Entrevista com Senador Cássio Cunha Lima - Bloco 1


ENTREVISTADORA – Em 27 de março de 2018, registramos o depoimento do Senador Cássio Cunha Lima sobre a sua participação na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, como parte do Projeto de História Oral Comemorativo dos 30 anos da Constituição.

Participam da gravação os servidores Virgínia Malheiros, Tânia Fusco e Ricardo Movits.

Podemos conversar.

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Vamos lá.

ENTREVISTADORA – Com 24 anos, o senhor era o mais jovem Constituinte. Como foi a sua trajetória na política até chegar aqui, eu estou me lembrando, do Centro Acadêmico Sobral Pinto até o seu primeiro mandato?

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Como muitos, comecei no movimento estudantil, ainda no movimento secundarista.

Meu pai tinha sido cassado pela ditadura militar, em 1968. Aí, nós nos mudamos de forma forçada para São Paulo, depois para o Rio de Janeiro, onde eu comecei a militância estudantil, ainda no grêmio do Colégio São Vicente de Paulo, onde eu estudava, com a eleição de representante de turma. Em algumas escolas chamam de presidente de turma, mas no São Vicente chamavam de representante de turma. E, depois, no próprio grêmio do colégio. E, aí, com um engajamento mais forte na campanha pela anistia.

O Brasil se mobilizou na campanha da anistia, e eu liderava o movimento secundarista das escolas privadas no Rio de Janeiro, na campanha pela anistia, com manifestações que foram crescendo, sobretudo na Cinelândia.

Havia todo um aparato de organização para fugir da repressão que na época existia, da ditadura militar, e o grande terror era o Brucutu. O Brucutu era um blindado que jogava água com areia e anilina, que marcava quem estava pela manifestação. Eles cercavam ali a Cinelândia, e quem estivesse manchado com a tinta corria um risco muito grande de ser preso.

A partir daí, depois do estudo secundarista, eu me envolvi no movimento estudantil, já na universidade, começando pela Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa, onde iniciei meu curso de Direito e fui eleito também para uma das diretorias, no caso, a Diretoria de Esporte do Centro Acadêmico.

Depois, eu me transferi da Universidade Federal para onde eu tinha prestado vestibular, em João Pessoa, para a universidade estadual chamada URNe, em Campina Grande. Eu preferia morar em Campina naquele instante – enfim, tinha razões pessoais para ir para lá –, e, na sequência, disputei o Centro Acadêmico Sobral Pinto e fui eleito presidente do Centro Acadêmico. E foi na condição de presidente do Centro Acadêmico que eu disputei o mandato de Deputado Federal constituinte, em 1986.

Então, eu já tinha uma militância muito forte, sobretudo na resistência à ditadura militar, na luta pela redemocratização do Brasil.

Era muito jovem, era um adolescente, como milhares de jovens brasileiros que estavam, naquela altura, indo para as ruas, para lutar pela democracia que, finalmente, nós conquistamos.

ENTREVISTADORA – Então, de qualquer maneira, foi o seu primeiro trabalho parlamentar.

Qual a primeira lição aprendida no convívio com os seus pares, na Constituinte?

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Eu acho que é uma lição permanente. Aqui você precisa saber ouvir e honrar o que fala. Sobretudo num ambiente parlamentar, você ter a oportunidade de ouvir os argumentos, no debate, é sempre muito importante. E é também fundamental a capacidade de cumprir os acordos. Muito do que é acordado aqui é na palavra, é "no fio do bigode". Então, quando você rompe esse princípio da existência ética de qualquer Parlamento, isso é muito grave. Então, a grande lição que fica sempre, desde o primeiro momento, é saber ouvir e também honrar os acordos. E de preferência ouvir sentado.

Eu me lembro de uma história muito interessante com o Dr. Ulysses. Ao longo do depoimento, eu vou lembrar o Dr. Ulysses várias vezes, porque, no ímpeto da minha juventude, eu, um tanto quanto exaltado, numa das reuniões que fazíamos sobre um determinado tema da Constituição – não lembro exatamente qual –, na empolgação, me levantei. Estava todo mundo sentado no ambiente da reunião, eu fiquei de pé, e o Dr. Ulysses: "Sente-se, porque, ao ficar de pé, você já perde a razão". Então, uma das muitas lições, das muitas que recebi do Dr. Ulysses, foi esta: você não pode, num ambiente em que está todo mundo sentado, querer argumentar de pé, porque ali você dá um sinal de que está começando a perder a sua razão.

