Entrevista com Senador José Serra - Bloco 2


ENTREVISTADORA – O que o senhor queria fazer, por exemplo, que não fez na Constituinte?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Eu queria um texto enxuto.

ENTREVISTADORA – Sim, mas, do ponto de vista programático, o que o senhor gostaria de fazer, além de gastar e ser corporativista?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Não, meu programa era que a Constituição não fosse um programa de governo; fossem regras do jogo, não o resultado da partida, como muitos queriam, inclusive aqueles que eram do PT, que eram pouca gente, mas que tinham influência na época e queriam transformar a Constituição num programa de governo; no limite, fixar até o valor do salário mínimo, devidamente indexado. Esse detalhismo e esse desejo eram muito fortes.

ENTREVISTADORA – Mas, politicamente, Senador, foi muito difícil...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Desculpe-me, temos que entender por que nasceu a Constituinte. A Constituinte foi uma bandeira levantada pelo Ulysses Guimarães na época da ditadura, do regime militar.  Acabou sendo o programa do MDB: a Constituinte e fazer uma nova Constituição, sobretudo porque a de 1946 tinha sido alterada, seja na época do golpe mesmo, seja em 1967 por uma Constituinte fake, ou seja, que não era para valer. Havia restrições a candidaturas para Deputados, havia perseguição; não havia uma democracia plena. A eleição à época... O Parlamento não era representativo. E mexeram e fizeram uma nova Constituição, partindo do zero. Então, o MDB, que encarnava a oposição legal, formal no Brasil, no Congresso, passou a ter como bandeira a Constituinte, e Ulysses à frente.

Eu já me preocupava com isso. Quando eu voltei ao Brasil, o regime não era mais uma ditadura, digamos, cerca de 1978, 1979, mas já se preparava para a Constituinte. Foi então que eu conheci Ulysses, tornei-me até seu assessor em muitas coisas, e era a ideia da Constituinte, com a qual nunca me entusiasmei: "Ah, vamos fazer uma nova Constituição.". Como parte da transição, foi eleito Tancredo, e Sarney assumiu, porque o Tancredo morreu, mas o Sarney manteve os compromissos com as forças de oposição –, a questão da Constituinte virou algo como "olhem aí, estamos obedecendo ao nosso programa". Ficou como a ideia da salvação nacional. Era isso que eu temia, porque não se faz salvação nacional com o Texto Constitucional. Constituição é a regra do jogo, não é resultado de partida.

Eu não sei se fica claro, mas a minha era uma posição mais heterodoxa.

ENTREVISTADORA – O senhor, inclusive, em conversa com Tancredo – o senhor coordenou o programa do Tancredo –, defendia que fosse só reformada ou a Constituição de 1946 ou a...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – A de 1967.

ENTREVISTADORA – ... de 1967. O que exatamente poderia ter sido reformado e que entrou na Constituição ou que não entrou?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Vou dar um exemplo, que era inevitável. Pela Constituição de 1967, um Deputado não podia propor emendas ao Orçamento. Você acha que isso iria permanecer num país redemocratizado, com Congresso? Agora, tinha que se fazer isso direito. A Constituição fez direito. Então, ia ter que mexer mesmo, era inevitável, mas se podia pegar meia dúzia de pontos e refazer... Eu acho que era o que o Tancredo queria. Mais ainda: como eu convivi com o Tancredo bastante, às vésperas da eleição dele, uma vez que ele tinha me convidado para coordenar o programa de governo dele – e eu coordenei - fizemos um programa de governo genérico, em linhas gerais –, eu sabia que ele não convocaria a Constituinte. Eu tenho certeza de que o Tancredo não convocaria, para não abrir, de repente, uma frente de luta, de preocupações vastas, em que o Executivo não entra, pois o que o Congresso aprovar em matéria constitucional é o que fica.

ENTREVISTADORA – O senhor acredita que, se houvesse um projeto como se pensou, breve, como até se pensou e se fez o projeto do Afonso Arinos, teria sido contido de alguma maneira esse ímpeto gastador, digamos, que estava implícito nessa Constituinte politicamente vinculada ao projeto PMDB de liberdades democráticas e tal?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Houve; de fato, houve uma comissão que o Sarney, convocou para preparar um texto. Mas não foi levada em conta. Na hora que se elegeu, o pessoal que estava eleito falou: "Não, nós somos os Constituintes." Foi apenas uma referência, não teve grande peso.

