Esquerda e direita se enfrentam na tribuna

Ricardo Westin | 06/11/2017, 10h01

Em 7 novembro de 1946, os senadores aprovaram um voto de congratulações à União Soviética pelo 29º aniversário da Revolução Russa. Quem propôs que as congratulações foi Luís Carlos Prestes (PCB-DF), que liderara a malfadada Intentona Comunista e vivera em Moscou. Nesse dia, Prestes fez um discurso elencando as virtudes do regime soviético. No dia seguinte, Hamilton Nogueira (UDN-DF) disse que o colega estava equivocado: “Temos de impedir a russificação do Brasil”. Leia, abaixo, trechos dos discursos dos dois senadores.

Prestes: "Brasil deveria se inspirar na experiência russa"

“A grande revolução proletária do século 20 é bem diferente de todas as outras grandes revoluções, que nada mais fizeram senão substituir uns grupos de exploradores por outros. Passaram, por exemplo, do regime escravagista para o feudal. As lutas contra a servidão feudal levaram à revolução burguesa.

O capitalismo, no século 18 e princípios do século 19, incontestavelmente, foi a grande arma que permitiu o progresso da humanidade, mas ainda através da exploração do homem pelo homem.

A revolução de 1917 deu o primeiro passo na liquidação de todas as classes para que ninguém pudesse viver da exploração do trabalho alheio. Além disso, criou a sociedade socialista em que hoje já vive boa parte da humanidade.

É compreensível, que nós, que vivemos no mundo capitalista, tenhamos dificuldade para entender como seja possível o progresso, o trabalho, sem o incentivo do lucro. No entanto, é na sociedade socialista, precisamente onde não existe o incentivo imediato do lucro, que se fazem sentir os maiores exemplos de atividade no trabalho, desejo de progresso e luta pelo desenvolvimento econômico da pátria.

O comunismo, ao ser inaugurado na União Soviética com o primeiro passo da revolução de 1917, foi de tal maneira atacado por seus adversários internos e exteriores que, para se defender, teve de criar um governo forte, acusado até hoje de ser a mais violenta ditadura. A verdade é que a Rússia foi a força principal no esmagamento da besta-fera nazista e na vitória dos povos amantes da paz e da democracia.

A reconstrução na Rússia faz-se pela reconversão industrial. Ao contrário do que se passa nos países capitalistas, ela é ali feita sem maiores sofrimentos para o povo.

O mundo avança. Já vivemos na escravidão e no feudalismo. Hoje vivemos no capitalismo. A transição do capitalismo para o socialismo é inevitável. Essa marcha inexorável não depende de Marx, de Engels nem dos comunistas. A marcha para o socialismo é uma fatalidade histórica, mas nela podemos encontrar o caminho menos penoso, o qual poderá ser por nós conhecido através de documentos da experiência dos povos soviéticos, que conseguiram tornar livre o proletariado e criar a primeira sociedade sem classes no mundo. Nós, que desejamos o progresso do Brasil, devemos olhar essa grande experiência.”

Nogueira: "Comunismo não tem nada de democrático"

“O nobre senador Luís Carlos Prestes teceu uma série de considerações sobre a doutrina comunista e a evolução do povo russo. Terei de discordar das ideias levantadas por sua excelência neste recinto.

Discordo do caráter democrático do comunismo. Na Rússia, ao contrário, impera uma verdadeira ditadura. Marx vaticinava que, na evolução socialista, fundada no materialismo histórico, se chegaria a um tempo em que o direito teria que desaparecer. Quando não se acredita numa ordem jurídica e se põe em dúvida o valor dos princípios do direito natural, os que mantêm essas convicções não podem falar em democracia. O direito natural fundamenta a democracia.

A Constituição russa diz que as eleições dos deputados são feitas de acordo com o sufrágio universal. Mas, para que o sufrágio fosse realmente universal, seria necessário e indispensável que não houvesse a imposição dos candidatos por um partido único. A existência de partido único implica, substancialmente, negação da democracia. Seria preciso que houvesse vários partidos, mas isso não acontece. Vive-se na Rússia numa perfeita ditadura.

O segundo ponto aflorado por sua excelência é o que diz respeito ao bem-estar do proletariado russo. Ora, isso é um romance. Todos os viajantes que têm ido à Rússia verificaram que a situação do trabalhador russo não é superior à do operário de qualquer país.

Por uma lei geral, depois de todos os desvios da ordem da natureza, há sempre um recuo e a volta ao equilíbrio. Isso aconteceu no regime da família. Em virtude da doutrina materialista que se implantou na Rússia, inicialmente houve terrível dissolução de costumes e grande tendência à liberdade sexual. O aborto foi legalizado e vários abortários foram abertos. De 1922 a 1926, foram praticados 171 mil abortos nas clínicas de Moscou. Os médicos russos disseram que o aborto deixaria de ser criminoso desde que feito pelo Estado. No fim de pouco tempo, foi tão grande a calamidade que se fecharam as clínicas e elas até hoje continuam trancadas. A destruição de fetos foi uma experiência monstruosa. Hoje o aborto é proibido na Rússia.

É por isto que faço uso da palavra: desejo dizer que o povo brasileiro, um povo cristão, não vê na data de ontem [o aniversário da Revolução Russa] uma luminosa e triunfal marcha na história da civilização.”

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)