200 anos de Independência: lições da história para a construção do amanhã

Ronaldo Teixeira Martins
Consultoria Legislativa, Senado Federal

O objetivo deste texto é fornecer dicas para o desenvolvimento das redações para o Jovem Senador 2022. O texto está voltado para os estudantes de ensino médio, e tem a intenção de esclarecer dúvidas e prover exemplos, sem restringir possíveis desenvolvimentos do tema.

1. Tema

O tema desta edição do Jovem Senador é “200 anos de Independência: lições da história para a construção do amanhã”. Para que possa desenvolver adequadamente esse tema, é fundamental que, antes mesmo de começar a escrever, você se proponha a realizar três movimentos: pesquisar, refletir e delimitar. 

Em primeiro lugar, pesquise. O tema faz referência ao fato de que, em 7 de setembro de 2022, o Brasil celebrará o bicentenário de sua independência do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Para que possa explorar bem o tema, é importante que você se informe sobre esse evento histórico, até mesmo para evitar erros frequentes, como o de que, em 1822, o Brasil era uma colônia de Portugal, o que não é verdade. Desde 1815, o Brasil já havia sido elevado à condição de “reino” e não era mais, portanto, um estado colonial. E você deve saber que o movimento da Independência é muito mais complexo do que um brado retumbante ouvido às margens plácidas do rio Ipiranga. Procure reconstruir, em sua pesquisa, o Brasil daquela época. Quantos eram então os brasileiros? Onde moravam? Como viviam? O que faziam? O que pensavam? Por que desejaram separar-se do reino que então integravam? E o que conseguiram com essa separação? Essas informações vão auxiliá-lo no segundo movimento, descrito a seguir.

Feita a pesquisa, é hora da reflexão: o tema não pede que você reconte a história da Independência do Brasil, mas que você encontre, nessa história, “lições para a construção do amanhã”. Veja que o tema tem uma dimensão propositiva. Ele pede que você retire, da nossa história de Independência, ensinamentos que podem ser úteis aos brasileiros de hoje.

Observe que você só conseguirá chegar a esse ponto se tiver feito o primeiro movimento, que é a pesquisa histórica. Mas observe também que a pesquisa histórica, embora necessária, não será suficiente para que você possa encontrar as “lições para a construção do amanhã” que o tema solicita. Esta, na verdade, é a parte mais difícil do tema, porque essas respostas não estão prontas, e vão depender do seu olhar sobre a história. É, portanto, a parte mais autoral e, por consequência, a parte mais importante do desenvolvimento do tema. É aqui que vai se revelar a sua capacidade de análise.

Depois da pesquisa e da reflexão, pode ser que você encontre muitas “lições” a serem exploradas. Mas cuidado: seu texto é relativamente curto, e você não terá espaço suficiente para explorar, em profundidade, mais de uma lição. Por isso é importante que você eleja, para o desenvolvimento do tema, apenas uma entre as várias lições encontradas. Vale mais a pena construir o seu texto em torno de uma lição específica, analisada em todas as suas implicações, do que ficar listando superficialmente tudo o que se pode aprender a partir da experiência histórica da Independência do Brasil. Seu texto ganhará densidade e terá mais chances de trazer uma argumentação mais sólida.

Em resumo, para que possa desenvolver o tema, não perca de vista que seu texto deve fornecer uma resposta clara para a pergunta: Qual a principal lição para a construção do amanhã que podemos retirar da experiência histórica da Independência do Brasil?

2. A tipologia dissertativo-argumentativa

Não se esqueça de que o seu texto, além da adequação ao tema, deve também se ajustar à forma proposta pelas regras do concurso: o texto deve observar a tipologia dissertativo-argumentativa, deve ter de 20 a 30 linhas manuscritas, e empregar a modalidade culta da língua portuguesa.

O texto dissertativo-argumentativo é aquele em que você procura convencer alguém de alguma coisa. Há aqui três elementos muito importantes: a tese, o leitor e a argumentação.

2.1 A tese

Quem convence, convence alguém de “alguma coisa”, certo?

Todo convencimento tem um objeto. Você quer convencer seu leitor de “algo”, e você precisa ter clareza sobre que ideia é essa com a qual você quer que o leitor concorde ao fim de sua argumentação. Em que você quer que ele acredite? Essa será a sua “tese”. 

Lembre-se de que a tese é um enunciado declarativo: uma afirmação ou uma negação. Ou seja, a tese contém, necessariamente, um verbo. Normalmente, o tema é apenas o sujeito da tese; para que haja uma tese completa é preciso que haja, além do tema, também um predicado, algo que se afirma (ou se nega) sobre o tema.

