Como o brasileiro vê o cumprimento das leis

Nelson Oliveira e Aline Guedes | 27/11/2018, 08h55

Circulam pelas redes sociais campanhas sugerindo a construção de uma nova ética por meio da reforma das atitudes cotidianas. A maior parte dos textos afirma que não há como cobrar ética dos governantes, se os próprios cidadãos não a praticam. Os posts argumentam ainda que o mau comportamento do “andar de cima” resultaria do que acontece no “andar de baixo”.

Na tentativa de controlar o que é chamado de “andar de cima”, o Ministério Público Federal obteve cerca de dois milhões de assinaturas ao projeto das Dez Medidas contra a Corrupção, encaminhado à Câmara em 2016 na esteira da Operação Lava Jato. O texto, que aguarda relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), já chegou à Casa sem seu ponto mais polêmico: o teste de integridade no serviço público.

O Brasil está em 96º lugar no ranking da corrupção elaborado pela Transparência Internacional (2017) e em 1º lugar entre os que dão credibilidade a notícias falsas, segundo o Instituto Ipsos.

O cientista político Alberto Carlos de Almeida afirma que os brasileiros deixam para o Estado ações e responsabilidades que deveriam ser de todos, como a preservação da limpeza de áreas públicas.

No plano do comportamento pessoal, pesquisa do Data Popular com 3,5 mil pessoas em 2016 constatou que 80% conheciam alguém que já cometeu algum tipo de ilegalidade. E 70% admitiram ter tomado ao menos uma “atitude corrupta” na vida.

Os dados se assemelham aos levantados em 2015 e 2017 pelas pesquisadoras da Universidade de São Carlos (Ufscar) Luciana Gross Cunha e Fabiana Luci Oliveira. Neles, 38% e 27% dos entrevistados, respectivamente, afirmaram ter hábito de estacionar em local proibido e de dirigir depois de beber.

Em 2017, 75% dos entrevistados disseram que se um juiz determinasse como sentença o pagamento de uma indenização a alguém, a decisão teria que ser cumprida, mesmo discordando dela. Em 2015, eram 77%.

Quando a pergunta foi sobre a obediência a um policial, o número caiu para 56%, independentemente do ano.

Analisando diversas variáveis, as pesquisadoras concluíram que “quanto maior a legitimidade [das leis], o receio de sanção, o controle social pelos pares e o sentimento de moralidade pessoal, menor a desobediência”.

Escolaridade

Autor do livro A Cabeça do Brasileiro, baseado em dados da Pesquisa Social Brasileira (Pesb), o cientista político Alberto Carlos de Almeida considera que fatores como a baixa escolaridade podem enfraquecer a força da lei e cooperar para um ambiente de quebra de regras.

A tolerância à corrupção teria origem, nessa faixa, no esquecimento e na falta de importância atribuída às denúncias. Almeida ressalta, porém, que apesar de ser difícil, não é impossível mudar essa percepção.

Paradoxalmente, ao embaralhar o entendimento e o cumprimento das normas está o costume de editar muitas leis. As pesquisadoras da Ufscar observaram que, de 1988 a 2015, mais de 5,2 milhões de normas haviam sido criadas.

O consultor do Senado Arlindo Fernandes questiona: até onde o brasileiro se vê representado e obedece a essas normas? Para Almeida, muitas pessoas têm dificuldade de cumprir regras — mesmo aquelas que possam beneficiá-las —porque não se sentem parte ativa na produção delas.

— Essa dificuldade tem relação com a mentalidade geral que separa governo e sociedade. Muitos cidadãos veem o Estado como inimigo.

Desconfiança

O mestre em estudos comparados sobre as Américas Daniel Capistrano afirma que a lei não deve ser vista como único instrumento de orientação de conduta.

rientação de conduta. — Essa visão legalista estrita afoga a sociedade com dezenas de leis municipais, estaduais e federais criadas todos os meses. Nesse sentido, o efeito das leis pode ser contrário, resultando no enfraquecimento do ordenamento jurídico e na perda de legitimidade.

O endurecimento puro e simples das penas é assunto controverso em debates sobre infração a leis. Um deles é o que se dá na esfera do trânsito. Dados da ONU apontam que, de 1,5 milhão de mortes por acidentes no mundo por ano, 40 mil ocorrem no Brasil. Para o diretor do Detran do Distrito Federal Silvain Fonseca, muitas infrações são cometidas pelo falso sentimento de que, no Brasil, é fácil descumprir as leis.

— Quem descumpre leis faz todos saírem perdendo. Além dos danos materiais, físicos e emocionais, essas pessoas geram prejuízos graves ao Estado, ao causar incapacidade em outras pessoas em idade reprodutiva, por exemplo — alerta Fonseca.

O senador eleito pelo Espírito Santo e ex-delegado de Delitos de Trânsito e Fabiano Contarato (Rede) defende o endurecimento da punição aos motoristas embriagados e incentivos ao bom motorista, como redução do IPI na compra de veículos novos.

Participação

Para o servidor público Hélio Alcântara Medeiros, as leis cumprem sua missão de dar direção segura aos cidadãos, mas os legisladores falham ao ignorar a percepção da maioria.

— Algumas leis, no papel, são até adequadas. Porém, na prática, acabam não levando em conta o anseio da população, não suprindo as reais carências da vida em sociedade e sendo descumpridas, muitas vezes, pelo próprio Estado, que deveria dar e ser exemplo.

A biomédica Rosa Gabriela de Macedo acredita que, ao ser ouvido e ter sua vontade respeitada, o cidadão se sentirá motivado a obedecer à legislação.

— Creio que, quanto mais oportunidade de engajamento, mais as pessoas terão a sensação de partícipes e o desejo de se comportar pelo bem comum.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)