Entrevista com Senadora Lídice da Mata - Bloco 3


ENTREVISTADORA – Neste ano, a gente tem um Judiciário no protagonismo. Eu pergunto: a Constituição empoderou e fortaleceu demais o Judiciário? Ou assentou bem o equilíbrio pretendido entre os três Poderes? Estou retomando a pergunta anterior.

SENADORA LÍDICE DA MATA (PSB-BA) – Olha, eu acho que assentou. O protagonismo do Judiciário não advém da Constituição, na minha opinião; ele advém dos excessos de alguns agentes públicos que abusam do poder que a Constituição lhes dá. A Constituição não lhes dá o poder para fazer coisas de que eles se sentem investidos a fazer. O que é errado é que os nossos órgãos de controle não estão agindo devidamente para impedir isso, e não que a Constituição esteja errada.

É certo que alguns segmentos do Judiciário muitas vezes, como organismos, se manifestam de forma muito corporativa e dão essa sensação de que eles têm o poder que não tinham antes. O Ministério Público é um caso típico porque foi quem mais recebeu da Constituição Federal a delegação para ter uma nova função, para se constituir dentro de uma nova função. E há muitas reclamações de prefeitos de que há procuradores e promotores que muitas vezes se colocam mais numa posição de exercer o lugar do prefeito do que de zelar pela Constituição, pela lei, pelo direito coletivo, e assim por diante. Ora, mas esses são conflitos do processo de ajuste da existência desses poderes, que, volto a dizer, precisam também ser fiscalizados e chamados à razão.

ENTREVISTADORA – Isso decorre talvez, na sua opinião, de um enfraquecimento do Executivo e do Legislativo, Senadora?

SENADORA LÍDICE DA MATA (PSB-BA) – Eu acho que o enfraquecimento do Legislativo não decorre... No caso da medida provisória...

ENTREVISTADORA – O empoderamento do Judiciário...

SENADORA LÍDICE DA MATA (PSB-BA) – ... que só é uma ferramenta do Poder central, não é das assembleias legislativas e nem das câmaras municipais, há realmente uma diminuição de poder, de intervenção, de protagonismo do Poder Legislativo frente ao Poder Executivo.

Agora, a Constituição coloca o grande desafio do equilíbrio de poderes, o grande desafio. Então, eu vejo ministros que hoje são Deputados e que antes não eram – eventualmente são Deputados ou Senadores –, que se sentam na cadeira do Poder Executivo e, no dia seguinte, se acham muito poderosos, querem mandar uma lei que não tenha nenhum reparo do Poder Legislativo. Ora, isso não existe! Então, não adianta idealizar situações, é preciso entender como o poder se organiza. Em vez de ficar fazendo projeto de lei esperando que não seja modificado, vá à luta, mobilize suas bancadas, apresente o projeto de lei antes de ir para o Parlamento à bancada do seu partido, discuta, faça com que essa bancada interfira, leve à bancada do partido maior que apoia o seu Presidente para o debate; então, construa a possibilidade.

O problema é que, como há muito consolidado no Brasil o poder do Poder Executivo, ninguém quer ter esse trabalho. E aí, claro, o Legislativo, realmente, aí sim, perde sua função, se transforma num apêndice repetidor da vontade do Poder Executivo e nada mais.

ENTREVISTADORA – Para mudar isso é preciso reforma na Constituição ou no comportamento?

SENADORA LÍDICE DA MATA (PSB-BA) – Na Constituição, talvez, naquilo que possa ser alterado para mudar o sistema eleitoral deste País e o sistema político do Brasil.

ENTREVISTADORA – A senhora está falando em reforma política?

SENADORA LÍDICE DA MATA (PSB-BA) – Em reforma política.