Um exemplo: “Brasil” não é uma tese, mas um tema. Ninguém concorda ou discorda de “Brasil”. As concordâncias e discordâncias começam quando se afirma alguma coisa sobre o Brasil. Considere, por exemplo, a afirmação “O Brasil é um país independente”. Há quem concorde, há quem discorde dessa proposição. Aí, sim, a argumentação se torna importante. Assim, “O Brasil é um país independente” é uma tese, uma tese que se constitui a partir do tema “Brasil”. Para desenvolver um tema, você precisa, portanto, afirmar alguma coisa sobre ele. E seu objetivo será convencer seu leitor de que essa sua afirmação faz sentido, e de que é verdadeira.

Seu texto será tanto mais eficaz quanto mais clareza você tiver sobre qual é a tese que você está defendendo. Ela não precisa estar explícita no seu texto, mas ela será o fio condutor de toda sua argumentação: ela descreve o lugar para onde você quer levar o leitor. 

2.2 O leitor

Quem convence, convence “alguém” de alguma coisa. 

Um segundo aspecto importantíssimo do seu texto é para quem você escreve. Perceba, por favor, que você não está escrevendo para si mesmo, nem para os colegas de turma, nem apenas para o seu professor. E perceba, principalmente, que há estratégias de comunicação que funcionam bem no círculo privado; e há estratégias que funcionam melhor no espaço público. 

Em um concurso de redação, como o Jovem Senador 2022, você vai operar em um espaço público, competindo com diversos outros estudantes. Essa situação traz duas implicações importantes: a diversidade de leitores e a pluralidade de textos.  

Em primeiro lugar, seu texto precisa estar preparado para a diversidade de leitores. Para que seja vitorioso no concurso, seu texto passará por pelo menos três diferentes tipos de leitor: 

  • a equipe que sua escola vai montar para escolher a redação que a represente; 
  • a equipe que cada Secretaria de Educação vai montar para escolher as três melhores redações de seu Estado; e 
  • a equipe que o Senado Federal vai montar para escolher a melhor redação de cada Estado.

É muita gente que vai ler o seu texto, e cada leitor tem expectativas e histórias de leitura diferentes. Por isso, o melhor texto será justamente aquele que conseguir abstrair das condições imediatas de produção, e se dirigir para um auditório universal. 

O que isso significa? Significa que você deve procurar se distanciar do texto, e perceber que o que é óbvio e claro para você talvez não seja óbvio e claro para outras pessoas. O seu texto deve ser capaz de prever e antecipar todos os problemas e questões que os leitores, mesmo os mais distantes, possam ter.

Por exemplo, você pode achar óbvio que “a independência do Brasil foi apenas parcialmente bem-sucedida”, e passar o texto inteiro apenas repetindo esse bordão com outras palavras. Acaba, por isso, construindo um texto circular, que fica girando em torno de um só argumento, que você não desenvolve. Isso não é bom, porque um de seus leitores pode discordar dessa visão. Pode achar que você está idealizando o conceito de “independência”, que nenhum país do mundo é completamente independente. É fundamental, portanto, que você antecipe esse leitor-adversário, preveja quais são as críticas que ele possa ter em relação à sua afirmação, e procure convencê-lo de que sua tese é verdadeira. E para isso não basta repeti-la. É preciso desenvolvê-la. É preciso conquistar o leitor, esse desconhecido, tomá-lo pela mão e levá-lo até à conclusão que você defende.

Isso envolve, evidentemente, o trabalho com a argumentação, que será visto na próxima seção.

Mas há também outro aspecto a ser considerado. Em um concurso de redações, como o do Jovem Senador 2022, cada leitor lê muitos textos. É preciso se destacar na multidão. Isso não tem nada a ver, é claro, com a apresentação física do texto: não adianta escrever o texto com caneta de várias cores, decorar as margens do texto com figuras lindas ou inventar uma caligrafia especial. Nenhum desses recursos é aceito, e seu texto seria sumariamente desclassificado.

Para que seu texto se sobressaia no conjunto das centenas de textos concorrentes é importante que você procure evitar o senso comum. Aquilo que é óbvio, que todo mundo sabe, não precisa ser dito. É importante que seu texto ofereça uma perspectiva nova, que traga informações que não seriam normalmente mobilizadas por seus colegas. Isso tem a ver com o repertório, sobre o qual falaremos mais adiante.

Mas cuidado: inovação não significa incoerência. De nada adianta ser inovador se seu leitor não puder fazer sentido do seu texto, e convencer-se dos seus argumentos. A novidade é, pois, um diferencial; mas o essencial será sempre a argumentação.

2.3 A argumentação

Há duas maneiras de fazer com que alguém faça algo: pela coação (ou seja, pela força física ou pela pressão psicológica) ou pela argumentação. 

