Entrevista com Senadora Rose de Freitas - Bloco 1


ENTREVISTADORA - Em 6 de abril de 2018, registramos o depoimento da senadora Rose de Freitas, sobre a sua participação na Assembleia Nacional Constituinte de 1987 e 1988, parte do projeto de História Oral comemorativo dos 30 Anos da Constituição. Participam da gravação os servidores, Virginia Malheiros Galvez, Tania Fusco e Ricardo Movits, Chico Boneta.

 

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Primeiro, eu acho importante registrar que para nós, mulheres, fazer parte de uma Assembleia Nacional Constituinte é parte de uma história que eu acho que é um legado importante para a luta das mulheres e para o Brasil no processo democrático.

Eu fui para a política como uma militante de causas sociais, como uma militante resistente contra a ditadura, pelas liberdades democráticas e, assim, eu fui caminhando nos movimentos populares até chegar a ser uma Deputada Estadual no meu Estado, Espírito Santo e; em seguida, eleita para o Congresso Constituinte.

A importância que isso tem é que, na verdade, eu resisti muito a ir pelo dado histórico da minha própria vida, que a Assembleia Nacional Constituinte não fosse exclusiva. Quer dizer, qualquer pessoa da sociedade pudesse, você, índio, professora, gerente, médico, estar presente no Congresso escrevendo o novo Texto Constitucional – o que não foi possível. Então, nós viramos parlamentares constituintes. Cada um trouxe o seu contencioso de vida para cá, as suas experiências. E eu vinha exatamente como militante das causas sociais pelos direitos humanos, pela questão de anistia, que foi a maior luta que o Brasil travou pela redemocratização. Então, nós chegamos aqui com esse papel no processo constituinte.

ENTREVISTADORA – Senadora, a senhora já nos contou que tem muito orgulho de ter sido Vice-Líder do Senador Mário Covas, no caso, acho que foi a primeira mulher Vice-Líder. Eu pergunto como é que a senhora conseguiu abrir esse espaço se entre 559 Constituintes, as mulheres eram 5,3%. Como é que a senhora conseguiu esse espaço tão importante?

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Esse número está errado.

ENTREVISTADORA – São 26 de 559, o que representava 5,3%.

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Não eram 559, eram 513 mais 81.

ENTREVISTADORA – Isso é hoje, naquela época era menos.

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Não, só houve dois Estados a mais.

ENTREVISTADORA – Não, houve Estados do Norte que tinham um só e passaram para oito. Lembra naquele acordo...

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Ah, desculpa. É mesmo. E nasceu Tocantins também.

Vamos lá.

ENTREVISTADORA – E, aí, como é que foi chegar, abrir esse espaço e conseguir ser Vice-Líder...

SENADORA ROSA – Por favor, repete a pergunta? Desculpa.

ENTREVISTADORA – A senhora já nos contou que tem muito orgulho de ter sido Vice-Líder do Senador Mário Covas. Eu queria saber como é que a senhora abriu esse espaço num universo tão masculino, ter uma posição tão importante que lhe permitiu crescer muito no processo constituinte.

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Na verdade, era um clube essencialmente masculino. Nós tínhamos poucas mulheres, mas mulheres combativas. Eu acho que nós incorporamos decisivamente o papel que nós historicamente teríamos que desempenhar no Congresso constituinte. Por quê? Porque sendo tão poucas e tendo que representar a maioria da sociedade brasileira – as mulheres eram cinquenta vírgula alguma coisa da população brasileira –, nós sentíamos a responsabilidade de levar a termo, de nos colocarmos em todas as Comissões. E como as Comissões eram decididas pelos Líderes, todos eles homens, a dificuldade de estar em Comissões importantes era muito grande.

Eu quero até ressaltar que a Comissão de Sistematização, da qual eu fiz parte, que era a Comissão, vamos dizer, mais progressista, mais para o campo democrático, provocou uma reação de outra parte do Congresso que era exatamente a parte mais reacionária, que não queria reforma agrária, que não entendia igualdade de direitos, direitos de trabalhadores e por aí afora. Muito menos – muito menos – aumentar e dar visibilidade à representação da mulher.

Então, nesse momento em que nós brigávamos, nos organizamos não em grupo de todas, mas de uma maioria, e começamos a ir para as comissões disputar, com a nossa voz, a nossa participação.

Acabei sendo escolhida para ser Vice-Líder de um dos homens mais brilhantes da política brasileira que era Mário Covas, que acabou sendo Líder da Constituinte. Eu ocupei o cargo de Vice-Líder.

