Entrevista com Senador Raimundo Lira - Bloco 1


ENTREVISTADORA – Em 10 de julho de 2018, registramos o depoimento do Senador Raimundo Lira sobre a sua participação na Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988, como parte do Projeto História Oral, comemorativo dos 30 anos da Constituição.

Participam da gravação os servidores Virgínia Malheiros Galvez, Tânia Fusco, Ricardo Alagemovits e Émerson Soares.

Economista, professor e empresário, aos 42 anos o senhor decidiu concorrer a uma vaga de Senador, pelo PMDB da Paraíba, para participar da Constituinte, instalada em fevereiro de 1987. O que o levou a essa decisão e quais foram as experiências anteriores com a política que o influenciaram, Senador?

SENADOR RAIMUNDO LIRA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – Veja bem, naquela época, existia um otimismo muito grande em nosso País de que os Constituintes iriam fazer um trabalho aqui, no Senado e na Câmara, de tal maneira que se daria a retomada do crescimento econômico do nosso País de uma forma consistente, de uma forma definitiva, estabelecendo, em nosso País, uma plena democracia. O que aconteceu? O que aconteceu foi que a democracia se instalou – nós temos ainda falhas no nosso processo, mas é um processo consolidado –, mas ainda não conseguimos encontrar o nosso caminho para o crescimento econômico sustentável.

Então, foi exatamente pensando nisso, em dar essa contribuição efetiva ao País, que eu imaginei que, como Senador Constituinte, naquele momento, eu daria a minha participação ao País.

ENTREVISTADORA – O senhor se elegeu com 615 mil votos, a maior votação do Estado na época, derrotando um ex-Governador, Wilson Braga, do PFL, e chegou à Constituinte identificado como um político de linha progressista, defensor de trabalhadores pobres e da iniciativa privada contra tendências estatizantes. Como foi para o senhor defender as suas propostas com a força política que o acompanhou e o poder de Vice-Líder de PMDB no Senado e Vice-Presidente da Subcomissão de Defesa do Estado, da Sociedade e da Segurança? O senhor chegou poderoso, Senador.

SENADOR RAIMUNDO LIRA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – É, realmente, foi uma situação bem peculiar. O Líder do PMDB na época era Fernando Henrique Cardoso. Então, eu mantinha com ele um diálogo muito bom.

Agora, é importante destacar que, naquele momento, o País viveu uma turbulência. O Brasil em vez de procurar uma constituição que fosse adequada para os seus destinos políticos, procurou exatamente uma constituição que não deu certo, que foi a Constituição portuguesa.

Logo após a Revolução dos Cravos, em Portugal, instalou-se também um processo constituinte semelhante ao nosso, sendo um pouco mais agitado, e, aí, eles encontraram uma constituição que, 11 anos depois, quando o Brasil entrou no processo, este País foi exatamente procurar esse modelo que tinha dado a Portugal uma recessão permanente durante 11 anos. Então, eu acho que não foi o melhor modelo de Constituição, mas foi a Constituição que conseguimos fazer naquele momento.

ENTREVISTADORA – O senhor acha que teria sido uma boa ideia aproveitar o anteprojeto que foi preparado pela comissão de notáveis, Senador? Teria sido útil?

SENADOR RAIMUNDO LIRA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – Sem dúvida nenhuma. Faz-se uma constituição em cima de um projeto de Constituição Federal, da mesma forma que se constrói um país, se constrói uma nação em cima de um projeto de nação. Então, nós não temos conseguido encontrar o nosso caminho porque não temos um projeto de nação.

ENTREVISTADORA – O senhor diria que houve perda de tempo em razão de não ter havido um ponto de partida? Porque há uma ideia de que se perdeu tempo naquelas discussões iniciais, nas subcomissões, em razão de não haver esse ponto de partida. Claro que, também, o País havia saído de uma necessidade de democracia, o povo, aqui dentro, a sociedade reivindicando, mas há também essa visão de que talvez tenha havido, tenha-se perdido um tempo e um pouco de objetividade. O senhor compartilha dessa opinião?

SENADOR RAIMUNDO LIRA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – Compartilho. Perdemos tempo, e a população não pressionou o Congresso Nacional, no caso, os Constituintes para fazerem uma constituição como foi feita, não houve essa pressão. Portanto, não temos nenhum motivo para que, naquele momento, tenhamos tomado essa decisão de fazer uma constituição sem ser em cima do projeto de Constituinte.

ENTREVISTADORA – O senhor acha que se perdeu em conteúdo em razão disso, Senador?

SENADOR RAIMUNDO LIRA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – Perdemos, sim, porque, no momento em que você vai alavancar um projeto de Constituição em cima das ideias e do pensamento dos quase 600 Constituintes na época, indiscutivelmente, você está perdendo tempo. Até você sistematizar, e era o papel da comissão de sistematização sistematizar tudo isso, é indiscutivelmente uma missão hercúlea. Se nós tivéssemos, repito, escolhido o projeto de Constituição que foi apresentado pelo Governo, nós teríamos tido um resultado muito melhor.