A argumentação é a coluna vertebral do texto dissertativo-argumentativo. Sem ela, a aceitação do texto vai estar refém da boa vontade do leitor. No caso de um concurso em que participam milhares de estudantes, não é exatamente uma boa estratégia contar apenas com a sorte.

Como dissemos na seção anterior, quando for escrever seu texto, procure ter sempre em mente que seu leitor pode ser um adversário, que pode não concordar com as coisas em que você acredita.

 Tome, por exemplo, a tese “O Brasil deveria ter aproveitado a Independência para romper todos os vínculos com a cultura europeia”. Essa tese pode lhe parecer muito razoável, mas sempre haverá quem possa discordar dela. Pode haver quem creia, por exemplo, que o retorno à cultura ameríndia não era uma alternativa disponível em 1822. Pode haver quem afirme que o conceito de “independência” carece de precisão: que não se pode tratar independência política e independência cultural da mesma forma. Toda afirmação pode ser refutada. E seu papel é preparar o seu texto para escapar dessas armadilhas.

Assim, ao desenvolver seu texto, procure sempre questionar suas próprias escolhas. Procure justificar e sustentar cada uma de suas afirmações. Comporte-se como se estivesse escrevendo, não para alguém que concorda com tudo o que você diz, mas para alguém que discorda de tudo o que você fala. E procure convencê-lo de que a visão que você tem dos fatos é lógica e verossímil.

Além disso, procure construir um texto coeso, em que o leitor consiga reconhecer seu percurso argumentativo. Não pule etapas e não dê grandes saltos. Pense no seu leitor: você precisa conduzi-lo pela mão. É importante que a leitura seja fluente, sem solavancos. Que o leitor não precise ficar indo e vindo no seu texto para entender o que você quer dizer. Muito provavelmente, ele não terá nem tempo nem paciência para isso. Enfim, construa uma cadeia de argumentos em que se possa reconhecer um roteiro claro, e em que as conclusões derivem logicamente das premissas.

O percurso tradicional – e que corresponde à expectativa da maior parte dos leitores – começa pela introdução, em que se apresenta a tese, e em que quase sempre se conquista a atenção do leitor; segue-se o desenvolvimento, em que a tese é desdobrada e analisada por meio de uma cadeia de argumentos, e em que as possíveis objeções à tese são antecipadas e atacadas; e por fim vem a conclusão, em que se retoma a tese, agora sintetizada.

Por fim, não negligencie a forma de seu texto. Em primeiro lugar, seu texto deve ser legível, ou seja, capriche na letra. Observe também a modalidade culta da língua portuguesa, e evite gírias e coloquialismos, além da repetição excessiva de palavras. Releia seu texto várias vezes, e tenha cuidado com os erros de regência e de concordância. Prefira períodos curtos: é muito fácil se perder e comprometer a coesão em períodos muito longos. E jamais perca de vista que você está escrevendo para outra pessoa. Procure colocar-se sempre no lugar dela.

3. O repertório

Você já sabe que deve convencer alguém de alguma coisa, e que para isso precisa se preocupar com o leitor, com a argumentação e com a definição e a sustentação de uma tese.

Outra questão importante é: onde encontrar os argumentos que dão sustentação a uma tese? 

A busca de argumentos é uma das etapas mais difíceis da elaboração textual. Na Retórica clássica, ela recebe o nome de “invenção”. Hoje é mais frequente que trabalhemos com a ideia de “repertório”. O repertório, como o próprio nome o diz, é um conjunto de referências que vamos acumulando ao longo da vida, produto das nossas experiências. É o que nos fornece a variedade de argumentos para que possamos sustentar uma afirmação.

Como o concurso de redações do Jovem Senador 2022 está voltado para alunos do ensino médio, é evidente que não se espera, dos textos encaminhados, que mobilizem um repertório muito amplo ou muito sofisticado. Mas é importante pensar e ler um pouco sobre possíveis desenvolvimentos do tema antes de começar a redigir. Você deve procurar evitar desenvolvimentos muito superficiais ou muito banais, ou seu texto não se destacará. Sua história de leituras pode enriquecer as abordagens do tema e nela você poderá encontrar, quem sabe, a pedra angular de seu texto. 

Veja abaixo alguns exemplos de possíveis de desenvolvimento do tema. São apenas exemplos, para que você, que ainda não sabe por onde começar, possa ter algumas indicações: 

Exemplo 1: O que significa “independência”?