ENTREVISTADORA – Voltando um pouco, antes da sua chegada: o senhor foi candidato pelo PMDB, vinha de uma experiência de luta contra a ditadura, no movimento estudantil, e quais foram suas bandeiras durante a campanha eleitoral para vir à Constituinte? O que é que o senhor defendeu de forma mais forte?

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Era curioso o seguinte: tinha um certo – um certo não, um grande – preconceito em relação à minha pouca idade. Havia um colega de Partido que foi Constituinte comigo, inclusive um grande constitucionalista, que merece registro, até porque vários trechos da Constituição, a começar pelo preâmbulo, foi de sua autoria, o Deputado Aluízio Campos, advogado experiente, jurista conceituado, constitucionalista respeitado, e que me via candidato com pouca idade, que fez lá, em Campina Grande, umas faixas nas quais dizia: "Constituinte é coisa séria". Isso era uma crítica indireta à minha participação como candidato. Aí o meu pai, que era muito criativo, respondeu com a seguinte frase: "Constituinte é coisa nova".

Então, a pouca idade era o embate que eu enfrentava. As pessoas, quando queriam me combater, combatiam exatamente minha pouca idade. E eu costumava dizer, inclusive não só nessa eleição de Deputado como na eleição subsequente, para prefeito, em Campina Grande, quando eu tinha 25 anos apenas, que aqueles que achavam que o meu defeito era ser jovem ficassem tranquilos, porque era um defeito que eu corrigia a cada dia. Ainda hoje eu o estou corrigindo, como todos nós corrigimos, se é que é um defeito.

Então, eu tinha uma pauta muito voltada para a juventude, de fato, para a voz dos jovens, para a participação dos jovens na política, e, por uma série de razões, não sei exatamente quais, além dessa defesa dos jovens, eu terminei, na prática, defendendo os mais velhos também, os idosos. Tanto é que, no texto da Constituição, há algumas partes importantes em proteção, na defesa dos idosos. Mas a campanha era exatamente em torno da juventude, da militância do movimento estudantil, da resistência à ditadura, da luta pela democratização no Brasil. Era um pouco essa a trajetória de muitos jovens que, como eu, foram vítimas do arbítrio, do regime de exceção que nós tínhamos. A pauta era em torno desses temas vinculados aos jovens.

ENTREVISTADORA – O senhor apresentou 188 emendas, que era um número razoável, das quais 22 foram aprovadas integralmente e 19 parcialmente. Como o senhor acabou de citar a questão de ter defendido os mais velhos, eu queria que o senhor, por favor, apontasse quais emendas lhe trazem uma lembrança mais forte, que o senhor reputa de maior importância, como a da gratuidade para o transporte de idosos, por exemplo.

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Todas aquelas que impactaram de forma direta na vida das pessoas, ou seja, no momento em que o trabalho da Constituinte começou a derivar para um nível de detalhamento – quanto a isso havia uma discussão muito grande, era uma discussão doutrinária, uma discussão técnica sobre o grau de detalhamento que a Constituição passou a ter, tanto é que os constitucionalistas, hoje, classificam a nossa Constituição como uma Constituição analítica, uma Constituição detalhada, que foi para o detalhe que poderia ser tratado em legislação infraconstitucional –, quando se abriu essa janela, eu comecei a pensar em algumas coisas que poderiam impactar de forma direta na vida das pessoas. E aí consegui – e tenho muito orgulho disso – aprovar alguns dispositivos, que ainda hoje estão na Constituição, que transformaram a vida das pessoas.

O primeiro deles é o transporte coletivo gratuito para os idosos. Hoje é uma realidade no Brasil inteiro. Depois que colocamos o direito na Constituição, Estados e Municípios passaram a regulamentar a Constituição, e, hoje, no País inteiro, os idosos conseguem ter o seu transporte coletivo gratuito.

