Entrevista com Senador Cássio Cunha Lima - Bloco 2


ENTREVISTADORA – Senador, o senhor chegou muito jovem, mas logo foi escolhido Vice-Líder do PMDB. O senhor mencionou essas vitórias e essas importantes alterações que o senhor conseguiu introduzir na Constituição. O senhor poderia mencionar outras negociações de que o senhor participou como representante do PMDB de que o senhor se recorde, já representando o interesse mais global do Partido?

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Olha, eu acho que há alguns momentos importantes. Primeiro, quero fazer um registro importante de gratidão eterna a Mario Covas, que, com muita generosidade e extrema confiança, me conferiu um espaço de Vice-Líder, apesar da pouca idade.

Aí é uma história longa, não sei se vale a pena contar, mas, primeiro, nós tínhamos a eleição para liderança na Câmara dos Deputados – só para quem estiver acompanhando o depoimento. O Congresso Nacional funcionava em paralelo à Assembleia Nacional Constituinte. Os Congressistas também eram Constituintes, mas Câmara e Senado também possuíam sua pauta própria, assim como o próprio Congresso Nacional.

Pois bem. Na disputa pela liderança da Câmara dos Deputados, nós tínhamos a candidatura de Luiz Henrique, Milton Reis e João Herrmann. Por uma série de razões, eu fiz a opção – e fiz com muita antecedência – pela candidatura de João Herrmann. A Bancada do PMDB da Paraíba – nós éramos sete Deputados, era uma Bancada muito expressiva, em 12 – havia feito a opção em votar em Luiz Henrique e disse: "Olha, você vai ter de acompanhar a Bancada." Eu disse: não posso acompanhar a Bancada, porque eu tenho um compromisso já firmado com João Herrmann. O resultado disso é que a Bancada me viu como um dissidente; votei em João Herrmann; João Herrmann não foi para o segundo turno, para o segundo turno, Luiz Henrique e Milton Reis – eu acho que é Milton Reis, de Minas Gerais, eu acredito que memória não esteja me traindo –, e o fato é que ganhou Luiz Henrique, e João Herrmann havia feito um acordo para indicar um vice-líder e fez a indicação do meu nome. Em torno do apoio que ele deu a Luiz Henrique, indicou meu nome, só que a minha Bancada me vetou. Disseram: "Cássio não votou; está vetado, não pode". Só que era um espaço a mais que nós íamos ocupar porque era dentro de um entendimento do João Herrmann com o Luiz Henrique.

Pois bem. Passado esse episódio, veio a eleição para a Liderança na Constituinte. Novamente Luiz Henrique, candidato a Líder, Deputado por Santa Catarina, contra Mário Covas. E o conceito geral era de que jamais um Senador venceria um Deputado por uma questão numérica: os Deputados são em maior número; consequentemente, um Deputado venceria a disputa contra um Senador. Então me comprometi com Covas. E novamente a Bancada fechou com Luiz Henrique. Eu disse: não vou votar em Luiz Henrique porque tenho um compromisso fechado com Covas. Aí, novamente a Bancada me viu como um dissidente. Votei em Mário Covas, Mário Covas foi eleito Líder, e, quando Líder, ele me fez sua escolha, em reparação até ao episódio anterior da Vice-Liderança na Constituinte, e escolheu também o Deputado Antônio Mariz com indicação da Bancada. Então, a Paraíba terminou ganhando um espaço importante porque passou a ter dois Vice-Líderes: Antônio Mariz, por indicação da Bancada, e o meu nome, por escolha pessoal do Covas.

A partir dali, houve uma reunião muito interessante. O Covas reuniu o Colégio de Vice-Líderes e, de forma resumida, disse: "Eu tenho dois tipos de Vice-Líderes: aqueles que foram indicados pela Bancada e aqueles que foram indicados por mim, escolha minha. E com estes eu vou trabalhar mais ativamente, por uma série de razões etc.".

