: se, para a emissão de uma certidão, são necessários comprovantes de quitação eleitoral e da situação do contribuinte em relação ao Imposto de Renda, é o próprio órgão emissor da certidão que terá de obter essas informações no cartório eleitoral e na Receita Federal.

Conforme o decreto, o cidadão deverá somente escrever uma declaração informando que não dispõe dos documentos exigidos. Se apresentar uma declaração falsa, a pessoa ficará sujeita a sanções administrativas, cíveis e penais.

Também com vistas a essa unificação de documentos, as certidões de nascimento, casamento e óbito ganharam novas regras de emissão, em 2017. Agora, todo bebê sairá da maternidade com um número de CPF já incluído no registro.

Segundo a Lei 13.444/2017, as mães poderão registrar como naturalidade na certidão o município de residência delas, e não mais obrigatoriamente o local onde ocorreu o parto.

A lei também garante que os registros de óbito sejam feitos na cidade de residência da pessoa que morreu, para facilitar a obtenção do atestado quando a morte ocorrer em cidade diferente. Pela legislação anterior, somente um oficial de registro do lugar do falecimento poderia emitir o atestado necessário ao sepultamento. Então a família da pessoa precisava voltar ao local onde ocorreu a morte para conseguir o registro.

Além disso, os cartórios receberam, em janeiro, autorização para emitir carteira de identidade e passaporte. Mas a prestação desse serviço requer que a associação local dos cartórios formalize convênio com a Secretaria de Segurança Pública dos estados. Já o convênio para a emissão de passaportes terá de ser firmado entre a Polícia Federal e a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais.

Por meio de convênio, será também possível autorizar a renovação de passaportes pelos cartórios de registro civil. Para ter acesso a esse serviço, no entanto, será necessário o pagamento de taxa extra.

Apesar de essas iniciativas visarem simplificar processos e diminuir a burocracia no país, muitos desses procedimentos ainda estão longe de entrar em vigor. No final de 2017, o governo informou que uma integração dos bancos de dados da administração pública, por meio do programa Brasil Eficiente, simplificaria a emissão de documentos como o passaporte.

Outras mudanças também levarão alguns anos para se tornarem realidade. Isso porque os cartórios de registro civil do país, por exemplo, terão que se adaptar e estar conectados com o cadastro da Receita Federal.

Exemplos

Excesso de exigências, inflexibilidade e lentidão são características da burocracia que ainda trava o sistema e impede a agilidade dos processos. O volume de documentos necessários para a demissão de empregados, elaboração de inventário e obtenção de financiamentos são exemplos.

A servidora pública Maria das Neves* tem experiência quando o assunto é papelada. Mãe de uma criança de 9 anos que tem autismo, ela relata a dificuldade para comprar um carro com isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), direito legalmente garantido às pessoas com deficiência.

Segundo ela, o processo começa no site da Receita Federal, onde estão disponíveis os diversos formulários requeridos. No caso do autismo, esses papéis devem ser preenchidos por um médico e um psicólogo da rede pública ou particular conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS) e assinados junto com a direção da unidade de saúde. Cumpridas as formalidades, os documentos devem ser entregues na sede da Receita Federal, que avaliará o pedido. O resultado sai em até três meses, se for aceito. Caso seja indeferido, o processo pode demorar mais seis meses.

Maria acredita que o governo reconhece esse excesso de exigências apenas em tese. Ela disse que precisou de um despachante para resolver a questão e que esse é apenas um resumo do processo. Na opinião da funcionária pública, esses entraves levam muitas pessoas a desistirem dos seus direitos. Embora não acredite que a unificação de documentos acontecerá com brevidade, Maria tem esperança de que a medida facilitará, pelo menos um pouco, a vida dos cidadãos.

— Esse é apenas um dos exemplos da burocracia no nosso país. É inadmissível, em plena era que nós vivemos, com tudo informatizado, ainda sermos obrigados a guardar tanta papelada, reunir tantos documentos e sermos obrigados a dar tantas voltas para resolver questões até simples do nosso dia a dia — ponderou.

*O nome foi alterado para preservar a identidade da personagem.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)