Entrevista com Senador Edison Lobão - Bloco 3


ENTREVISTADORA – Eu quero perguntar duas coisas.Quero voltar para a Comissão da Reforma Agrária, que foi importante. O senhor reputa como a coisa mais difícil, a tarefa mais difícil da sua vida política presidir a Comissão da Reforma Agrária ou das mais difíceis? Eu queria que o senhor mensurasse isso.

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Eu diria que foi a mais difícil da minha vida, porque nós tivemos ali a oposição inteira, na Câmara e no Senado, aos gritos. E, com as galerias, entram em choque também entre si... Era presidente da UDR o Senador Caiado, que era um jovem, ruralista, fazendeiro, muito ativo, inteligente, talentoso, mas que também radicalizava o processo. Ele trouxe para Brasília cerca de 30 mil ruralistas. Era um exército que foi estacionado na Torre de Televisão, nas cercanias da Torre de Televisão, que estava pronto para fazer o que fosse necessário fazer, desde que os interesses da classe fossem preservados ou não fossem preservados.

Pois bem, uma comissão desse grupo se manteve nas galerias enfrentando o outro grupo. E eu temia que a qualquer momento houvesse um entrechoque físico entre eles que pudesse resultar numa tragédia. Assim como ocorria também no plenário da comissão, no dia da votação final, em vez de 23 Constituintes, havia lá duzentos e tantos Deputados e Senadores varando a noite inteira, aos berros, exigindo do Presidente decisões que lhes interessavam.

Era Líder da Maioria, nesse período, o Deputado José Lourenço, e o Líder da oposição, da Minoria, o Senador Mário Covas. Esses se enfrentavam dentro do plenário, e eu tinha que apaziguar a contenda deles a cada minuto. E o José Lourenço chegou a me propor a substituição do Relator por ele – José Lourenço –, ele faria um relatório misto do que a Minoria queria com o que a Maioria desejava. Mas eu disse a ele que não faria uma coisa dessa natureza, primeiro, porque não era correto e, segundo, porque isso resultaria num incêndio na Comissão. As paixões chegariam a tal ponto que nós não resistiríamos, nem eu, nem ele, nem nós todos. Posso responder a você que esse foi momento mais dramático da minha vida pública.

Outro momento dramático foi na minha eleição para Governador do Estado. Em um comício, na cidade de Imperatriz, um pistoleiro famoso que havia lá ameaçou dissolver o meu comício a bala, e tivemos que realizar o comício assim mesmo. Em dado momento, começou a haver tiros e eu, num momento de desespero, abri o paletó e desafiei: "Atirem em mim!"

São ações que você faz em momentos de loucura.

ENTREVISTADORA – Que idade o senhor tinha nessa época? Quantos anos?

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Nessa época, eu devia ter quarenta e poucos anos. Foi um momento de loucura que você pratica. Hoje eu não faria mais isso.

ENTREVISTADORA – Já que a gente está falando dessas coisas difíceis, eu queria lembrar a proposição de se dividir o Maranhão em dois. O senhor falou de Imperatriz – era uma proposição do Deputado Davi Alves Silva –, cuja capital seria Imperatriz, que é um dos seus redutos eleitorais. Já era naquela questão.

Como é que o senhor navegou ali, nessa situação?

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Eu naveguei a favor dessa emenda constitucional do Deputado Davi Alves Silva, que foi Prefeito da cidade de Imperatriz e depois foi Deputado Federal e tal. E lutamos muito por isso. Foi uma luta muito grande. Porém, não conseguimos, em virtude de uma coisa: é que se verificou depois que havia oitenta emendas, dividindo até São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, e que, se se fizesse a divisão de um Estado, nós teríamos dificuldade para conter a divisão dos demais Estados.

Houve uma ideia, na época do Presidente Collor, de se fazer um remanejamento no mapa geográfico do Brasil. E ele colocou especialistas para fazerem esse trabalho de profundidade, que foi feito e depois se perdeu. Ele não tratava apenas da divisão de Estado, como se fez em Mato Grosso, como se fez em Goiás, o qual gerou o Estado do Tocantins e ficou Goiás do outro lado; e Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Não. Ele retirava porções de Estados para compor um Estado novo, segundo uma percepção geográfica do Brasil. Parecia ser uma ideia muito interessante, porque ao tempo em que temos Estados minúsculos, como o Espírito Santo e até o Rio Grande do Norte, nós temos Estados gigantes, como o Pará, que jamais foi dividido, e o Amazonas, que é um gigante, é um território do tamanho de um país grande.

