Entrevista com Senador Paulo Paim - Bloco 2


ENTREVISTADORA– Eu vou aproveitar que o senhor está contando história, que o senhor está falando da sua relação com seus pares na Constituinte, para pedir que o senhor conte a história da emenda da lei de greve do Jarbas Passarinho.

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Uma das mais bonitas, eu acho, porque, como eu vim da área sindical, eu conheço bem o que é uma greve. Ninguém faz greve porque gosta. Sabe-se como ela inicia, mas não se sabe como ela termina. Às vezes a gente termina a greve somente pedindo para não descontarem os dias parados do meu povo aí, pelo menos, porque o resto a gente ainda vai continuar discutindo. Então, nós tínhamos um carinho muito grande por esse tema.

E aí, enfim, os líderes da época... Havia os líderes. Nós éramos um quadro intermediário. Os líderes mesmo eram o Lula, o Covas, o Fernando Henrique, que é da época também, o Ulysses Guimarães... Aí, eles nos encarregaram, conforme correspondia à nossa Comissão, a mim e ao João Paulo, de Monlevade, de construir um texto para ver se o Relator, que era o Ronan Tito, concordava e passava no plenário. Era um tema explosivo, como era o da reforma agrária. Aí, nós estávamos com aquela missão e fomos procurar o Ronan Tito. Ele estava na fazenda dele lá em Minas, no interior de Minas. Aí ligamos para ele. Ele disse: "Ó, se vocês estão com pressa, venham aqui." Daí eu disse: "Mas como? Chegar aí é longe." Ele disse: "Não te preocupa. Eu mando um aviãozinho..." Eu chamo de teco-teco, mas era o aviãozinho dele. "Eu mando aí com um piloto para buscar vocês." O João Paulo disse: "Vamos embora!" Aí pegamos o aviãozinho aqui, aquele teco-teco ia dançando todo o período, loucos de medo, acho que eu mais do que ele.

Chegamos à fazenda dele, ele foi muito gentil, muito bacana conosco, sentamos lá, discutimos um longo período aquele texto, construímos o texto e voltamos no teco-teco para cá. Chegando aqui, falamos com o Covas, falamos com o Lula, falamos com o Olívio, falamos, enfim, com a Liderança do PDT, do PCdoB também da época e eles disseram o seguinte: "Olha, esse texto aqui é um texto avançado."

Aí o Covas disse: "Olha, só tem uma saída: vá falar com o Jarbas Passarinho." E o Jarbas Passarinho era um Líder do Centrão, mas muito equilibrado e muito de conversa, muito respeitoso. Um diplomata, eu diria! Independente da questão ideológica de cada um, eu, quando elogio, elogio mesmo. É de coração esse depoimento, que eu dei inclusive no dia, aqui no plenário, em que o Plenário fez uma homenagem a ele.

Eu cheguei lá e disse: "Olha, Senador, nós queríamos ver se é possível..." E eu disse para ele: "Eu queria muito que o senhor defendesse. Se o senhor defender, segundo..." Aí eu usei os nomes de Covas, de Lula e tal, vai passar esse texto. Ele era tão... Ele tinha muita cultura, muito conhecimento. Ele só pegou o texto na mão assim, um texto desse tamanho mais ou menos, escrito, quatro, cinco, seis frases ali, olhou, leu, acho que não foi... Para ele analisar o texto – porque era direito de greve! – Não deu cinco minutos. Ele disse: "O texto está bom, pode dizer lá para o Covas, enfim, que eu vou defender na tribuna."

Agradecemos e o abraçamos e fomos embora. Resultado: dali a dois, três dias foi votado, o nosso pessoal defendeu e ele, do lado de lá, foi para a tribuna e complementou a qualidade do texto, que deixava espaço para que a lei inclusive regulamentasse as questões finais e aprovou por unanimidade.

O Jarbas Passarinho era daqueles que, quando ia à tribuna, você não ouvia o barulho de uma mosca no ar. O Covas praticamente a mesma coisa.

Os dois já faleceram, mas o texto dessa Constituição para mim teve três grandes articuladores: Ulysses Guimarães, Covas e Jarbas Passarinho.

ENTREVISTADORA– Indo nesse tema mesmo das emendas, o senhor apresentou 183 emendas, aprovou 18 integralmente e 15 parcialmente.

Quatorze das aprovadas foram sobre temas trabalhistas e direitos sociais. Qual dessas o senhor reputa como mais importante, se é que é possível?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Olha, ali eu acho que essas emendas, tantas, que nós apresentamos foi fruto desse texto que eu falei antes, que nós, junto com o Diap, formulamos lá na Contag e apresentamos aqui, em bloco, em nome de uma série de partidos e Parlamentares.

Mas ali eu acho que todas aquelas emendas foram fundamentais. Posso destacar algumas. Por exemplo, nós queríamos muito as 40 horas, e não passou. Não passaram, era 48 na época, porque diziam que ia gerar desemprego em massa e tal se houvesse a redução, mas conseguimos reduzir para 44. Claro que foi uma fusão de emendas, de inúmeros Parlamentares que contribuíram muito. Mas foi um avanço enorme da época você tentar segurar de 44 para 40, tanto que, de lá para cá, passaram-se 32 anos – analisamos no dia que começou o debate –, 30 anos dela já promulgada, e nós não conseguimos reduzir uma hora. E nós continuamos com a batalha de reduzir de 44 para 40. Não conseguimos reduzir uma hora. Naquela ali nós reduzimos quatro horas, de 48 para 44.

Naquele texto ali, e eu quero sempre falar que ali era um texto coletivo, muita gente assinou, o Gastone Righi foi fundamental nessa das 40... quero lembrar, o Gastone Righi foi fundamental na proposta de 48 para 44.

