Entrevista com Senador José Serra - Bloco 4


ENTREVISTADORA – Senador, o senhor acredita que – se houve isso – a inclusão da previdência do trabalhador rural como obrigatoriedade para o Estado é uma das razões pelas quais a previdência hoje, no Brasil, está tão...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Sim, mas isso não é por causa da Constituinte.

ENTREVISTADORA – Não?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Não. Que tinha de ter previdência para trabalhador rural, tinha.

ENTREVISTADORA – Sem uma contribuição qualquer?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Aí é outra história. Mas isso não necessitava de Constituição. Foi uma tendência que ficou.

ENTREVISTADORA – O senhor acha que as coisas não se relacionam? O problema da previdência hoje não tem relação qualquer com isso?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Não diria que não tem relação qualquer, mas a questão da previdência básica, no Brasil, é o tempo. Você pode, dependendo de certas circunstâncias, aposentar-se com menos de 50 anos.

ENTREVISTADORA – Que questões...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – O que é insustentável, no futuro. Já disse várias vezes que a maneira de defender a reforma da previdência está errada. O pessoal diz: "Ah, temos de eliminar privilégios." Não é isso. A reforma da previdência é necessária para que você, que hoje é contribuinte, receba sua aposentadoria amanhã. Se não, não vai haver dinheiro para pagar os que hoje contribuem, para o aposentado futuro. Entende? Essa é a questão básica.

ENTREVISTADORA – Então, a Constituição não tem culpa nenhuma.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Não diria que não tem culpa, mas não é só.

ENTREVISTADORA – Eu queria que o senhor fizesse um balanço, até por causa da sua grande atuação, de como o senhor vê hoje, 30 anos depois, ou seja, muita água rolou sob a égide da Constituinte, como o senhor vê hoje como grandes acertos e como grandes erros da Constituição de 1988, se é possível fazer um balanço assim para a gente. O senhor foi governador, foi prefeito...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Os acertos básicos, eu diria, referem-se à questão das liberdades, da democracia, dos direitos individuais e coletivos. Acho que a Constituição tem muita coisa avançada nessa área, sem dúvida nenhuma. É o que ela tem de melhor. Se você me perguntasse e eu tivesse que te responder sinteticamente, diria isso.

ENTREVISTADORA – E as desvantagens, o que não deu certo?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Foi praticar irresponsabilidade fiscal, o caminho que abriu muita coisa. Algumas coisas foram corrigidas, mas, de todo modo, ficou essa marca.

ENTREVISTADORA – Mas a seguridade social não se inclui nessas coisas que a gente aponta como vantagens da...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Sim, sem dúvida.

ENTREVISTADORA – E onde é que está o erro? Onde é que a Constituição errou ao fazer esse sistema de seguridade social?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – É que ela não fez... O sistema foi feito... Ela criou princípios, mas o sistema foi feito por lei, depois: a Lei Geral da Previdência etc. Muita coisa que se atribui à Constituição, na verdade, é pós-Constituição. Claro, a Constituição deu cobertura, mas não foi ela que construiu o sistema.

ENTREVISTADORA – Nem quando definia gastos, nada? Nem assim ela meio que induzia a lei a isso? O senhor acha que não?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Gastos? Não entendi.

ENTREVISTADORA – É, quando havia gastos autorizados – havia não, há – pela própria Lei Máxima, isso não induz...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Por exemplo?

ENTREVISTADORA – Porque o senhor chama assim... O senhor diz que essa Constituição é prolixa, corporativista e gastadeira – em algum artigo o senhor falou isso.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – É corporativista, sem dúvida.

ENTREVISTADORA – E aí eu digo o seguinte: se ela ...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Fixa, por exemplo, anos de aposentadoria, entende? Não tem cabimento uma Constituição fazer isso, essa categoria se aposentar assim e assado.

ENTREVISTADORA – E quando ela define a possibilidade de gastos? Porque o senhor diz "ela é gastadeira", e eu fico imaginando que ela também define possibilidade de gastos. Aí, a lei que vem depois está ligada a ela, não?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Mas ela, nesse aspecto, é até cuidadosa. É que o gasto é feito por lei. Você cria um certo sistema, agora o gasto, o total... Não é que a Constituição não tenha peso, mas boa parte das coisas são as leis mesmas que são feitas, ou comportamento de governos etc.

ENTREVISTADORA – Mas o senhor aponta como grande defeito, então, ela ser prolixa e ser corporativista, é isso?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – E gastadora também.

ENTREVISTADORA – Gastadora. Por isso é que eu estou perguntando ao senhor. Queria que o senhor apontasse onde ela é gastadora. É importante isso para a história.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Mas eu acabei de dizer. Eu dei exemplos. Podemos pegar aqui a Constituição e ver, fazer um balanço.

ENTREVISTADORA – Não, não, desculpe, eu é que não entendi então.

