Aleitamento materno ainda enfrenta obstáculos

Adriana Carla Aragão (Rádio Senado) e Marcela Diniz (Rádio Senado) | 08/08/2017, 09h42

Sem-Título-1.jpgEm 2017, o Brasil ganhou duas novas leis que apoiam o aleitamento materno. A Lei 13.435, que cria o Agosto Dourado, e a Lei 13.436, que trata da orientação às mães lactantes nas redes pública e privada de saúde.

Na opinião da consultora do Senado Roberta Viégas, que coordena o Observatório da Mulher Contra a Violência, são duas conquistas importantes para consolidar a cultura da amamentação no país, que ainda enfrenta muitos obstáculos.

— Resgata a importância da amamentação em vários aspectos: no vínculo da mãe com o bebê e, principalmente, na saúde da criança.

A Lei 13.435 transforma o mês de agosto no mês do aleitamento materno, o que abre a oportunidade para ações de conscientização sobre a importância da amamentação. O projeto que deu origem à lei é da deputada Dulce Miranda (PMDB-TO). No Senado, a matéria foi relatada pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

— A designação de um mês segue o sucesso que nós temos, por exemplo, com o mês destinado ao enfrentamento ao câncer de mama.

Orientação

A Lei 13.436 garante às lactantes acompanhamento e orientação sobre aleitamento nas unidades de saúde das redes pública e privada. Roberta Viégas observa que há mães que desistem de amamentar por falta de apoio do companheiro, da família ou de orientação técnica.

— Antigamente, você aprendia a amamentar vendo sua tia amamentar seu primo, sua mãe amamentar seu irmão mais novo. As mulheres, hoje, têm de reproduzir um comportamento do qual não têm exemplo. Então, esse apoio técnico é fundamental.

A lei que garante orientação às lactantes nos estabelecimentos de saúde nasceu de um projeto do deputado Diego Garcia (PHS-PR), relatado no Senado por Fátima Bezerra (PT-RN).

Constrangimento

Entre os projetos que podem gerar novas leis sobre aleitamento materno, está o de Vanessa Grazziotin (PCdoBAM) que veda claramente o constrangimento a mulheres que amamentem em público:

— É um absurdo imaginar que alguém possa tentar erotizar um momento tão sublime da vida humana.

Depois de uma mãe ter sido repreendida por amamentar no Sesc Belenzinho, em São Paulo, a cidade ganhou lei para proteger a amamentação em público. O mesmo se deu com Rio de Janeiro e Belo Horizonte e os estados de Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso.

Mãe de leite

A amamentação é um processo natural, mas nem sempre é fácil. Muita gente foi ou teve uma mãe de leite.

Erica Mohn, de Brasília, amamentou seus dois filhos sem maiores problemas, mas uma amiga dela não teve a mesma sorte. Passou por parto traumático, não conseguiu dar de mamar e pediu a Erica que amamentasse o menino, que acabou se tornando seu afilhado.

— A minha amiga me fez esse pedido e eu tinha muito leite. Eu respondi: por que não, né? Portanto, eu amamentei a minha filha e o filho dela. Foi muito gostoso, aconchegante, uma experiência ótima — contou Eria em entrevista ao especial da Rádio Senado De Peito Aberto - mitos e realidades da amamentação.

De acordo com a neonatologista Noêmia Meyohas, apesar do “aleitamento cruzado”, como é chamado tecnicamente, ser comum no Brasil, a prática oferece riscos. O ideal é que a mãe com dificuldades procure um banco de leite:

— Há várias doenças que se podem transmitir pelo leite, além de medicação que a outra mãe usa. Então, dentro da maternidade, a gente não autoriza. Elas são orientadas a não fazer aleitamento cruzado.

Bancos de leite

O Brasil é referência mundial quando o assunto é a organização dos bancos de leite. São 200 unidades e 150 postos de coleta distribuídos em todos os estados, além de um sistema de cooperação internacional que orienta a criação de redes em outros países. No Distrito Federal, existem 18 bancos de leite: 14 na rede pública de saúde e 4 na rede privada. Esses bancos são coordenados por Miriam Santos.

