Entrevista com Senadora Rose de Freitas - Bloco 3


ENTREVISTADORA – Então, vou repetir: a senhora votou contra a pena de morte, a pluralidade sindical, o presidencialismo, por exemplo. Passados 30 anos, a senhora repetiria esses votos?

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Eu repetiria. Até no que se refere à questão da pluralidade sindical, nós temos no Brasil 21 mil ou 12 mil sindicatos, sei lá. Isso é uma coisa absurda. O imposto sindical tem de ser para o sindicato se estruturar para ser mais representativo daquela categoria dentro do processo de direitos trabalhistas, de representatividade.

Com relação à questão da anistia aos microempresários, num País que tinha mil por cento de juros ao ano, com um processo inflacionário louco, aqueles que recorriam aos empréstimos para sedimentar o seu negócio acabavam ficando presos nas engrenagens de um regime capitalista como aquele que o Brasil tinha e que ainda hoje tem, só que hoje é mais democratizado. Então, eu votaria...

No que se refere ao sistema de governo, eu acho que o presidencialismo faliu. Um homem ou uma mulher, com uma caneta nas mãos, determinando o destino de uma nação não é possível mais. Não há nenhum ingrediente democrático nesse processo que diga que o Presidente não pode fazer aquilo se ele desejar fazer. Se ele desejou fazer, ele faz, e as consequências disso se desdobram todos os dias nos ombros da sociedade brasileira.

Então, qual é o mecanismo que a sociedade tem para tirar um Presidente, para tirar um Ministro, para dar um veto ou colocar aquele voto de desconfiança, que é tão salutar nas sociedades democráticas? Nós não temos nenhum desses instrumentos. Elegemos o Presidente, e o Presidente manda. A concentração de poder é enorme. Então, daí para frente, ele escolhe os Ministros, e os Ministros vão para lá; quando ele quiser, ele muda. E nós, quando estamos diante de um quadro, de uma representação, de uma escolha ministerial que não condiz com os conceitos éticos e morais da sociedade e muito menos com os critérios administrativos para ajudar o País a se desenvolver, temos de sucumbir a isso, porque isso é o presidencialismo, um regime concentrador de poder.

Não há mais justificativa para o presidencialismo e muito menos para um presidencialismo em que depende o Presidente, na eleição, no segundo turno, dessas correntes que fazem essa grande negociação e que sempre comprometeram o País como um todo.

ENTREVISTADORA – A senhora era parlamentarista e segue parlamentarista?

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Sigo, com convicção, parlamentarista.

ENTREVISTADORA – Inclusive, uma análise que se faz é a de que, no Texto Constitucional que foi construído, as regras de governos, as ferramentas são típicas de um governo parlamentarista. Um bom exemplo é a medida provisória, que é usada amplamente pelos governos, que foi usada e continua sendo usada até excessivamente, não é, Senadora?

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Eu acho. Eu acho que as medidas provisórias têm de acabar, como temos de aperfeiçoar o sistema democrático com o processo parlamentarista. Na hora em que o Primeiro-Ministro não for aceito, tira-se o Primeiro-Ministro, coloca-se outro. Se ele descumpriu o programa que ele propôs... Ele tem de registrar em cartório. Algumas pessoas dizem que registram, mas, depois, vão a público e dizem: "Olha, não é bem assim. Eu quero alterar aquilo que eu propus." Mas ele foi eleito exatamente porque ele escreveu, porque o povo aceitou, porque a maioria estava de acordo. Só que essa maioria, depois, não tem nenhum instrumento para se opor a qualquer desvio de conduta ou a qualquer descumprimento da palavra, do programa.

Então, eu acho isso fundamental.

É verdade que o corpo da Constituição é parlamentarista e que a cabeça é presidencialista. Mas, já que nós estamos no caminho, vamos decepar essa cabeça e colocar uma nova, para que o Brasil tenha mais democracia e mais representatividade, para que o povo tenha mais instrumentos, inclusive, para mudar aquilo que, no andar, no decorrer do caminho, não condiz com os compromissos que foram colocados para o País como um todo.

