Entrevista com Senador Paulo Paim - Bloco 4


ENTREVISTADORA– Senador, uma das acusações que se faz à montagem dessa Constituição é que foi uma Constituição corporativista. O senhor contou que todo o processo pelo qual vocês trabalhavam juntava várias corporações em favor disso. Você quer complementar essa pergunta? Por que eu queria saber o seguinte: afinal de contas, nós temos uma Constituição corporativista e cara?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Não.

ENTREVISTADORA– Porque uma das acusações é que todas essas reformas custaram caro à Administração brasileira. Como o senhor vê isso?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Discordo.

ENTREVISTADORA– Só complementando, e o senhor acha que isso só se agravou?

ENTREVISTADORA– E, só, complementando, e o senhor acha que isso só se agravou?

SENADOR PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) – Claro.

ENTREVISTADORA– Pelo comentário do senhor, parece que o Congresso ficou ainda mais corporativo, é isso?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Era exatamente isso o que eu ia responder. Discordo radicalmente, porque ela não foi corporativista. Ela tinha grandes causas. Corporativista é hoje. Hoje é corporativista mesmo. Tudo que se faz aqui é em nome de corporações. Por exemplo, eu diria que quem manda hoje no Brasil é o mercado. O mercado é que manda no Brasil. Manda no Executivo e tem maioria aqui, no Congresso também. É uma realidade, é fato.

Tanto que eles orientaram, resolveram afastar uma Presidenta, afastaram, e, talvez, não negam que afastaram um outro Presidente também na época. Houve a discordância, afastaram aquele Presidente da época, afastaram uma Presidenta agora...

ENTREVISTADORA(Fora do microfone.) – Está falando do Collor.

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Eu estou falando do Collor.

Afastaram-no na época, afastaram a Presidenta agora, por motivos, claro, totalmente diferentes, mas afastaram, e, com a maioria, eles vão ditando as regras, como agora: congelaram por 20 anos qualquer investimento. Você não pode investir, não pode produzir, não pode aumentar a infraestrutura, não pode investir na educação, na saúde. Vai investir onde? Vai investir no banco. Vai botar onde o seu dinheiro, que você conseguiu? Vai ter que aplicar. Aplica, então, no sistema financeiro.

Então, o mercado é que manda. Fizeram a reforma trabalhista, aí, sim, numa visão totalmente corporativista do setor empresarial – ninguém tem dúvida quanto a isso, não é? Todo mundo sabe que foi na sede, aqui, da CNI, que foi escrito o texto final, aqui, em Brasília, num sábado à tarde, com a assessoria, inclusive, da Fiesp junto. Mas, enfim, é um direito deles de se reunirem onde bem entenderem, eu estou apenas falando. E fizeram o que eu chamo não de uma CLT, Consolidação das Leis do Trabalho, fizeram uma CLE, consolidação das leis do empregador, porque ninguém tem dúvida, uma mulher, gestante trabalhar em área insalubre, enfim, amamentar criança em área insalubre, onde é que nós estamos? Doze horas ininterruptas, onde é que nós estamos? Trabalho intermitente, contrato exclusivo, rescisão de contrato sem acompanhamento da entidade sindical e nem sequer do advogado!

Estão fazendo rescisão de contrato por correspondência. Recebe em casa. Quer, quer. Não quer, vai brigar na Justiça, mas fique sabendo agora que, se você perder na Justiça, você é que vai pagar as custas. Houve um caso, se não me engano, em Pernambuco, em que o cara entrou com uma ação para receber R$10 milhões, perdeu, tem que pagar R$750 mil. E daí? É um motorista, se não me engano, um motorista de caminhão. E daí, como é que vai fazer? Não vai pagar nunca. O que é que vai acontecer?

Então, isso, sim, que é corporativo. Eles tiraram tudo aquilo que nós construímos da era Getúlio, passou pela Constituinte até hoje. Desapareceu.

A previdência, é porque houve uma grande mobilização. Nós usamos o texto da Constituição e eu instalei a CPI. Eu precisava de 27 assinaturas. Disseram: "Paim, tu não vais conseguir nem 20." Eu consegui 62. Os Senadores foram sensíveis, 62 Senadores assinaram, e nós provamos, baseados nos princípios constitucionais mesmo, porque tem ligação com isso, que a previdência não é deficitária, é superavitária.

Fizeram até o discurso de que servidor público é vagabundo, porque trabalha pouco, aposenta-se cedo e ganha muito. Tudo mentira, porque, em primeiro lugar, o servidor público que entra, desde, se não me engano, 2003 para cá, entrou no Regime Geral da Previdência. O teto está ali. Quem quiser, é o Funpresp, tem que ir para o fundo próprio, que ele vai pagar à parte. Isso é para todos os servidores e para todos os trabalhadores do regime geral, que é o meu caso.

E o prejuízo que ia trazer para os trabalhadores rurais? Vejam o que aprovaram recentemente. Por isso que eu digo que estou só mostrando que está muito pior hoje do que no passado.

Naquele decreto que regulamentava o trabalho escravo teve o Supremo que intervir, mas aquele decreto tem a ver com o Congresso, porque a pressão do Congresso aqui, de uma certa maioria, não estou citando o nome de ninguém, disse o seguinte: "Se o Executivo não apresentar esse decreto" – eu vou ser direto aqui – "garantindo que o trabalho escravo fica legalizado, nós não votaremos pela manutenção do Presidente Temer no Palácio, ou seja, vamos seguir a recomendação do Supremo". Ele seria afastado e seria condenado. Então, eu só estou dando exemplo, não é ataque pessoal a ninguém, do quão corporativo está hoje nas mais variadas áreas.

Na época, lá, defendíamos causas, porque, quando eu digo trabalhadores, eram trabalhadores do campo, da cidade, da área pública e da área privada. Todos. Quando eu me referia a idosos, eram todos. Tanto que foi inspirado lá, naquele processo, de que eu fui depois o autor, o Estatuto do Idoso, que hoje todo mundo elogia, enfim. O Estatuto da Igualdade Racial foi inspirado na Lei Caó, que aprovamos lá. Eu fui Relator daquela lei e, mais na frente, a aprovamos. O Estatuto da Juventude foi inspirado, de que eu fui Relator e da lei também, no texto constitucional. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, que também é lei de nossa autoria, foi inspirado na forma de cuidado com as diferenças.

ENTREVISTADORA– O senhor aponta... Desculpa. O senhor aponta como uma continuação...

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Uma continuação permanente. Até hoje o próprio salário mínimo nós só conseguimos graças àquela redação que todos demos ali, porque a gente disse: mas não é cumprida a Constituição; está aqui, olhem. O salário mínimo era de US$60. Baseado nesse debate que fizemos para cumprir o que manda a Constituição, aprovamos a política do salário mínimo mais o PIB e hoje o salário mínimo está em torno de US$300. Não é muito. Alguém pode dizer: "Ah, mas tu não achas que é pouco?" Eu acho que é pouco, mas avançamos em relação àquilo que era antes da nossa Constituinte, que era US$60.