ENTREVISTADORA – O Ulysses não queria?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) –Você não conseguiria segurar o pessoal que se elege – e uma boa parte nova, não eram reeleitos – e com a ideia de fazer um novo Brasil. Não iriam pegar um texto já feito por uma comissão assessora. Devem ter aproveitado algumas coisas. Eu não sou capaz de dizer o que foi aproveitado no geral.

ENTREVISTADORA – Senador, o senhor apresentou 220 emendas, das quais 97 foram aprovadas, 33 foram...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Quantas foram aprovadas?

ENTREVISTADORA – Foram 97, mais 33 parcialmente aprovadas, o que dá um total de 130. Esses dados são da base da Câmara, dos registros das emendas aprovadas. Dá um calhamaço assim. Eu ousei pensar em ler, mas não consegui, Senador. Mas, nessas 220 emendas, o senhor acha que o senhor conseguiu viabilizar alguns dessa meia dúzia de pontos que o senhor acharia que na Constituição reformada seriam fundamentais? O senhor poderia citar...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Eu creio que sim, mas levo em conta o seguinte: eu não fiz emendas para minha comissão da qual eu era o Relator; porque eu é que punha como Relator. Claro, a comissão tem que aprovar, mas eu já faço a minha proposta. Eu acho que uma boa parte foi aprovada, mas eu não sou capaz de me lembrar de tudo.

ENTREVISTADORA – O senhor atuou em vários grupos, não é?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Eu estou lhe dando como exemplo o segundo turno.

ENTREVISTADORA – Tem mais coisa... O FAT, não é?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – O FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), em que aproveitei os recursos do PIS/Pasep. O PIS/Pasep foi criado, na época do Gen. Médici, para fazer caixa. E inventaram com o pretexto de que iria dar um décimo quarto salário, mas evidentemente o excedente era enorme entre o que era arrecadado e o que iria pagar o décimo quarto salário. Era restrito também a salários mínimos; havia um teto. E aí eu transformei o FAT... Digamos, os recursos do PIS/Pasep iriam para o FAT. Isso mistura o que eu pus na Constituição e uma lei que eu fiz em seguida. Para quê? Para financiar o seguro-desemprego, que é um benefício que estava previsto na Constituição de 1946, mas que nunca aconteceu, porque não tinha dinheiro. Então, não tinha no Brasil o seguro-desemprego. E passou a ter, com o financiamento. Isso não era propriamente, era em parte, da minha comissão; mas envolvia várias outras. Aliás, muitas coisas envolviam várias comissões, eu fazia um trabalho também junto aos outros.

E o Cabral, que era o Relator, tinha um grupo de Constituintes que o assessorava. Eu até, na entrevista do livro, cito os nomes todos. Entre eles, estava até o Nelson Jobim, que era um homem muito preparado.

Eles se reuniam tarde da noite, que é o meu ponto forte. Eu fico mais lúcido quanto mais tarde for, minha lucidez maior é às vinte para as duas da manhã, segundo os astrólogos.  (Risos.)

Eu ia a essas reuniões também, sem fazer parte formal. Eu ia, discutia e pressionava. Então, foram muitas coisas diversificadas, seja em matéria eleitoral, política e tudo. É difícil, para mim, recapitular exatamente.

ENTREVISTADORA – A gente pode contar algumas coisas para o senhor. Por exemplo, o senhor participava também do grupo do Richa, que era outro grupo diferente do grupo do Bernardo Cabral.

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Era um grupo de gente com critérios... Não que os outros fossem insensatos, mas com gente politicamente mais sensata. Era plural do ponto de vista político, não discriminava partidos e se reunia para discutir os tópicos.

ENTREVISTADORA – Sandra Cavalcanti...

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – sim, por exemplo a Sandra. Eu passei a participar, inclusive vendia o peixe das minhas emendas nesse grupo para transformá-las em emendas do grupo ou, pelo menos, com o apoio deles.

ENTREVISTADORA – Um colega seu falou que o senhor... Eu falei: nossa, ele apresentou 220 emendas. Eu nem me lembrava disso e tal. Nós trabalhamos como jornalista na Constituinte. Ele falou: "Ah, 220 que saíram no nome dele, porque ele trabalhou muito, ele botou emenda de grupo, ele botou emenda..."

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Quem falou isso?

ENTREVISTADORA – Um colega seu da Constituinte. Agora o senhor está dizendo isso. O senhor se lembra de alguma em que o senhor tenha feito essa gambiarra para chegar lá – gambiarra é maneira incorreta de dizer –, que o senhor tenha viabilizado por outra via que não o senhor próprio?

SENADOR JOSÉ SERRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) – Ah, foi muita coisa. É difícil, para mim, lembrar e também não fica bem.  (Risos.)