Entrevista com Senador Paulo Paim - Bloco 3


ENTREVISTADORA– Senador, o senhor falou das coisas fantásticas que todo mundo reconhece que foram registradas na Constituição, mas queria ver se o senhor tem algum voto que não repetiria hoje.

Por exemplo, o senhor votou a favor do limite de 12% para juros reais, que é um dos pontos mais polêmicos da Carta. Trinta anos depois, o senhor avalia que aquele voto estava certo? O senhor repetiria?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Olha, combater a taxa de juros neste País é uma missão de todos nós. Confesso que qualquer instrumento que eu conseguisse para combater essa verdadeira exploração do povo brasileiro... A taxa de juros no Brasil é a maior do mundo. Eu faria, porque houve uma simbologia, a de que tínhamos que travar essa ganância do mercado.

Hoje o cartão de crédito chega a ser 400%. Hoje você vai fazer um empréstimo... Se você aplica na poupança, ela lhe dá 0,5%; se vai fazer empréstimo, paga 10%, 12%, 13%, 14%.

Então, a ganância do mercado, do sistema financeiro é muito grande. Houve uma simbologia: nós queríamos dar um basta a essa loucura de fazer isso em vez de se investir no mercado produtivo, para gerar emprego, renda e produzir bens para o País, seja na agricultura, seja na indústria, por exemplo, ou no comércio, em bens e serviços. Hoje, neste País, o investimento que dá mais lucro para quem tem posses mesmo é fazer a especulação financeira.

Por isso, eu repetiria meu voto. Mas houve um voto que eu não...

ENTREVISTADORA– Qual é o seu voto que o senhor não repetiria?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – ... não repetiria, com muita tranquilidade e com muita segurança. Nós, Constituintes, entendíamos que ia passar o parlamentarismo. Eu, de fato, sou parlamentarista. Não gosto desta história – como se chama? – de ficar...

ENTREVISTADORA– Idolatrando.

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – ... idolatrando, exatamente, idolatrando uma pessoa.

Eu prefiro defender causas, princípios. Pauto a minha vida para as grandes causas – causas do interesse do povo brasileiro, naturalmente. É isso que me dá energia para... Eu sou de 1950, já estou com 68. E me apresento, digamos, com gana, com raça, como se fosse um guri ainda, com vontade de acertar, de fazer, de ajudar a nossa gente.

Por isso, sou parlamentarista, porque o Parlamento, bem estruturado, bem organizado, com compromisso com as grandes causas, faz muito mais que a figura de um presidente. Aí tu estás adorando a pessoa. Eu adoraria uma causa que aqueles 400, 500, 600 Parlamentares defendem. Eles vão para o voto, para o debate, e que vença, claro, a maioria, porque assim é a democracia. E quem é democrata tem que saber ganhar e perder também. Às vezes a gente perde. Vou dar um exemplo: perdemos a reforma trabalhista, mas ganhamos a da previdência. Não ganhamos a guerra, mas ganhamos uma batalha dos tempos atuais.

Aonde estou chegando? Por que estou falando no parlamentarismo? Porque nós achávamos que ia ganhar o parlamentarismo, inclusive no plebiscito. E perdemos. E colocamos na Constituinte a medida provisória.

ENTREVISTADORA– Esse é o seu voto de arrependimento?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Esse é o voto de arrependimento, porque, sendo parlamentarista, como fui dar para um presidente – e ficou sendo o presidencialismo – o instituto de legislar? O Presidente da República, se quiser... E sem limite. Ele vai legislar sem limite: pode editar 10, 20, 30, 40, 50 medidas provisórias, e é papel do Congresso fazer as leis, não dele. O papel dele é executar. Nós erramos porque... Como se chama? Demos o bote e caímos no rio, quase afundamos.

Hoje há Presidente da República, independentemente da época ou de quem foi, que chega a editar por ano mais de 100, 200, 300 medidas provisórias, usurpando o papel do Congresso Nacional.

Então, medida provisória foi o maior erro, eu diria, dos Constituintes.

ENTREVISTADORA– O senhor acha que isso justificaria uma revisão constitucional, de verdade? Isso, porque a de 1993/1994 fez muito pouco, e o senhor até foi contra a posição do seu Partido, o PT. O PT não queria que os seus Parlamentares participassem.

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Assinassem.

ENTREVISTADORA– O senhor queria que os Parlamentares defendessem as conquistas. O senhor acha que isso justificaria uma nova revisão?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Primeiro, essa questão é uma boa pergunta, porque até hoje, aqui no Congresso, inclusive, na Câmara e no Senado, falam: "Mas você não pode estar dizendo isso da Constituinte, porque vocês não assinaram, não reconheceram." Não é verdade. Não quero usar o termo mentira, mas é uma inverdade. Nós assinamos, houve esse debate interno na Bancada e nós ganhamos. Eu disse: "Pessoal, não foi tudo aquilo que nós queríamos, mas há muita coisa boa aí. E se nós não assinarmos é não reconhecermos o papel que a sociedade organizada exerceu e os Parlamentares que defenderam esses avanços em relação àqueles que queriam deixar tudo, mais ou menos, como estava."

