Ascensão e queda do Patriarca da Independência

Ricardo Westin | 02/04/2018, 16h30

Na sexta-feira, fará 180 anos que morreu José Bonifácio de Andrada e Silva. Conselheiro de Pedro I, foi ele quem encorajou o inexperiente príncipe de 23 anos a afrontar Portugal e declarar o Brasil independente.

Como reconhecimento, o governo acaba de conceder-lhe o título de Patrono da Independência. A lei se origina de um projeto que o Senado aprovou em dezembro. O título se soma ao célebre epíteto que já o consagrara em vida: Patriarca da Independência.

O Arquivo do Senado guarda documentos que mostram uma carreira brilhante, porém breve. Bonifácio chegou rápido ao entorno da coroa e foi derrubado com igual velocidade. Sua ascendência sobre os dois imperadores do Brasil despertou ciúmes e inimigos.

Entre tornar-se ministro de Pedro I e ser banido do Brasil, passaram-se apenas dois anos. De volta ao país, foi nomeado tutor do menino Pedro II, mas dois anos depois já estava fora do palácio.

Em 1822, às vésperas da Independência, Bonifácio assumiu o Ministério dos Negócios do Reino e Estrangeiros, onde criou a Marinha, para o caso de uma reação portuguesa ao grito do Ipiranga, e negociou com o mundo o reconhecimento do país.

O ministro providenciou a reforma da Cadeia Velha para abrigar a Assembleia Geral, que se reuniu em 1823 para elaborar as primeiras leis do Brasil independente. Ele próprio se elegeu deputado.

Um dos projetos mais discutidos na Assembleia foi o da pena de morte para quem se insurgisse contra a Independência. Segundo papéis do Arquivo do Senado, Bonifácio defendeu o texto:

— Quem chamaria de bárbaro um projeto que busca destruir as maquinações de Portugal e sustentar os direitos do Brasil? A nação nos pediria contas de cada gota de sangue brasileiro derramado por não termos tomado as cautelas convenientes.

Fim da escravidão

Ousado, o deputado apresentou dois projetos de lei que contrariaram a elite: um previa a extinção da escravidão negra e o outro incentivava a incorporação dos índios à sociedade. Bonifácio vivera 30 anos na Europa e se incomodava com o atraso do Brasil.

Defendeu a reforma agrária, a preservação de rios e florestas, a abertura de universidades e a transferência da capital para o centro do país.

imagem oficio.jpgDa tribuna, Bonifácio argumentou que a primeira Constituição do Brasil, em gestação na Assembleia, deveria preservar a Monarquia. A República seria um erro, pois provocaria uma disputa tão selvagem pelo poder que o Império acabaria pulverizado em vários países.

— Não concorrerei para a formação de uma Constituição demagógica. Há 14 anos que se dilaceram os povos da América espanhola, os quais saíram de um governo monárquico para estabelecer uma liberdade sem limites.

Pedro I odiou o projeto de Constituição. Ele esperava ganhar muito mais poderes. Em novembro de 1823, em resposta, fechou a Assembleia e expulsou Bonifácio do país.

Envenenado pela intriga dos desafetos de Bonifácio, Pedro I já vinha se estranhando com o antigo mentor. Quando a Assembleia foi dissolvida, fazia meses que Bonifácio havia sido demitido do ministério.

O Patriarca da Independência se exilou na França. Anistiado, voltou para o Brasil em 1829. Não conseguiu ficar longe da política. Em 1831, passando por cima da mágoa, aceitou o convite de Pedro I para ser o tutor de Pedro II, de 5 anos. O imperador abdicava para voltar a Portugal, e a Regência governaria até Pedro II ter idade para subir ao trono.

O tutor precisava ser aprovado pelo Senado e pela Câmara, onde tinham assento muitos de seus velhos adversários. Eles fizeram de tudo para barrar a nomeação. Para o deputado Cunha Mattos (GO), o futuro monarca não precisava de tutor nenhum:

— Três regentes, seis ministros e os representantes da nação [deputados e senadores] estarão com a vista atenta sobre a sua augusta pessoa.

Bonifácio venceu as resistências e, em agosto de 1831, prestou juramento no Senado, prometendo dedicar-se de corpo e alma à formação intelectual do futuro monarca.

É provável que a paixão de Pedro II pela ciência tenha sido plantada pelo tutor, que construíra uma notória carreira científica na Europa na virada do século.

Temendo que se repetisse com Pedro II a influência que Bonifácio tivera sobre Pedro I, os inimigos logo iniciaram uma campanha para derrubá-lo. O estopim, em abril de 1832, foi uma tentativa de invasão do Palácio Imperial para sequestrar Pedro II. O ministro da Justiça, padre Diogo Feijó, acusou Bonifácio de conivência e pediu à Câmara e ao Senado sua destituição.

— Àquela hora, a inocência do pupilo dormia e descansava sob a vigilância do tutor. Pode alguém não estremecer ao recordar-se de tão horrorosa traição? A existência do tutor é perigosa à segurança do monarca — atacou o senador José Inácio Borges (PE).

— Entre o governo e o tutor há profunda inimizade — disse o senador José de Alencar (CE). — Para o sossego da pátria, uma das partes precisa se retirar. A Regência não pode. Deve, pois, sair o tutor.

Ancião

Chegou-se a citar a idade como razão para a destituição. Bonifácio tinha 69 anos, um ancião para a época.

O Senado salvou Bonifácio, mas não pôs fim à conspiração. No final de 1833, sem consultar a Assembleia, a Regência baixou um decreto derrubando o Patriarca da Independência. “Custou, mas demos com o colosso em terra”, comemorou, numa carta, o novo ministro da Justiça, Aureliano Coutinho.

Desiludido, Bonifácio viveu recluso na Ilha de Paquetá até morrer, em 6 de abril de 1838.

O Arquivo do Senado guarda inúmeras homenagens a Bonifácio, como a feita pelo senador Danton Jobim (MDB-Guanabara) em 1972:

— Ele desenhou com precisão e minúcia o roteiro do desenvolvimento nacional, levantando ou equacionando com clarividência problemas que agora tentamos resolver. Mais que político, ele era homem de Estado.

Bonifácio fez fama na Europa como cientista

Antes de tornar-se o Patriarca da Independência do Brasil, José Bonifácio de Andrada e Silva já era famoso na Europa. Não como político, mas como cientista.

Livro1.jpgPor volta de 1800, após embrenhar-se em minas da Suécia e da Noruega, Bonifácio apresentou à comunidade científica nada menos do que 12 novos minerais. Pouco depois, um colega se aprofundaria nas descobertas e identificaria num daqueles minerais o lítio — elemento químico que hoje é matéria-prima de drogas psiquiátricas, propelentes de foguetes e baterias de celulares. A andradita, mineral descoberto em 1868, foi assim batizada para homenagear o brasileiro.

Bonifácio nasceu em Santos, em 1763. Como no Brasil não havia universidade, ele teve que mudar-se para Portugal, onde se diplomou em filosofia e direito. Do governo português, ganhou uma bolsa para estudar mineralogia nos países mais adiantados da Europa. A viagem durou dez anos, e Bonifácio se associou a academias científicas de diversos países. De volta a Portugal, o rei o incumbiu de cuidar de minas, florestas, rios, fundições e até obras públicas.

Em 1819, aos 56 anos, ele retornou para o Brasil. Bonifácio só queria aproveitar a aposentadoria em paz, no seu sítio em Santos. O destino, entretanto, reservava-lhe algo bem maior.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)