Para fazer uma reforma política para valer, é preciso mudar um pouco a Constituição. Há aspectos da Constituição que dificultam isso. Então, eu acho que nós... E, olhe, já se fizeram muitas mudanças desnecessárias na Constituição brasileira, outras mudanças que atentam contra o direito do povo brasileiro e poucas mudanças no aperfeiçoamento do sistema democrático do Brasil.

ENTREVISTADORA – O que faria a diferença, Senadora, sob esse aspecto de reforma política e de aperfeiçoamento do sistema democrático?

SENADORA LÍDICE DA MATA (PSB-BA) – Eu acho que muita coisa. Por exemplo, não é possível... Nós temos ainda uma Constituição, do ponto de vista de seu conceito, que guarda muitas referências ao sistema parlamentarista. Eu digo isso à vontade, porque eu sou muito simpática ao sistema parlamentarista, mas é preciso que nós tenhamos a definição do que queremos como Estado, como sistema político.

Quando você define que um fundo eleitoral ou um fundo partidário deva ser calculado apenas com base na proporcionalidade das cadeiras que cada partido tenha na Câmara dos Deputados, você pensa um sistema que é muito destoante do que é o sistema presidencialista, você não dá nenhum valor a um partido que tenha quatro ou cinco governadores. A campanha de um governo leva a negociações, e não necessariamente aquele governo elege para Deputado Federal uma bancada majoritária do seu partido. Ele tem que compor com outros partidos que o apoiam e, muitas vezes, o preço é dar um peso maior a um partido na bancada federal e, a outros, na bancada estadual. Então, isso não está representado nesse sistema de formação do fundo eleitoral e partidário no Brasil, basta apenas ter Deputados federais.

Então, nós estamos vivendo neste momento, agora, uma situação muito singular. Há partidos que definiram que não devem ter candidatos ao governo do Estado. Para quê? Para reservar todo dinheiro do fundo eleitoral para eleição de Deputados. Ora, isso, na minha opinião, é uma distorção de poder.  Se um partido luta para alcançar o poder, e nós não estamos num sistema parlamentarista, ele deve lutar para alcançar também espaços dos poderes regionais, com os governos do Estado, e Presidência da República. Pelo sistema atual, é bom para um partido não ter candidato ao governo nem candidato a Presidente da República, porque gasta dinheiro do fundo eleitoral, disputa no fundo, que é pequeno para as necessidades eleitorais, com os candidatos a Deputado Federal e estadual – coitado! – que não existe nessa relação.

Então eu penso que a lei eleitoral que nós temos no momento distorce profundamente o sistema eleitoral brasileiro.

ENTREVISTADORA – Uma das questões que são recorrentes é a da cláusula de barreira, para se tentar uma redução no número de partidos. A senhora acha que essa é uma distorção que faz diferença no processo de aperfeiçoamento?

SENADORA LÍDICE DA MATA (PSB-BA) – Olha, eu, digamos assim, me rendo a essa necessidade. Eu defendo o que está na Constituição, a liberdade de organização partidária. Todo e qualquer segmento da população pode criar um partido político. Essa é uma liberdade básica da organização partidária no Brasil e nos países de tradição democrática. Agora, as regras para participar da eleição são outra coisa, não dizem respeito, necessariamente, à liberdade de organização partidária. Dizem respeito a acesso ao fundo eleitoral, acesso a tempo de televisão, o que é também coisa singularíssima do Brasil, porque em outros sistemas democráticos não necessariamente você tem tempo de televisão e de rádio. Eu defendo que tenha, mas é, digamos assim, uma situação singular no Brasil que nós temos que resguardar. E, ao resguardar, não podemos permitir que essa conquista democrática da sociedade brasileira possa ser sugada para se transformar numa moeda de mercado, de transação entre partidos políticos, quase numa compra de pequenas legendas para obter três, quatro, cinco, dez segundos a mais ou um minuto a mais que seja. A legislação tem que ter capacidade de fazer isso e, por isso, há de existir restrições ao exercício pleno desse direito de organização partidária.