Assinamos, eu tenho a foto inclusive. Posso até deixar uma cópia com vocês para efeito dos Anais, em que eu estou com o meu filho Jean, ele está ao meu lado com uma blusinha azul, de mão no bolso, e eu bem barbudo na hora que estou assinando. Essa foto tenho aqui no gabinete e tenho lá em casa também. Ele está aqui como testemunha do momento em que eu assinei. E está aqui nos Anais da Constituinte também, quem assinou e quem não assinou. Então, nós assinamos.

O que aconteceu? Nós votamos contra em muitos artigos, claro, nós queríamos mais. Isso é diferente, votar contra uma coisa e não reconhecer, ao final. Não assinar a Constituição não é real. Nós assinamos, a Bancada assinou e reconhecemos o resultado final.

Havia outra pergunta.

ENTREVISTADORA– A revisão constitucional.

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – A revisão constitucional.

Por que a gente nunca defendeu muito essa história da revisão constitucional? Há uma frase do Ulysses, não é minha: quando você pensa que o Congresso está ruim... Em matéria, eu digo, ideológica, de posições mais progressistas ou mais conservadoras. Ulysses Guimarães dizia: quando você pensa que está ruim, prepare-se que daqui a quatro anos vai piorar mais ainda – em matéria de posições. Então, como a Constituinte, na época, fez um texto avançado, o texto da Constituição ficou muito avançado, se nós fizermos uma revisão constitucional, nós vamos só perder – nos tempos de hoje, só vamos perder.

Se nós analisarmos, de lá para cá, todas as emendas que foram apresentadas e aprovadas, quase todas elas foram para retirar direitos, não foram para avançar em direitos para o povo brasileiro.

Por isso eu defendo a tese – aí sim – de uma reforma até mesmo de artigos da Constituição que eu chamo exclusiva e temática: uma reforma constitucional exclusiva e temática. Porque só vai naquele foco que você... por exemplo, se nós quisermos discutir – eu sou parlamentarista – o sistema de governo, só com uma Constituinte exclusiva e temática para discutir esse tema. Aí há lógica. Se eu quiser fazer uma reforma política, eleitoral e partidária profunda. Eu apresentei essa PEC, uma proposta de emenda à Constituição, temática e exclusiva para discutir este tema, a estrutura da reforma – aí pega partidos, pega tudo – política, partidária e eleitoral. Aí sim. Agora, querer aprovar uma revisão total do texto, não vai sobrar pedra sobre pedra.

ENTREVISTADORA– E a medida provisória, como é que resolve? Só para concluir o assunto.

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Claro. A medida provisória, como é que eu...

ENTREVISTADORA– Posso complementar a pergunta?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Pode.

ENTREVISTADORA– Exatamente sobre a medida provisória. O senhor falou que se arrepende, e a gente vê que, praticamente, o Parlamento inteiro. Em 30 anos, vocês não conseguiram mudar isso. Eu quero saber isto, por que qual é a saída?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – É aquilo que eu falava antes, não precisa ser uma revisão constitucional, mas pontual. Eu apresentei uma proposta de emenda à Constituição pontual que revoga o instituto da medida provisória. Pronto. Estaria resolvido. Não precisa fazer uma revisão total. Porque se fizer uma revisão total, eles vão mexer nos direitos sociais, vão mexer na educação, vão mexer na segurança. Para piorar, pode ter certeza, pela faceta – digamos – do atual Congresso.

Eu apresentei emendas, essa da medida provisória foi uma, revogando totalmente o artigo da Constituição que dá poderes para o Presidente da República fazer as leis. E por que não passa?

ENTREVISTADORA– Executivo nenhum apoia isso, não é, Senador? (Risos.)

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Claro. Porque Executivo nenhum, com esse instrumento de poder na mão...

Ele vem aqui, tenta fazer um projeto de lei, vê que não anda, mete uma medida provisória, no outro dia está vigor. Você dorme com uma lei e acorda com outra. É como eu tenho dito muitas vezes. Aí como tem o negócio de prorrogar por 60 dias, depois por mais 60, essas prorrogações, o cara, de repente – vou dizer um termo pesado, mas é verdade –, faz o serviço sujo durante quatro meses, depois pode até cair.

Mudanças pontuais na Constituinte, eu não sou contra; mas revisão total, sim.

ENTREVISTADORA– O que é mais fácil? Mudar o sistema de governo então?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Não, o mais fácil hoje é fazer mudanças pontuais porque o sistema de governo só muda com plebiscito popular, e a população brasileira – pelo que eu vi – não abre mão do presidencialismo. Isso nós temos debatido muito.

Propostas de parlamentarismo só vêm no momento de crise, é tipo um parlamentarismo oportunista, com que eu discordo. Tem que vir por convicção, que o Congresso e o povo entendam. Por isso eu defendo também que tem que passar no plebiscito. Porque o parlamentarismo, para mim, ainda seria o melhor, desde que a gente fizesse também uma reforma política, eleitoral, partidária, com profundidade, não permitindo o abuso do poder econômico, porque, infelizmente, existe muito neste País.

E como é hoje? O formato hoje é a Bancada da bala, é Bancada do mercado financeiro, é Bancada da Bíblia – como alguns dizem –, é Bancada da área rural, é Bancada dos sindicalistas também – como dizem – e as corporações estão com força aqui, no Congresso. E a dos trabalhadores só diminuiu de lá para cá. Da Constituinte para hoje, o Diap tem esse estudo, praticamente, diminuiu pela metade o número de representantes dos trabalhadores e aposentados.