Há 120 anos, Brasil e Japão assinavam tratado que permitiu que 200 mil migrantes do país asiático se estabelecessem aqui, garantindo mão de obra para as plantações de café, que já não contavam com trabalho escravo. Acordo foi homologado pelo Congresso um ano depois

Em 18 de junho de 1908, aportou em Santos (SP) o navio Kasato Maru. Dele, desceram 781 japoneses que vinham para o Brasil em busca de melhores condições de vida. Eram os primeiros imigrantes do Japão a pisar em solo brasileiro. Para que isso acontecesse, as negociações entre os dois países começaram bem antes, culminando no Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, firmado em 5 de novembro de 1895, que agora completa 120 anos.

O documento foi aprovado pelo Congresso Nacional em novembro de 1896. Naquela época, como hoje, os acordos internacionais eram firmados pelo Poder Executivo, mas precisavam ser homologados pelo Poder Legislativo. Durante um ano, deputados e senadores da Primeira República dedicaram-se a discutir os termos do tratado e seus custos e benefícios.

O principal propósito era, de fato, atrair imigrantes japoneses. Desde antes da abolição da escravatura, em 1888, já se discutia no Parlamento a necessidade de uma política imigratória para suprir a carência de mão de obra, sobretudo para a lavoura cafeeira de São Paulo. Em segundo lugar, o acordo internacional visava abrir novos mercados consumidores para o café do Brasil.

A imigração italiana começou em 1870. Em seguida, vieram os espanhóis. No entanto, segundo o historiador Clodoaldo Bueno, os imigrantes europeus eram considerados “instáveis”:

— Fazendo muita economia, os imigrantes conseguiam comprar uma pequena propriedade. O sucesso do imigrante se media pela possibilidade de ele largar a enxada e ganhar a vida em outras funções que não fosse o duro trabalho rural ou, pelo menos, de trabalhar em sua própria terra. Alguns se repatriavam ou reimigravam. Iam para a Argentina, por exemplo. Não era uma mão de obra firme e o fazendeiro sempre estava precisando de gente. Então era preciso pensar sempre em outra saída — explica Bueno.

Saída asiática

A China foi a opção inicial. Os chineses já haviam sido trazidos ao Brasil por dom João VI para ensinar o cultivo de chá, mas a empreitada não prosperou. Em 1880, o governo imperial assinou um tratado de comércio e imigração com a China. Essa segunda tentativa também fracassou. Entre os motivos, estavam as condições análogas às da escravidão em que eram mantidos os chineses, que recebiam salários muito baixos, e as diferenças culturais, um obstáculo à integração dos imigrantes. Com a República, o tratado foi suspenso.

Em 1894, o diplomata José da Costa Azevedo, o barão de Ladário, foi em missão à China para promover um novo acordo. Mas, num telegrama enviado de Hong Kong, afirmou ser a imigração chinesa “um mal moral” para o Brasil, sem justificar seu julgamento, e defendeu os japoneses.

“O Japão está no caminho de um progresso febril. Tem leis, tribunais e juízes até certo ponto iguais aos dos países mais adiantados”, escreveu o barão.

Diante disso, o presidente Prudente de Morais determinou que o diplomata brasileiro na França procurasse seu colega japonês para propor um acordo. Em 5 de novembro de 1895, Gabriel de Toledo Piza e Arasuke Sone firmaram em Paris o Tratado de Amizade, de Comércio e de Navegação, iniciando as relações diplomáticas entre os países.

A medida foi festejada pelos parlamentares. O deputado Artur Rios comemorou a vinda do “povo mais ilustrado do extremo oriente”. Para o senador Gomes de Castro, os japoneses eram “um povo que revelou qualidades superiores e uma civilização muito adiantada”.

Houve quem contestasse as despesas que a iniciativa implicaria para o Brasil. Na Câmara, o artigo que previa o envio de pessoal diplomático para o Japão gerou polêmica. Deputados alegaram que a crise econômica não recomendava o aumento dos gastos e autorizaram só a transferência de servidores, mas não a contratação de novos. No Senado, a medida foi considerada pelo senador Coelho Rodrigues “uma economia de palitos”. A emenda da Câmara foi derrubada e o governo, autorizado a manter pessoal diplomático em Tóquio, sem explicitar se haveria transferência ou admissão de novos funcionários.

A questão econômica não se resumia aos gastos diplomáticos. O senador Gomes de Castro contestou o fato de o governo despender dinheiro dos impostos para trazer estrangeiros com o objetivo de ocupar postos de trabalho dos próprios brasileiros.

— Os nobres senadores compreendem que país nenhum, ainda que estivesse regurgitando dinheiro, que não é essa a nossa situação, pagaria passagens a imigrantes para se empregarem em condutores de bondes, engraxates, vendilhões, fazendo uma concorrência esmagadora ao povo brasileiro — afirmou.

Preço da passagem

Gomes de Castro também reclamou de os estados do Norte, bastante despovoados, não se beneficiarem da imigração. À época, a vinda dos imigrantes devia ser custeada pelos estados. Segundo ele, a maior parte dos estados do Norte e do Nordeste não podia bancar as despesas.

— O Amazonas, não obstante ter muito dinheiro, tem muitas necessidades, não pode estar a pagar, só de passagem, 500$ a 600$ [réis] por cabeça de japonês — disse Gomes de Castro, reivindicando que a União arcasse com esses custos.

O historiador Clodoaldo Bueno vê nesse embate um fator positivo em relação ao funcionamento do Parlamento de então:

— É lógico que havia representantes do café e outros que também se envolviam nas questões do café. Mas o Congresso tinha uma visão mais ampla do que se imagina. Lendo os anais, vê-se que representantes de vários estados tratam de questões nacionais, que outros interesses também estão bem representados, não só o café. Havia uma corrente forte contra a imigração subsidiada.


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