Então, eu terminei atuando como Líder numa Comissão que foi a mais polêmica da Constituinte, que foi a que tratava da ciência e tecnologia, da educação, da família e do idoso. Eu comecei na Subcomissão da Família, do Menor e do Idoso. O Covas, inclusive, brincava: "Ó, eu vou lhe colocar nessa Subcomissão para você agir em causa própria" – por conta da pouca idade. Era uma brincadeira que ele fazia, porque a Subcomissão tratava da família, do menor e do idoso. Então, essa Subcomissão, depois, se reunia na comissão geral que tratava do capítulo da educação, comunicação, ciência e tecnologia. E foi um relatório que não fechou; foi um relatório que não fechou. Foi o único relatório das Subcomissões que não foi aprovado porque eles cometeram um erro regimental: primeiro, pegaram o texto do Relator, que era o Senador pelo Rio de Janeiro, Artur da Távola, o Paulo Alberto, grande brasileiro que fez um texto muito progressista, e o núcleo conservador do chamado Centrão... A Constituinte, na verdade, se dividia em dois grandes grupos políticos: era o Centrão o núcleo mais conservador, mais à direita; e o MUP, que era o Movimento de Unidade Progressista, que reuniu os partidos de esquerda e mais os da centro-esquerda brasileira, da parte da esquerda do PMDB etc. Pois bem. O relatório não foi aprovado, rejeitaram o texto do Artur da Távola, e ficamos sem o texto para emendar. Então, havia uma discussão regimental em relação a isso porque não havia, como existe hoje, a figura do substitutivo. Eu estou sendo muito técnico, e talvez não interesse, mas: você apresenta um relatório; se você quer derrotar aquele relatório, você apresenta um substitutivo, ou seja, uma substituição àquele relatório; e, a partir daí, faz as votações das emendas. Pois bem, naquela época eles não apresentaram um substitutivo, derrotaram o relatório de Artur da Távola, e queriam montar o texto votando emenda por emenda. Aí eu dizia: mas não há o que emendar? Não há o que emendar porque não há o texto principal. Então, fizemos um debate enorme. Houve uma cena que ficou muito conhecida, porque nos reuníamos num auditório lá da Câmara – e isso foi notícia de jornal –, e jogaram cédulas de dinheiro nos Constituintes porque havia a parte da comunicação. Resultado disso tudo: foi a única comissão que teve que se reunir no plenário da Câmara porque não havia mais segurança para os Deputados e Senadores trabalharem. Nós tivemos que ir para o plenário da Câmara, sem presença de pessoas nas galerias, porque o clima ficou realmente muito acirrado, pois envolvia temas delicados.

E aí, nesse período todo, eu atuei como Líder, e a orientação nossa era obstruir a votação, porque eles queriam fazer aquilo que considerávamos, naquela altura, uma violência, uma agressão inclusive regimental: aprovar um texto votando emenda por emenda sem que houvesse um texto-base.

Houve um episódio curioso – porque toda aquela luta era para obstruir –: à meia-noite de determinado dia encerrava o prazo, e aí teria que ir para a Comissão de Sistematização, que era o que nós queríamos, para começar tudo de novo. Marcondes Gadelha, à época Senador da Paraíba, meu conterrâneo portanto, sempre muito educado, sempre muito gentil, sempre que eu pedia a palavra ele me concedia, percebendo que nós estávamos naquele movimento de obstrução – Cristina Tavares numa luta, comigo, com Miro Teixeira, tínhamos esse bloco com o Artur da Távola e vários outros; estou citando apenas alguns nomes que me estão vindo agora neste momento à cabeça –, faltando dois, três minutos para chegar a meia-noite, já não havia mais o que fazer, Marcondes Gadelha iria colocar em votação, e eu peço pela última vez a palavra. Marcondes: "Deputado Cássio, conheço sua família na Paraíba, respeito seu pai, sua tradição, o senhor está obstruindo a votação". Eu digo: mas é a última vez que vou falar. Aí, fiz uma brincadeira, foi o que me aconteceu na hora com o intuito de obstruir, é um movimento legítimo do Parlamento: Senador Marcondes Gadelha, o senhor vem de Sousa, e Sousa é uma cidade do Sertão da Paraíba onde o agricultor tem a sua calça rasgada pelo trabalho; porque não tem condições financeiras de comprar uma calça nova, ele emenda a calça, ele faz um remendo na calça – isso era uma coisa que havia muito no interior da Paraíba, no Sertão do Nordeste, em Minas Gerais, aquela calça que Chico Bento tem, não é? Ainda hoje aquele personagem tem aquela calça emendada. Aí eu disse: mas esta é uma Comissão sem calça porque não há o que emendar, não há texto para emendar. E aí, nessa brincadeira, Marcondes tocando a campainha... "Vamos votar!" O fato é que deu meia-noite e encerrou-se o prazo, e o nosso objetivo foi atingido.