Aí, sim, com esses passos, por isso é estratégico o crescimento da mulher na política, nós tivemos capacidade de nos organizar mais, inclusive em relação aos temas do nosso gênero.

ENTREVISTADORA – A senhora aprovou coisas superimportantes. Eu posso ler algumas? E a senhora daria uma explicadinha se foi integral, se foi parte, se houve dificuldade ou facilidade para se aprovar. A aposentadoria voluntária distinta para homens e mulheres; a união estável e o casamento religioso com efeito civil; a prisão civil para devedores de pensão alimentícia; o controle da natalidade como opção individual. Isso só na causa das mulheres. Há outras coisas que a senhora aprovou de outros assuntos. Mas eu queria que a senhora falasse exatamente dessa questão da Bancada do Batom, sobre a força que vocês tiveram. Por que vocês conseguiram aprovar 80% das reivindicações das mulheres?

SENADORA ROSE DE FREITAS (PODEMOS - ES) – Exatamente por essa capacidade de mobilização, de estrategicamente haver Vice-Líder, de haver mulheres estrategicamente em comissões importantes.

Exatamente por termos essas posições estratégicas de haver uma Vice-Líder num colegiado essencialmente masculino, de estarmos posicionadas nas comissões estratégicas que abordavam os assuntos de direitos humanos, os assuntos de cuja discussão, de forma geral, mulher não tinha a condição de participar, como a Comissão da Reforma Agrária e tudo o mais.

Nesse específico tema que você abordou, sobre reconhecer o direito de a mulher de ter alguns mecanismos de defesa acerca do papel dela dentro da sociedade, sobre a importância que ela tinha, mulher tinha de ter efetivamente diferenciada a sua aposentadoria. Por quê? Porque nós mulheres temos uma tripla, quádrupla jornada de trabalho, e isso nunca foi reconhecido no escopo da lei.

Então, quando você fala que a mulher vai se aposentar, você tem de olhar não para uma mulher que cumpre o horário como um homem cumpre, pois, muitas vezes, chega em casa e cobra a sistemática da estruturação da família, do trabalho, da alimentação, com que ela em tudo compartilha. A mulher educa, a mulher trabalha, a mulher administra, a mulher contribui com o orçamento de casa.

Naquela época, falar sobre este assunto era como se nós estivéssemos cometendo um sacrilégio, como se estivéssemos falando em privilégios. E não era privilégio. Era direito. Até hoje ainda há um pouco dessa cultura que nós estamos aos poucos rompendo.

Então, quando falamos que a mulher fica sozinha com a família é porque, numa separação, geralmente é a mulher que fica com os filhos, com raras exceções. E não haver para ela um tratamento diferenciado em relação à pensão, em relação aos seus direitos, ao tempo de aposentadoria era um absurdo. Não há igualdade, não há desenvolvimento no País se você não tratar as pessoas de forma igualitária. Então, na Constituinte nós tivemos a oportunidade de dar visibilidade a esses temas.

Já que você falou sobre essa questão de aposentadoria, de tempo, de pensão e tudo o mais e da questão da união estável, havia um conceito, naquela época, de que o casamento só era reconhecido... O direito de uma mulher dentro de uma relação matrimonial só tinha reconhecimento se ela fosse, no processo inteiro, legítimo. Quer dizer, estou falando em legitimidade, mas entre aspas. Você casava no cartório, na igreja, onde você quisesse, e aí começava a ter seus direitos como cônjuge real. Na verdade, às vezes um homem tinha duas famílias, e a mulher que estava naquele relacionamento à parte era tratada como uma amante, desrespeitada pela sociedade e sem nenhum reconhecimento, embora ela pudesse ter, como fruto desse relacionamento, filhos. Então, nós fomos construindo dentro da lei o quadro do papel da mulher onde ela estivesse, fazendo o que ela estivesse fazendo, mas como um ser que, dentro da sociedade, tinha que ter um tratamento adequado no âmbito da lei. A Constituição serviu para isso. Nós éramos poucas, mas éramos todas combativas e falávamos, com raríssimas exceções, a linguagem das mulheres no que tange àquilo que foi.... Nós tínhamos o crime de honra, né? A coisa mais hedionda do mundo. A mulher traía, aí ele matava e era absolvido porque estava defendendo sua honra. Mas ninguém lhe subtraía a imagem da dignidade humana a honra da mulher.