Uma forma de desenvolver o tema é trabalhar os múltiplos sentidos de “independência”. O conceito de independência pode ser associado a vários conceitos, por exemplo: 1) liberdade, autonomia, autodeterminação; 2) isenção, imparcialidade, neutralidade; 3) soberania, insubmissão, ausência de subordinação; 4) bem-estar, fortuna, prosperidade. Nessa perspectiva, em que sentido se pode falar em “200 anos de independência do Brasil”? De que conceito de independência se está falando aqui? Veja que, embora tenha declarado a independência em 7 de setembro de 1822, o Brasil manteve várias das instituições do período anterior. Nossa língua, por exemplo, continuou sendo a língua “portuguesa”. A família real brasileira era, na verdade, a família real portuguesa. No Direito, continuamos a usar as leis portuguesas até que fossem aprovadas novas leis, o que demorou, em alguns casos, muitos anos. E o Brasil teve que pagar uma pesada indenização de dois milhões de libras esterlinas -nossa primeira dívida externa - para que Portugal aceitasse nossa independência. Ou seja, a Independência não foi, propriamente, uma ruptura radical com o passado. Essa é uma lição importante que se pode extrair para o futuro: a de que o conceito de “independência” é vago e talvez sobrestimado, e de que, para o bem ou para o mal, nossa história é feita mais de continuidades do que de rupturas. 

Exemplo 2: Independência para quê?

Outra forma de explorar o tema é pensar as razões e os objetivos da Independência. A Independência do Brasil ocorreu no contexto da independência de vários países da América do Sul: a Argentina tornou-se independente em 1810; a Colômbia, a Venezuela e o Paraguai, em 1811; o Chile, em 1818; o Peru, em 1821; e o Equador, em 1822. O fato de esses movimentos separatistas terem ocorrido no mesmo intervalo de tempo não é mera coincidência. Eles revelam que, àquela época, a independência era um valor. Ainda hoje muitas regiões do mundo ainda lutam por independência: a Catalunha e o País Basco, por exemplo, querem se separar da Espanha; o Tibete, da China; a Escócia, do Reino Unido; e por aí vai. Qual é hoje a importância de um país ser independente? E quais são os limites desejáveis dessa independência? A análise de nossa história mostra que a subordinação aos interesses de uma nação estrangeira não é uma coisa boa; mas revela também que a autonomia absoluta é impossível, porque nenhum país é completamente autossuficiente e há problemas, como o meio ambiente, que são supranacionais. Uma lição a ser extraída, portanto, é a de que o melhor modelo talvez seja o de uma interdependência entre várias nações, como nos casos dos tratados internacionais, caso dos Acordos do Clima, e conglomerados transnacionais, caso da União Europeia e do Mercosul. Nesses casos, cada país renuncia a uma parte de sua soberania em nome de um objetivo maior.

Exemplo 3: Independência para quem?

Por fim, uma terceira via de análise possível seria pensar nos destinatários da Independência. Passados 200 anos da Independência do Brasil, cada vez mais brasileiros migram para Portugal. Nos últimos quatro anos, o número só faz aumentar, e estima-se que 300.000 brasileiros vivam hoje na nossa antiga metrópole. E não são poucos os brasileiros que buscam um passaporte europeu. Para esses emigrantes, a Independência parece ter sido um mau negócio: se Brasil e Portugal ainda fossem um só país, pode ser que pertencêssemos hoje à União Europeia (caso da Guiana Francesa, por exemplo), que nossa moeda fosse o euro, e que compartilhássemos, com Portugal, indicadores sociais melhores. Mas pode ser também que, como parte integrante do Reino de Portugal, Brasil e Algarves, o Brasil jamais tivesse conseguido se afirmar como uma das maiores economias do mundo. O fato é que a Independência parece que não serviu a todos igualmente: houve muitos que se beneficiaram dela, houve muitos que se julgam prejudicados por ela, e houve muitos mais que talvez nem tenham notado a diferença (caso, por exemplo, da população de escravos, que continuou sem direitos após a Independência). Uma lição que se pode retirar da Independência, portanto, é a de que se trata de um evento polêmico: os acontecimentos não atingiram e não foram recebidos por todos da mesma maneira. 

As propostas acima são apenas alguns exemplos entres as várias possibilidades de desenvolvimento do tema. Há um número incontável de outros desenvolvimentos possíveis e, desde que eles possam estar associados a lições para o futuro extraídas dos nossos 200 anos de Independência, todos são válidos. Nosso objetivo aqui não é restringir suas opções, mas apenas fornecer alguns exemplos.

O importante é que você perceba que, entre as várias possibilidades de desenvolvimento do tema, você deve encontrar uma lição que derive da análise dos acontecimentos históricos relacionados à Independência, deve desenvolvê-la de forma argumentativa e deve evidenciar por que motivo ela é importante para o futuro. E não se esqueça de que quanto mais inspirada a sua lição e mais profunda a sua análise, tanto mais chances você terá de ser um Jovem Senador.

O resto é com vocês.

Bom trabalho, e esperamos por vocês em Brasília.

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