Então, esse fato precisa ser visto, mas visto sob a ótica de um planejamento, sob a ótica de uma concepção nova, moderna. O Brasil tem 24 Estados. Fala-se muito que os Estados Unidos têm quarenta e tantos Estados. É verdade, mas, se nós olharmos o mapa dos Estados Unidos, verifica-se que a divisão é muito bem feita, que existe uma lógica atrás dela. É o que nós precisávamos fazer aqui no Brasil também.

ENTREVISTADORA – O senhor continua defendendo a divisão?

SENADOR EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Há uma reivindicação muito intensa no sul do Estado nesse sentido. O que se pretendia na época era simplesmente passar uma régua no meio do Estado, ficando uma banda para um lado e uma banda para o outro. Isso eu acho que é pouco produtivo. É bom que se faça isso dentro de um planejamento.

ENTREVISTADORA – Senador, a discussão sobre a função social da terra, que foi muito usada, também tomou conta da Constituinte já na votação do relatório final, lá no plenário, enfim, que envolvia também a questão da reforma agrária. Aí, Senador, com a sua experiência lá da Comissão, o senhor chegou a participar dessa votação? Porque no Plenário também foi uma briga grande. O senhor chegou a participar e ajudar, ajudar a negociar? Do que o senhor se lembra? Porque se falou de "aviõezinhos na madrugada" e gente indo e voltando. O que o senhor sabe dessa história dessa votação da questão da reforma agrária em Plenário, do texto final?

EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Houve também uma quase comoção no Plenário da Constituinte. Aquilo que tinha havido em tamanho, eu diria, menor na Comissão da Reforma Agrária, embora de maneira mais concentrada, houve também no grande Plenário da Constituinte.

O que mais se discutia era realmente a função social da terra, o que pode parecer uma falácia. É bom que cada qual brasileiro tenha a possibilidade de ter um pedaço de terra. Porém, o que se tem visto com a reforma produzida pelo Incra é que muitas vezes as pessoas – não sempre, mas muitas vezes – abandonam as terras que ganharam ou vendem-nas por qualquer razão, se mudam da região, etc.

Quando eu fui governador, eu resolvi fazer, ao meu modo, um tipo de reforma agrária no Estado. E eu distribuí 25 mil títulos de terras, mais do que o Incra o fez, durante o meu governo. Mas, de um modo geral, eu tomava um grande bloco de terras e concentrava ali famílias. Era uma reforma coletiva. Se alguém quisesse abandonar o seu direito àquela porção de terra, fosse embora, ficaria íntegra ainda com os demais ou com os seus descendentes. O fato é que ninguém podia vender nem abandonar e ficar por isso. E a coisa felizmente deu certo. De outro modo, receio que não dê certo.

Agora, sobre essa questão, promoveu-se muita invasão de terra no passado. Quando eu assumi o governo do Estado do Maranhão, por exemplo, havia 144 fazendas invadidas. Eu tive uma luta muito grande negociando com invasores, com fazendeiros, no sentido de que fazendeiros abrissem mão de uma porção de sua terra, de uma parcela, para que se distribuísse para alguns brasileiros necessitados que estavam ali acampados. Tivemos êxito e acabamos com as invasões.

Porém, até durante a Constituinte, houve quem defendesse uma antítese dessa posição de reforma agrária com atendimento social, no sentido social da terra, usando uma encíclica do Papa Leão XIII, que era a chamada Rerum Novarum, em que o Papa diz mais ou menos o seguinte: devem-se condoer as pessoas, os mais ricos devem ficar condoídos com a situação dos mais pobres. E no que diz respeito à terra, seria mais ou menos isso: no que diz respeito à terra, ceder um pouco dos que têm muito aos que têm pouco. Porém, invasão da propriedade alheia, diz a encíclica, não, em nenhuma circunstância. Isso é do Papa. E muitas vezes usam, nos argumentos, a Igreja Católica para dizerem que a Igreja deseja, a todo custo, tomar a terra para dar a quem não tem.

ENTREVISTADORA – Sobre essa negociação, o dia da votação parece que foi bastante tenso. O senhor estava junto, fazendo a negociação?

EDISON LOBÃO (MDB - MA) – Eu estava junto, negociava, falava com líderes, procurava acalmar as posições, ajudava a redigir possibilidade de alteração daquilo que fora feito pela própria Comissão, chegando a um meio termo. Mas tudo isso estávamos vivendo num clima de absoluta paixão.

E em tal clima não se produz nada de perfeito. E confesso que não se conseguiu fazer uma coisa que fosse considerada muito boa. Não foi. O que se fez foi o que se pôde fazer.