Entrevista com Senadora Rose de Freitas - Bloco 4


ENTREVISTADORA – Senadora, como foi a história da sua disputa? E como foi que a senhora tratou dela com o Dr. Ulysses?

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Na verdade, nós fomos eleitos e entramos, no dia 1º de fevereiro, dentro de um plenário totalmente desconhecido para mim. Eu vinha do Espírito Santo e tinha sido Deputada Estadual. Chegamos lá e encontramos todas as chapas prontas para compor a Mesa Diretora da Câmara e a Mesa Diretora do Congresso Constituinte. Eu não conhecia ninguém. Conhecia o Ulysses, conhecia Covas de nome, Richa e tal.

Chegamos lá, eu indaguei sobre a chapa. Ele disse que não restava nenhum instrumento de alteração, porque a chapa já tinha sido composta durante o período entre a eleição e a votação. Eu disse: "Nós somos novos, não conhecemos ninguém nesta Casa, não sabemos quais são as propostas." E ele disse: "Infelizmente, assim é o Regimento Interno. Ele poderá ser alterado para a próxima votação, não para essa. Agora, nós temos de votar." Eu pedi educadamente a ele, ao Presidente, que suspendesse a sessão por 15 minutos, para que nós pudéssemos confeccionar uma chapa. Houve um rebuliço danado em plenário. Como é que, começando o ano legislativo, com a votação pronta, com todo mundo pronto para votar, chega uma índia tupiniquim lá para falar sobre uma coisa tão consolidada? Aí confeccionamos uma chapa, disputamos com Heráclito Fortes e com Roberto Jefferson a 3ª Secretaria e perdemos por sete votos.

O que quero dizer com isso é que é capaz qualquer pessoa que tenha a capacidade de ousar com propostas novas – eu queria apresentar propostas – de conseguir rasgar um espaço, ainda que derrotado. Até ganhei uma manchete no Jornal do Brasil: "Deputada se rebela e ganha fama." Não era a fama que interessava, mas subverter a ordem consolidada de coisas tão antigas, tão conservadoras, como era o fato. E houve o fato de termos ido para a Constituinte, para o Congresso. Imaginem quanta coisa tinha de ser refeita!

Eu fui Deputada Estadual em 1982. Em 1983, eu estava grávida, sem ter direito à licença-maternidade. A Constituição, a que nós tínhamos até então, dizia que a licença parlamentar foi feita para não haver mulheres na política. A licença que era prevista para qualquer Parlamentar, fosse ele federal ou estadual, era licença para missão oficial, licença para doença e licença para tratar de assuntos particulares. E, quando engravidei, quando se aproximou a época da minha maternidade, apresentei-me ao Presidente da Assembleia do meu Estado e perguntei: "Presidente, estou próxima de dar à luz. Eu queria usufruir da licença-maternidade." Ele disse assim: "E qual é o problema?" Eu falei: "É que a Constituição não me dá esse direito, não dá esse direito à mulher política, dentro do Legislativo." Só nós podemos ficar grávidas; o homem não fica grávido. Então, a Constituição era masculina. Ela falava de alguns direitos, falava dos direitos dos homens, e não dos direitos das mulheres. Eu me lembro de que o Presidente, na época – declino o seu nome, porque ele já faleceu –, disse assim: "Arranje um atestado médico. Está resolvido o problema. E não arranje mais problema para mim." Quer dizer, eu tinha de dar um atestado ideologicamente falso, para que eu tivesse direito a sair de licença-maternidade.

Veja bem: a Júlia, minha filha, que nasceu nesse período, cismou de nascer no dia 28 de fevereiro. No dia 1º de março, recomeçavam os trabalhos legislativos, o que equivale dizer que tive a Júlia e tive de ir com ela nos braços para a Assembleia. Eu fui a primeira mulher a engravidar durante o mandato. Quantas mulheres deixaram seus planos frustrados, seus direitos de lado, por não terem na Constituição o direito à licença-maternidade garantido! Isso se deu em 1982. Imaginem que a mulher teve o direito ao voto em 1932 e foi ter o direito à licença-maternidade reconhecido quando nós fomos Constituintes em 1988.

Então, é muito importante dizer que essa Carta Magna teve a sua grande importância. E ela deve ter uma importância maior ainda se nós convocarmos uma nova Assembleia Nacional Constituinte.

ENTREVISTADORA – Há mais alguma história?

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Não. Foi só a do batom, essa história do batom. Depois, vocês editam?

ENTREVISTADORA – Essa não é editada. Vai ficar assim, bonitinho, igual a senhora falou. É um depoimento. Pode contar.

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Outra coisa é você chegar ao Congresso constituinte e ter de ficar numa fila para ir ao banheiro dos homens. Tínhamos de esperar que os homens entrassem e saíssem. As mulheres entravam depois. Levo em conta até a questão da privacidade que a mulher deveria ter. Nós somos iguais nos nossos direitos e diferentes fisicamente. Então, era muito constrangedor. Então, houve a reivindicação de se construir um banheiro. E aí fomos chamadas. A manchete era muito ridícula: "Mulheres pedem privilégio. A Bancada do Batom pede o privilégio de um banheiro exclusivo." Em qualquer lugar do mundo, há um banheiro feminino e masculino há anos, se não forem mais de cem anos! E nós aqui tínhamos de passar por esse constrangimento. Parecia que nós éramos princesinhas, pessoas que queriam um privilégio. Aí criaram a Bancada do Batom, que, na época, era um deboche e que, hoje, na verdade, ficou uma caricatura muito interessante. Nós usávamos batom, sim, mas nós reconhecíamos que éramos iguais perante a lei e diferentes nas nossas necessidades físicas.

ENTREVISTADORA – Nesse caso, só para esclarecer, era o banheiro que atendia ao plenário, onde aconteciam as reuniões.

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Um banheiro que não era só...

ENTREVISTADORA – Só havia um banheiro para homens no plenário.

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Só havia um banheiro para homens e mulheres. E não eram só Parlamentares; tem de se dizer que assessores, secretários, jornalistas, todo mundo frequentava o banheiro. Era uma fila muito interessante. Imagina se eu estivesse grávida na Constituinte e tivesse de esperar 400 Parlamentares irem à toalete! Mas, de deboche em deboche, de caricatura em caricatura, as mulheres foram mostrando que elas sabem lutar, até mesmo por um banheiro reservado.

ENTREVISTADORA – E sabem dar a volta por cima, porque o deboche da Bancada do Batom virou uma marca das mulheres, uma marca positiva durante a Constituinte.

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – No encontro agora que nós tivemos, o das mulheres Constituintes, as poucas que ainda estão no exercício da política, quando olhamos para trás – a Anna Maria Rattes, a Benedita –, nós vimos o quanto nós ficávamos inibidas de falar sobre certos assuntos, como se aquilo fosse um privilégio, e não era. Então, de batom em batom, de conversa em conversa, de posição em posição, de banheiro em banheiro...

Quanto à titularidade da terra, quando o homem morria na terra, a esposa e os filhos tinham de ir embora. Ela não tinha direito, como o homem tinha, àquela terra em que trabalhou durante anos. É o usucapião. Ela não tinha direito. A mulher perdia o marido e perdia também o local de trabalho, depois de 20 anos convivendo naquela terra e já com idade avançada.

Então, na titularidade da terra, no uso do banheiro e em tudo o mais, as mulheres foram avançando. Agora é hora de avançar mais ainda.