Eu acho que era do PTB na época.

Agora, a redação do salário mínimo acho que foi muito bem construída, ficou uma bela redação. A própria questão do aviso prévio também foi muito importante, embora nós queríamos o aviso prévio de 60 dias, remunerado naturalmente, passou... O aviso prévio era 30 passou para mais dez dias. Então passou mais um terço. Também foi uma vitória coletiva de todos os que trabalharam ali.

Na questão sindical também ficou uma boa redação, porque ali passou o princípio da unicidade, foi uma briga muito grande, porque quem é do Brasil, é do pluralismo e da unicidade. Graças àquilo que está ali que os sindicatos não estão ainda desmontados, porque, hoje, mesmo aqueles que defendiam a pluralidade e não queriam aquela redação que nós – nunca eu, vou deixar bem claro isso –, que nós todos construímos com aquele bloco grande e com o apoio da sociedade civil organizada, das entidades... Está ali um texto que preserva a unicidade, e com isso não se esfacelaram os sindicatos, que, mediante essa reforma, estariam...

Se tivesse passado ali na Constituição a pluralidade, com essa reforma que aconteceu aqui, seria um desmonte total. Não sobraria, como diz o outro, pedra sobre pedra do movimento sindical, mas está protegido ali, construída a preservação...

Até hoje a gente briga pelo direito das mulheres, para que elas tenham o mesmo salário que o homem na mesma atividade. Acontece que o projeto de que eu sou relator, que até hoje não foi ainda aprovado, quer garantir que, se não se cumprir esse princípio da igualdade, homem e mulher na mesma função, na mesma atividade, tem que pagar multas. Aí temos dificuldades e até hoje não aprovamos. Passaram-se 30 anos e nós não aprovamos.

Esses são alguns pontos que eu entendo que foram, são muitos, mas que ajudaram muito a melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro.

ENTREVISTADORA– Como é que o senhor responde a esse argumento...

Naquela época vocês rebatiam o argumento do empresariado de que todo esse avanço na área da organização do trabalho em favor dos trabalhadores teria um impacto negativo nas empresas e isso geraria desemprego. O desemprego que há hoje, o senhor acha que há uma relação com esses avanços? Como é que o senhor vê isso?

SENADOR PAULO PAIM (PT -RS) – Pelo contrário, esse foi um grande equívoco, e a história mostrou para eles que eles estavam totalmente errados.

Nós dizíamos que aquilo ia garantir uma relação mais equilibrada entre empregado e empregador, aquilo ia gerar emprego, na política do nosso entendimento, mais pessoas trabalhando, produzindo, recebendo e consumindo, você reativa o mercado interno. E assim foi que aconteceu. De lá para cá... O mesmo caso da mulher gestante, nós asseguramos direitos ali, e "ah, não vamos empregar mais mulher em coisa nenhuma", e as mulheres continuaram sendo empregadas. Avançou-se muito mais, comparando-se com antes, e o desemprego diminuiu, tanto que chegamos até, no Brasil, agora em 2013, 2014 – digo agora, porque para mim é de 2018 a cinco anos para trás –, nós chegamos a um patamar de 5% de desemprego no Brasil, 5%.

Depois que fizeram a dita reforma trabalhista, que, de uma forma ou de outra, segundo Ministro do Tribunal Superior do Trabalho e juízes, flexibilizou, inclusive, conforme nosso entendimento, ferindo até a Constituição – algo que vai ser discutido na Justiça ainda –, o desemprego aumentou.

Antes da reforma, havia algo em torno de 12 milhões de desempregados; hoje está se aproximando de 14 milhões. E o dado do IBGE recente, que mostrou que tínhamos razão lá atrás, aponta que há hoje, depois da reforma, algo em torno de 26 milhões. São dados atuais de que estou falando.

São 26 milhões de pessoas, mais ou menos o seguinte: 14 milhões totalmente desempregados, e outros 10 milhões, 11 milhões estão vivendo no subemprego ou no emprego precarizado ou mesmo na informalidade, com trabalho escravo, com trabalho intermitente.

O trabalho intermitente é um absurdo, que na Constituinte não passou. É o camarada ganhar duas ou três horas, chegar ao fim do mês com duas, três horas. Digamos que ele ganhe 17 horas no mês, no fim do mês tem que pagar R$3 para o empregador. Tem que pagar, porque a lei diz que a contribuição para a previdência não pode ser menor que um salário mínimo. Então, para ele pegar o que ganhou nessas 17 horas, tem que pagar mais R$3.

Isso mostrou que nós estávamos certos, mesmo na previdência nós estávamos certos.

Uma das coisas mais importantes que nós trabalhamos na Constituinte foi a questão da previdência. Claro que depois houve lei que regulamentou e tudo, mas nós já botamos lá. As contribuições... Quando se faz uma operação de compra e venda... Eu, por exemplo, vendi uma casa e tive que pagar a previdência. Operação de compra e venda, tributação sobre lucro, faturamento, PIS/Pasep, jogos lotéricos, empregado e empregador tinham que destinar um percentual para a previdência.

Isso nós colocamos lá e sabíamos que a tendência, com os anos, é, cada vez mais, o número de anos de vida aumentar, como de fato aumentou. Mas esse dinheiro que foi recolhido da população não foi repassado para o fundo previdenciário.

Por isso, na CPI, que aqui presidi e de que o Hélio José foi o Relator, nós provamos que haveria trilhões de reais, se tivesse sido cumprido, dando-se gancho na Constituinte, exatamente aquilo que os Constituintes mandaram, fizeram e escreveram. Mas não cumpriram.