E conseguimos um texto razoável no que diz respeito aos temas de comunicação, de educação e também de ciência e tecnologia. Na época, por exemplo, é inacreditável revelar isto, mas um dos grandes debates que se fazia na Constituinte era reserva de mercado. Ou seja, você não poderia ter, como temos hoje os aplicativos de celular, os softwares de computadores, porque o segmento mais à esquerda queria que o Brasil se transformasse numa ilha isolada do mundo inteiro. Essa câmera que está nos filmando agora, que seguramente tem programas de outros países, não poderia entrar no Brasil, porque se defendia a reserva de mercado. Naturalmente isso não prosperou, isso não foi aprovado, enfim, tínhamos concessão de televisão, tínhamos princípio de educação.

No campo da educação, a grande discussão era se era possível o ensino privado. O grande embate era porque havia um segmento que não queria permitir a existência de ensino privado.

ENTREVISTADORA – A questão do capital estrangeiro nas comunicações...

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – O capital estrangeiro nas comunicações.

Então, foi realmente uma subcomissão em que houve muita polêmica – em cada um dos capítulos havia um tema polêmico.

E o resultado foi este: fomos terminar o nosso trabalho do Plenário, porque não havia nem segurança; o ambiente era realmente muito tenso. Esse foi, acho, um episódio único. Foi a única comissão que não fechou o seu texto.

ENTREVISTADORA – O senhor teve sorte, porque, em algumas comissões, há depoimentos de que o relógio tinha sido atrasado manualmente, não é? Há vários depoimentos.

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Não duvido. Não duvido. Mas, como no plenário, salvo engano, àquela altura, não vou lembrar, eu acho que o relógio não era digital, como ele fica pendurado lá em cima, junto da galeria, não dá para ir lá mexer no ponteiro do relógio. Em um relógio que está na parede, na altura do braço, você vai lá e mexe, mas, no do plenário, não dá para mexer. Chegou meia-noite, e a sessão, de fato, encerrou. Foi o que aconteceu.

ENTREVISTADORA – Eu só queria fazer uma ressalva.

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Pois não.

ENTREVISTADORA – Na verdade, essa questão da reserva de mercado era uma herança da ditadura, porque a gente tinha reserva de mercado até então na área de informática. Lembra?

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Exato!

ENTREVISTADORA – A Constituinte é que derrubou isso.

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Foi a que deu o pulo. Mas, por exemplo, a Cristina Tavares, que era uma Deputada de Pernambuco e naturalmente ligada à esquerda, defendia a reserva de mercado. Ela defendia que o Brasil se fechasse sob o argumento, no qual eu nunca acreditei, de que, fechando nosso mercado, nós teríamos de forçar o desenvolvimento tecnológico. O que isso iria representar, na prática, era um enorme atraso para o Brasil. O Brasil ficaria fora dessas transformações desse mundo globalizado em que estamos vivendo hoje. Isso não prosperou, e terminou saindo um texto que, ao meu ver, foi razoável.