— A gente tem um universo imenso de mulheres do Distrito Federal que são solidárias, que doam leite; a participação do Corpo de Bombeiros, principal responsável pela coleta; uma central de doação; um site, além de um aplicativo da Secretaria de Saúde para a doação de leite materno — contabiliza Miriam.

Os bancos de leite do Brasil conseguem atender todos os anos entre 160 e 170 mil bebês que nasceram prematuramente ou com baixo peso.

Segundo Noêmia Meyohas, esse trabalho é importante porque nem todas as mães de bebês que estão em uma UTI neonatal conseguem amamentar seus filhos. Por meio do controle de qualidade que é feito nos bancos, os bebês recebem o leite certo para a fase de desenvolvimento na qual se encontram.

— O banco de leite processa qualquer tipo de leite doado, tira as bactérias, inclusive o risco de transmissão de HIV — observa.

Mais apoio

Além de orientação técnica, as mães precisam de apoio: do governo, para reforçar as políticas públicas; do Legislativo, para melhorar as leis trabalhistas que assegurem esse direito; dos médicos, para a orientação das famílias; das empresas, para fazer valer e ampliar os direitos trabalhistas; e dos familiares, para garantir tempo e condições às mães.

A coordenadora dos bancos de leite do Distrito Federal, Miriam Santos, diz que essa rede de apoio ajuda a mãe a não desistir de amamentar:

— A mulher precisa de apoio. Existem situações de estresse que podem prejudicar a amamentação, sim.

Mais saúde

Uma série de benefícios justificam todo esforço nessa direção. Pesquisa iniciada na década de 80 pelo epidemiologista brasileiro Cesar Victora mostrou a importância da amamentação nos primeiros seis meses de vida da criança. Desde 1982, Victora vem acompanhando 4 mil pessoas nascidas em Pelotas (RS). Ele constatou que crianças amamentadas por um ano ou mais têm hoje um QI de quatro pontos acima do das crianças amamentadas por menos de um mês.

Mitos

Uma série de mitos em relação à amamentação circundam as mães de primeira viagem. Elas podem acreditar, por exemplo, que o primeiro leite (o colostro) não é suficiente para o desenvolvimento do bebê.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda: as crianças devem fazer aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade e devem continuar a ser amamentadas, pelo menos, até completarem 2 anos.

No entanto, a falta de informação, aliada a crenças antigas e fantasiosas, como a do “leite fraco”, prejudicam esse processo.

— Não existe leite fraco. Mesmo no caso de mulheres com desnutrição, o corpo delas é capaz de produzir o leite adequado para a criança — esclarece Miriam Santos.

No século 20, a indústria alimentícia fez muitas mulheres acharem que o leite artificial era mais nutritivo que o leite materno, mito que veio sendo construído por meio de propaganda. Até leite condensado foi vendido como complemento para bebês que ainda mamavam.

Leite artificial

Sobre o uso de alimentação artificial, João Aprígio Guerra, doutor em saúde da mulher e da criança e coordenador da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, alerta:

— A introdução da alimentação artificial contribui para um aumento, de 2% a 6%, na ocorrência de diabetes insulinodependente na vida adulta e o risco relativo da ocorrência de linfomas aumenta em até seis vezes com alimentação artificial antes do sexto mês de vida.

Guerra esteve no Senado para uma audiência sobre amamentação. Ele diz que o leite do final da mamada, por exemplo, previne a obesidade e que o aleitamento materno pode contribuir para a diminuição da violência porque ajuda de forma objetiva a nucleação familiar. E essa união familiar torna mais favorável o contexto no qual as pessoas vivem, levando a um grau maior de controle emocional e de serenidade.

Para as mães, o aleitamento diminui os riscos de câncer de mama e de ovário, doenças que mais matam mulheres no Brasil.


Compartilhar: Facebook | Twitter | Telegram | Linkedin