ENTREVISTADORA – A senhora diria que a Constituição mudou a sua vida como política, como pessoa que trabalha e exerce a política por tantos anos e como cidadã, Senadora? Ou foi mais uma atividade importante, mais uma experiência?

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – A Constituição foi um ponto histórico com que nós tentamos argamassar uma política que pudesse, conceitualmente, fazer um Brasil melhor, mais bem administrado e concebido. É evidente que eu tenho toda a honra histórica de dizer que eu estava lá. Eu estava lá, cumprindo um papel importante.

O que muda a vida da gente, na verdade, é a gente saber que cada passo dado foi edificante. Eu me defino como uma construtora, não sou demolidora. Se eu estivesse ali só para ser contra alguma coisa, eu diria: "Marquei minha posição." Mas marcar posição no Brasil... Nós precisamos é de nos unir para construir novos momentos, novas conquistas, de preferência equilibrando essa balança, porque ela só pende para um lado. A do povo é sempre a balança mais prejudicada, mais vazia.

Eu quero dizer assim: a Constituinte, historicamente, foi importante, mas está na época de avançarmos. Que isso seja feito comigo ou com outra pessoa no meu lugar, mas que ela possa conceber o momento de luta que eu vivi. Entendeu?

Meu pai dizia que viver é lutar, que a vida acaba abatendo aqueles que não têm capacidade de fazer isso, e eu não me senti abatida, eu me senti fortalecida. Mas, a cada dia, eu penso que há algo a fazer em relação àquilo que nós já fizemos há 30 anos.

ENTREVISTADORA – Muito bem, Senadora. Pode falar, Senadora.

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Que nós tenhamos uma nova Assembleia Nacional Constituinte! E que, desta vez, venha o povo, aquele que tem algo a propor, aquele que tem algo a dizer, aquele que se sentiu excluído do processo, aquele que acha que efetivamente a Carta Magna, aquela que é usada e interpretada dentro do STF, é um mecanismo da sociedade em defesa de seus direitos em qualquer repartição jurídica. Que venha, o povo, sobretudo, para dizer à classe política aquilo que a classe política deixa de dizer quando está no exercício do seu mandato!

Então, acho que o Brasil vai ganhar muito se nós tivermos uma nova Assembleia Nacional Constituinte exclusiva. Esse é um novo capítulo a ser escrito, desta vez com o povo brasileiro presente para escrever, do princípio ao fim, a Carta que vai dizer o Brasil que realmente nós precisamos ter.

ENTREVISTADORA – Apesar de ser chamada de Constituição cidadã, a senhora, então, não a vê assim? Ao longo desses 30 anos, a senhora acha que os direitos conseguidos foram diminuídos?

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Não, eu quero dizer o seguinte: a Constituição cidadã existe. Ela é pormenorizada. A Constituição brasileira é uma Constituição cidadã. Ela existe, ela entra em detalhes dos direitos individuais, mas se esquecendo de muitas outras coisas. E não especificamos aquilo que nós escrevemos na Constituição. Ela não foi sequer regulamentada em muitos dos seus capítulos.

Digo que ela precisa avançar porque eu acho... por exemplo, eu entrei no processo constituinte com uma mentalidade profundamente estatizante. Hoje, eu vejo que o Brasil não pode ser assim. Então, é importante que a gente entenda que os direitos de cada um também estão incluídos dentro de uma plataforma de construção de um Brasil mais desenvolvido, para que todos possam usufruir da renda e do trabalho com toda a dignidade pessoal.

Então, garantir que cada um tenha seu direito respeitado é muito certo; nisso não temos de mexer. Nós temos até de avançar na questão do gênero da mulher. Mas, em relação ao capital e ao trabalho, por exemplo, nós temos de melhorar bastante. O Brasil pretende evoluir e se desenvolver. Que esse desenvolvimento possa estar ao alcance de todos os brasileiros. Nós vimos recentemente que cinco grandes empresários brasileiros detêm uma fortuna que corresponde àquilo que têm milhões de brasileiros.

Então, é preciso uma Constituição que resguarde direitos, qualidade de vida, direitos do cidadão e desenvolvimento, para se promover a democracia da renda no País.