ENTREVISTADORA – Senador, a Constituição, dizem, foi feita para um regime parlamentarista e, no final, acabou aprovando os cinco anos de governo para o presidencialismo. Ela foi consagrada, aprovada, com recursos como a medida provisória, que foi utilizada amplamente pelos governos que se sucederam desde então. Há muitas críticas a esses governos, pela maneira excessiva como esse recurso foi usado. Como é que o senhor vê essa situação?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – As MPs?

ENTREVISTADORA – Isso.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Antes existia o decreto-lei, que foi instituído pelo regime militar. Ou seja, o governo chegava e baixava um decreto, que era aprovado por decurso de prazo. Suponha que o Congresso resistisse, não votasse – podia até derrubar, mas era mais difícil – e segurasse. Aí, valeria por decurso de prazo – um prazo de que eu não me lembro, mas tinha lá alguns meses.

A medida provisória entrou no lugar do decreto-lei, mas medida provisória não fica aprovada se o Congresso não a vota. Essa é a diferença básica, não é a única, mas é a básica com relação ao decreto-lei.

Agora, que houve muito abuso de medida provisória houve, coisas que não são urgentes e relevantes. O critério é urgência e relevância, mas acabaram sendo usadas – havia exemplos – para coisas até triviais, e nunca se pôs uma disciplina firme nisso, nem o Congresso reagiu, porque, em última análise, o Congresso poderia devolver. O Presidente do Congresso recebe e diz "Isso aqui não é objeto de medida provisória". Agora, seria uma coisa forte do ponto de vista político, e nunca ninguém se dispôs a fazer.

Então, a MP está aí, com dados da vida, mas ela é mais moderada do que o decreto-lei, pelo motivo que eu apontei – não é aprovada por decurso de prazo, a negociação com o Congresso tende a ser maior.

ENTREVISTADORA – O senhor acha que, então, não é possível mexer nisso a esta altura?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Não, é possível fazer emenda, como não?

ENTREVISTADORA – Politicamente...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Já foram feitas emendas.

ENTREVISTADORA – ... mexer no instrumento, no recurso...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Hein?

ENTREVISTADORA – ... no recurso da medida provisória. Aliás, mexer mais, porque o Congresso já fez ajustes pequenos.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Eu acho que é perfeitamente cabível.

ENTREVISTADORA – Eu tenho mais uma pergunta para o senhor. Aliás, duas. Uma, porque o senhor fala que é culpa sua ter posto a posse, ter definido a posse para o dia 1º de...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – É, fui eu que...

ENTREVISTADORA – ... que cometeu isso...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – A posse em 1º de janeiro. Podia ter posto 2, porque é um transtorno.

Qual é... O que é que eu tinha na cabeça? Tudo que se aprontou quando houve a sucessão no Brasil, nos governos todos... Isso não é um fenômeno paulista, é um fenômeno dos Estados todos, e perturbador, porque você elegia – acho que era em outubro, novembro – e a posse era em março. Bom, você tem um período aí no meio e quem está governando governa e, muitas vezes – não são todos que fazem isso – alguns abusam. O Paulo Maluf tinha feito isso em São Paulo. Quer dizer, embora a sucessão não fosse... Quando entrou o Montoro, não era ele o Governador, era o Reynaldo de Barros... Não, era o Maluf.

ENTREVISTADORA (Fora do microfone.) – Era o Maluf.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Era o Maluf.

ENTREVISTADORA (Fora do microfone.) – Era o Maluf.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – E aí... É porque o Reynaldo de Barros foi também vice depois, ele foi Prefeito nomeado pelo Maluf. Mas, aí, você tem aquele período que vai entre a eleição e a posse, em que se fazem loucuras com o gasto, porque é para o outro pagar.

Então, qual foi a minha ideia? Estreitar os dias, a diferença, porque há coisas que você tem que fazer no ano. Então, você pondo no dia 1º... Se você puser no dia 15 de março, dá muito tempo para estripulias. No dia 1º não dá. Agora, eu não precisava ter posto dia 1º, podia ter posto dia 2.

ENTREVISTADORA – Podia ser dia 5, para dar tempo para as pessoas celebrarem.

Há outros votos dos quais o senhor se arrepende 30 anos depois e que o senhor não faria? O senhor se lembra de alguma coisa assim?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Não me lembro, mas deve haver.

ENTREVISTADORA – Deve haver.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Mas esse aí eu lembro porque todos os anos é a mesma coisa.

ENTREVISTADORA – Todo mundo xinga o senhor na posse! (Risos.)

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Quando eu vejo as pessoas reclamarem disso, eu fico quietinho. Eu não vou dizer que fui eu, mas, convenhamos...

ENTREVISTADORA – Quem vai trabalhar, inclusive, na cobertura da posse... Várias vezes já ocorreu de a gente sair da festa de réveillon...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Tem que passar o ano-novo aqui, não é?

ENTREVISTADORA – A posse também.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Sobretudo quando era posse, não é?