Agora, infelizmente, havia preconceito em relação ao Governo. Então, a Constituição era um projeto apresentado por notáveis, mas, indicados pelo Governo, era uma coisa que não deveria ser aceita. Enfim, esses preconceitos que ainda hoje existem na sociedade brasileira é o que tem atrapalhado que o Brasil entre definitivamente num sistema democrático e encontre o seu caminho para o crescimento econômico.

ENTREVISTADORA – Pode apontar para a gente, estou vendo que o senhor tem algumas críticas, as maiores qualidades e os maiores defeitos dessa Constituinte?

SENADOR RAIMUNDO LIRA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – As maiores qualidades são exatamente esse sistema democrático que criamos com a promulgação da Constituição no dia 5 de outubro de 1988, pelo Presidente Ulysses Guimarães, ele chamou-a Constituição cidadã. Realmente foi uma Constituição cidadã.

Agora, por outro lado, esquecemo-nos de ver o que faz um país ter uma Constituição cidadã, que é um país que tem uma produção industrial consistente, uma produção agrícola consistente. Então, é o setor privado que cria os empregos para que o Brasil tenha uma Constituição cidadã. Esse lado não foi feito. Tanto o é que temos já quase cem emendas constitucionais, quase cem emendas à Constituição exatamente procurando encontrar um caminho mais viável.

ENTREVISTADORA – Senador, exatamente entre os defeitos desta Constituição é apontada a medida provisória. O senhor disse que há mais de cem emendas, e há mesmo. Por que nunca se conseguiu mexer nessa questão da medida provisória? O senhor acha que ela enfraquece hoje o Congresso?

SENADOR RAIMUNDO LIRA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – Enfraquece o Congresso. Uma das críticas, quando nós chegamos aqui, era exatamente o decreto-lei, de que o Governo, o Executivo dispunha, que, no entanto, foi substituído por um instrumento muito mais efetivo, um instrumento que dá muito mais poder ao Governo do que o decreto-lei. Então, acho que foi um exagero a forma como foi feita a medida provisória.

E mais ainda: ela deu margem a que, com o tempo... Ela deveria ser um instrumento que fosse de urgência e de relevância e terminou sendo um instrumento que fosse de qualquer coisa. Então, pegava-se uma medida provisória e se colocavam tantos quantos cabritos ou, enfim, adendos que levariam a criar essa crise que hoje estamos vivendo, que é a crise da Lava Jato.

ENTREVISTADORA – Senador, voltando um pouco na sua razão de ter estado aqui, quando o senhor chegou à Constituinte como político, com a delegação do povo paraibano, o senhor chegou aqui com que missão na cabeça? E, em estando aqui participando, o que o senhor acha que realmente a Constituinte cumpriu em favor do País? Valeu a pena? A Constituinte fez bem ao País nesses 30 anos? Em que sentido? Atendeu pelo menos algumas das razões pelas quais o senhor quis estar aqui?

SENADOR RAIMUNDO LIRA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – É muito bonito dizer hoje que a Constituição Federal é uma coisa linda, uma coisa bonita, uma coisa que deu democracia ao País, mas, quando chegamos aqui e começou a funcionar a Constituinte, parecia um grupo de estudantes, parecia uma assembleia de estudantes, e não uma assembleia de Constituintes. Então, eu tenho realmente uma recordação que não é das melhores.

Eu vim aqui para construir um país que hoje deveria estar entre os grandes países do mundo. Veja que, na década de 70, o PIB brasileiro era menor do que o PIB da China; hoje, a China tem o segundo PIB, e o Brasil continua ainda como aquele País atrasado e subdesenvolvido e com perspectiva de se atrasar muito mais ainda.

ENTREVISTADORA – Então, a Constituição não ajudou o País.

SENADOR RAIMUNDO LIRA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – Eu diria que não cumpriu os objetivos a que ela se propõe.

ENTREVISTADORA – Mas essas críticas do senhor são sempre do ponto de vista de organização da economia, não é, Senador?

Por que é que há esse imbróglio, então, em que a gente não vai para frente, do ponto de vista econômico? O senhor citou o PIB aí, e a gente está meio que estacionado. O que é que o senhor aponta? Qual a saída? A gente poderia fazer uma reforma? Quais são as reformas fundamentais: as que são apontadas hoje aí ou outras?

SENADOR RAIMUNDO LIRA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – Olha, as reformas hoje são difíceis, porque elas todas levariam à conclusão direta de que estariam tirando direito dos trabalhadores. Então, hoje é difícil fazer uma reforma no País.

Então, quando eu me fixo nessa questão da iniciativa privada, eu me fixo porque eu não conheço nenhum país plenamente desenvolvido que não tenha um sistema industrial consistente, que não tenha um sistema educacional de primeira qualidade, como foi o caso da Coreia do Sul. O Brasil, um país já emergente, e a Coreia do Sul, um país pobre, e a Coreia implementou um sistema de ensino eficiente, e o ensino transformou o país num país plenamente desenvolvido. Então, era isso que nós deveríamos fazer.

Só que nós somos um país latino, e os latinos não gostam muito dessa questão de ter um país grande, um país bonito, um país desenvolvido, um país educado. Não é? Os latinos – não o povo, mas principalmente as elites – gostam mais de um país subdesenvolvido, um país pobre, um país injusto. Então, é com essa questão que eu fiquei profundamente decepcionado, em relação à Constituição que nós fizemos aqui, 30 anos atrás.