Mas, além dessa, uma outra medida que impactou, e impactou de forma muito positiva a vida de milhões de brasileiros, diz respeito ao pagamento do salário mínimo, sobretudo aos trabalhadores rurais, porque, até antes da Constituição de 88, o trabalhador rural aposentado, no antigo Funrural, só recebia meio salário mínimo de aposentadoria, e eu fui o autor do dispositivo da Constituição que garantiu, na Constituição, o direito ao pagamento de, pelo menos, um salário mínimo como aposentadoria. A partir daí, a vida de milhões de brasileiros, sobretudo no Norte e no Nordeste, populações mais pobres, foi transformada para melhor, de forma fantástica. Não há nenhum outro sistema, não há outra medida que se compare, em termos de distribuição de renda, de inclusão social, de justiça social, a essa medida. Isso mudou, e mudou para melhor, o perfil socioeconômico do Semiárido do Nordeste e das regiões mais pobres, do próprio Norte e do Centro-Oeste, com essa aposentadoria.

Então, eu tenho muito orgulho, o mais profundo orgulho, de ter sido o autor desses dois dispositivos; apesar de mais jovem Constituinte, legislando para os mais idosos, para os mais velhos, duas medidas que atingiram as pessoas que tinham um pouco mais de idade.

Mas também fui coautor, junto com outros Parlamentares, do dispositivo do voto aos 16 anos, por exemplo.

ENTREVISTADORA – O senhor pode contar essa história, porque, em alguns lugares, inclusive, atribuem ao senhor essa emenda.

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Não, a emenda, a rigor, se não me falha a memória, era defendida pelo Deputado Hermes Zaneti.

ENTREVISTADORA – Ele é o primeiro subscritor.

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Isso, ele é o primeiro subscritor. Então, por justiça histórica, é preciso fazer referência ao Deputado Hermes Zaneti, que era o primeiro subscritor. Eu fui, junto com outros Parlamentares, Deputados e Deputadas, Senadores e Senadoras, mais um subscritor e, pela minha pouca idade, ajudava, naturalmente, na argumentação que era feita no plenário para convencer os demais Constituintes a aprovar a medida, que foi aprovada. Hoje todos nós sabemos que é uma realidade o voto para o jovem de 16 anos.

Então, eu acho que, para fazer algo muito resumido, essas três medidas que ainda hoje compõem a realidade socioeconômica, política do Brasil foram iniciativas que merecem destaque e das quais eu tenho muito orgulho.

ENTREVISTADORA – Seu filho, aos 16 anos, quando ele votou, por acaso votou em alguma eleição em que o senhor ou seu pai concorriam?

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Eu tenho de fazer essa conta agora.  (Risos.)

Mas, provavelmente, sim, porque agora eu estou com um quarto filho, porque nasceu Vinícius, mas Vinícius está com quatro meses apenas. Mas, do meu primeiro casamento, Diogo, que está com 34 anos praticamente; a Marcela, que fará, em breve, 32; e o Pedro, que fará, em breve, 30. Muito provavelmente votaram...

Esta foto é bem interessante, não sei se posso mostrar. Aqui, Diogo, que é o mais velho, no plenário da Câmara, no plenário da Constituinte, num daqueles dias... Sílvia, a mãe dele, minha primeira esposa, naqueles dias de sufoco, em casa, disse: "Me ajude, porque eu não estou aguentando mais..." Porque, a essa altura, já havia o Diogo, a Marcela, e o Pedro estava com um ano de idade. Isso aqui deve ter sido pelos idos de 1987... Não, então, não. Se foi em 1987, Pedro não havia nascido ainda. Pedro é de 1988. Então, era Marcela e Diogo. E aí chega aquele momento em que é preciso ajudar, e a forma de ajudar era levar para o trabalho, como algumas pessoas já fizeram. Aí o levei para o plenário, e foi feita essa foto, gerou notícia...

ENTREVISTADORA – Em 1987?

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Em 1987. Até então...

ENTREVISTADORA – Março de 1987.

ENTREVISTADORA – Ele tinha quantos anos?

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Em 1987, Diogo é de julho de 1984, então, para 1987, três anos.

ENTREVISTADORA – Três anos.

SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Três aninhos apenas, não é?