Especial Cidadania - Carnaval é teste para lei que protege mulher

Agência Senado

No carnaval deste ano, as mulheres terão um recurso a mais contra o assédio: a lei que prevê pena de um a cinco anos de prisão para quem pratica importunação sexual. Aprovada pelo Senado em agosto de 2018 e sancionada em setembro pela Presidência da República, a Lei 13.718, de 2018, ainda é pouco conhecida.

Justamente por isso, ninguém espera que, por causa da lei, o comportamento dos homens mude. Na opinião da consultora do Senado e especialista em direito penal Juliana Magalhães Fernandes Oliveira, os festejos que começam oficialmente no sábado serão o primeiro grande teste para as novas normas. Tipicamente no Carnaval aumentam ocorrências de assédio físico.

Mais rigor

Até seis meses atrás, esses atos eram punidos basicamente com multas de R$ 318 a R$ 47,7 mil e, no máximo, curtos períodos de prisão. Levando em conta a legislação, os juízes entendiam que se tratava de importunação ofensiva ao pudor ou molestamento, contravenções penais previstas nos artigos 61 e 65 do Decreto-lei 3.688, de 1941.

A contravenção é uma falta considerada mais leve que o crime. Pode ser punida com multa e ou com prisão simples (regime aberto ou semiaberto), enquanto o crime requer a pena de reclusão (regime inicial fechado) ou detenção (regime inicial semiaberto), dependendo da gravidade.

Mesmo no caso de um homem que se masturbou e ejaculou no pescoço de uma passageira de ônibus em São Paulo, há um ano e meio, o juiz entendeu que não havia crime de estupro. Afinal, ele não submetera a vítima a força nem a ameaçara — ainda que a própria circunstância a tivesse inibido em sua defesa.

Esse caso provocou indignação e contribuiu para a busca de uma punição intermediária entre a mera contravenção e o crime de estupro. Projetos das ex-senadoras Vanessa Grazziotin e Marta Suplicy e do senador Humberto Costa (PT-PE) foram então reunidos a outras propostas da Câmara dos Deputados pela ex-deputada Laura Carneiro.

A atuação das duas Casas do Congresso mostrou-se bem-sucedida, ao elevar o grau de cidadania de pessoas usualmente expostas a constrangimentos e violência sexual. É preciso deixar claro que a nova lei vale para pessoas de qualquer sexo ou gênero, embora os agressores em sua maioria sejam homens.

Conforme a consultora Juliana, essa tutela tem força apesar de o artigo incorporado ao Código Penal (215-A) não especificar as condutas entendidas como “ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. Segundo ela, “a leitura da lei é genérica, característica do direito penal, mas tecnicamente não há erro” por abranger “todos os casos que não são estupros”.

A especialista chama a atenção para as zonas cinzentas que cercam, por vezes, os episódios de importunação sexual. O que alguns podem considerar um ato sem maior importância e “parte da festa”, como o tradicional beijo roubado, agora é crime de importunação. Já o beijo à força ou qualquer outro gesto que dificulte ou impeça a vítima de se defender ou fugir é crime de estupro — independentemente de haver penetração.

O uso da força determinou o indiciamento por estupro do mesmo homem que a Justiça havia libertado por ejacular na passageira. Numa transgressão muito semelhante uma semana depois, ele tentou impedir a vítima de escapar, o que agravou a importunação.

Condenação

Em novembro, dois meses depois de sancionada a lei, um outro homem ejaculou em uma mulher no metrô de São Paulo. Esse foi condenado, por importunação, a três anos de reclusão.

Os números nacionais da aplicação da lei ainda não estão disponíveis no Conselho Nacional de Justiça. No Distrito Federal, foram registrados 53 casos entre setembro e dezembro. No mesmo período aumentaram em São Paulo os registros de “outras ocorrências contra a dignidade sexual”.

Uma proposta remanescente da legislatura passada, o PLS 64/2015, do senador Romário (Pode-RJ), também criminaliza o contato físico para fins libidinosos, bem como a divulgação do ocorrido, punindo-os com prisão e multa. O texto dispõe, ainda, que “os responsáveis pelos serviços de transportes, cuidarão da segurança das passageiras, reservando área privativa e afixando aviso de que o ato constitui crime”.

Recém-chegada ao Parlamento, Leila Barros (PSB-DF), apresentou no início desta legislatura projeto (PL 549/2019) que altera o Estatuto do Torcedor (Lei 10.671, de 2003).

A proposta estabelece que as torcedoras sejam protegidas contra qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhes cause risco de morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico ou dano moral ou patrimonial.

Leila situa “as práticas violentas e assediadoras” no contexto de “histórico machista e paternalista da sociedade brasileira”. Para ela, o efetivo cumprimento da Lei 13.718 depende de divulgação.

Ao observar que agora as vítimas de assédio terão “maior respaldo do poder público”, a senadora mandou um recado aos foliões: “Divirtam-se com segurança e, sobretudo, respeito”.


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