O empenho dos cidadãos em influir na elaboração das leis brasileiras tem ficado mais visível nos últimos anos. Exemplo recente disso é a ampla mobilização em torno de um projeto sobre o controle dos agrotóxicos (PL 6.299/2002), em análise na Câmara dos Deputados. A possibilidade de que o uso desses produtos seja facilitado levou a uma forte pressão em todo o país para que os deputados derrubem a proposta. No Senado, a discussão sobre um projeto que descriminaliza o cultivo da maconha para uso pessoal terapêutico (PLS 514/2017) também tem colocado a sociedade em contato direto com a Casa.

A internet e as redes sociais facilitaram a mobilização social e a possibilidade de os cidadãos se inteirarem, acompanharem e influírem no processo legislativo. Pelo site do Senado, por exemplo, é possível seguir a tramitação de uma proposta por um sistema de buscas na página Atividade Legislativa, opinar sobre ela e até sugerir ideias de projetos, no Portal e-Cidadania.

Porém, apesar das novas ferramentas tecnológicas, muita gente ainda pode considerar complicado o caminho para acompanhar o andamento de propostas.

A mestranda em ciências sociais Jaqueline Martins diz que tem dificuldade para acessar as proposições. Militante de movimentos sociais, ela considera que falta transparência e isso desestimula os cidadãos a fiscalizar o trabalho parlamentar.

— Acho importante acompanhar porque, direta ou indiretamente, os projetos afetam as nossas vidas. Mas não é uma coisa fácil e intuitiva. O passo a passo para achar e compreender tramitações, na verdade, é complicado para quem não costuma acompanhar o processo legislativo no dia a dia.

O assessor do Ministério Público Federal na Paraíba Tiago França diz que toma conhecimento da maioria das votações por meio do programa de rádio A Voz do Brasil. Ele classifica o sistema de buscas no site como uma boa ferramenta, mas sugere que ela seja aprimorada, tornando a pesquisa mais clara e acessível para a grande parcela da população que não tem conhecimentos jurídicos.

Integração de dados

Formada em letras, Raquel Avelar não tem dificuldades para encontrar projetos em tramitação, já que trabalhou no portal do Ministério da Justiça. Ela acredita que um sistema unificado entre Câmara e Senado e menos burocrático facilitaria o entendimento para a maioria da população.

—Faltam detalhes e, ao mesmo tempo, uma simplificação para evitar que a gente se perca nesse processo — reflete.

A solução para essas demandas pode estar a caminho, mas depende da integração total das bases de dados do Senado e da Câmara, de um lado, e de inovações no campo da navegabilidade e desenho das páginas de pesquisa, do outro.

O desafio, contudo, está lançado e envolveu até “hackers do bem” da Campus Party, encontro anual de aficionados por informática que neste ano ocorreu em Brasília. O Parlathon 2018, maratona tecnológica organizada pelo Senado e Câmara no evento, teve 29 equipes inscritas. Em 36 horas, os participantes buscaram uma solução original para facilitar o acompanhamento da “trilha legislativa”.

A equipe vencedora desenvolveu um aplicativo para celular que permite uma visualização descomplicada da trajetória das proposições legislativas. Para Danilo Lemes, líder da equipe, a maior dificuldade foi compreender o processo legislativo.

— A gente perdeu bastante tempo tentando entender a tramitação de um projeto de lei. Uma Casa inicia, a outra revisa, tem veto, não tem veto. Além disso, a gente encontrou muitos problemas na hora de puxar os dados. Apesar de representarem a mesma coisa, os dados das duas Casas são vistos de forma totalmente diferente. Vincular os dois é muito difícil — disse ele.

O diretor-executivo de Gestão do Senado, Márcio Tancredi, avaliou a participação do Senado na Campus Party como mostra da disposição da Casa romper as travas de comunicação com os cidadãos:

— O que vale agora não é o que a gente quer mostrar ao público, mas entender o que o público quer ver da nossa parte.

Conforme a diretora-adjunta de Inovação e Tecnologia da Informação da Câmara, Patrícia Almeida, há uma mudança da estratégia para aproximar mais o Congresso do jovem cidadão. Nas duas Casas, explica, buscam-se ideias que possam atualizar e criar serviços para essa nova geração.

Os dados abertos colocados à disposição dos participantes da maratona estão integrados. Apenas os números das propostas continuam diferentes, um no Senado e outro na Câmara. Mas, segundo o secretário-geral da Mesa do Senado, Luiz Fernando Bandeira, uma equipe de técnicos já trabalha na integração entre os sistemas legislativos das duas Casas, para facilitar a busca já a partir do ano que vem.

O consultor do Senado e diretor-geral da Escola Nacional de Administração Fazendária, Fernando Meneguin, destaca a transparência como um dos pontos altos do processo legislativo. Ele elogia o grau alcançado pelos portais da Câmara e do Senado na disponibilização de documentos e indicação de todos os passos da tramitação dos projetos.

Projeto deve passar por várias etapas no Congresso

Toda lei começa a partir da apresentação de um projeto. E essa iniciativa pode ser dos deputados e senadores, das comissões da Câmara e do Senado, do presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e de outros tribunais superiores, do procurador-geral da República e de grupos organizados da sociedade, explica o consultor do Senado Roberto Ribeiro da Silva.

Quando um projeto é apresentado na Câmara ou no Senado, ele segue para o presidente da Casa. É ele quem analisa o texto e o despacha para as comissões temáticas.

A proposta passa então por debates, quando pode receber sugestões de alteração, chamadas emendas.

O parlamentar designado relator elabora então um relatório com seu voto, que pode ser pela aprovação, pela apresentação ou acatamento das emendas, por um substitutivo ou mesmo pela rejeição ou arquivamento.

Dependendo da abordagem, o projeto poderá ser analisado por mais de uma comissão antes de ir à votação final no Plenário, esclarece Silva. Em alguns casos, se houver consenso, o texto já é aprovado em caráter definitivo na própria comissão e pode seguir para a avaliação da Casa revisora.

Após análise e aprovação nas duas Casas do Congresso, a proposta segue para o presidente da República, que poderá sancioná-la ou vetála parcial ou integralmente. Essa deliberação pelo Poder Executivo é a fase final de um projeto.

O texto sancionado pela Presidência é promulgado e publicado no Diário Oficial da União, tornando-se lei.


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