Entrevista com Ministro Nelson Jobim - Bloco 5


ENTREVISTADORA – O senhor afirmou, em mais de uma entrevista, vimos na nossa pesquisa, que o senhor acha que deveria haver uma lipoaspiração na Constituição. O senhor defende, então, uma reforma constitucional que realmente diminua essa Constituição?

MINISTRO NELSON JOBIM– Veja, ocorre o seguinte: por que a Constituição é longa? Porque era mais fácil você aprovar um texto constitucional do que aprovar uma lei. A lei, em 1987, tinha de passar primeiro pela Câmara e ser aprovada; depois pelo Senado e ser aprovada. Se o Senado modificasse o texto da Câmara, tinha de voltar para a Câmara para a Câmara votar o texto do Senado. Depois disso, o texto ia para o Poder Executivo. Daí o texto poderia ser vetado. Depois, voltava o veto para o Congresso para o Congresso rejeitar o veto – e a maioria era de dois terços.

Então, era muito mais difícil você aprovar uma lei ordinária do que você aprovar um texto da Constituição, que precisava de maioria absoluta em dois turnos de votação. Então, a tendência...

De outra parte, você também tinha grande desconfiança, porque aquele Plenário, aquela política, naquele momento, aquele Executivo, por causa do governo militar, da lembrança do governo militar; toda aquela geração que estava lá tinha convivido com o governo militar.

Então, vamos botar tudo para dentro da Constituição.

Ao botar tudo para dentro da Constituição, você criou um problema: você colocando tudo para dentro da Constituição, sendo que alguns textos você trabalhava com ambiguidade para conseguir a aprovação, você aumenta, digamos, a participação do Poder Judiciário na definição dos textos.

Ou seja, hoje a constitucionalidade de uma lei depende de duas análises: uma que a lei chama de constitucionalidade formal. Se ela obedecer aos mecanismos de aprovação, os mecanismos regimentares e legais de aprovação etc. e tal, se a iniciativa era ou não era privativa de alguém etc., aí seria constitucional. Além do mais, o texto tem o que eles chamam de constitucionalidade material, que é o texto não ser contra, no mérito, a algum conteúdo dessa Constituição.

Bom, no momento em que você fez isso, ocorreu um fenômeno, depois da Constituição, no relacionamento com o Poder Judiciário. Como isso aconteceu? Começou a haver uma incapacidade progressiva dentro do Congresso, principalmente depois... A coisa ficou mais clara quando houve aquela eleição do Severino Cavalcanti.

Mas o fato é que, antes disso, começou a desaparecer a consistência de o sistema político resolver as suas divergências. Ou seja, as divergências eram resolvidas no sistema político e acabavam. Mas, aí, houve um momento de partidos. Alguns partidos... eu me lembro de um Senador do Rio de Janeiro, do PSB, que tinha um nome árabe, que dizia o seguinte: o meu partido é tão pequeno – ele era um Senador – que é mais importante eu votar lá e perder no Senado, porque depois eu entro com uma ação, vou lá apresentar uma ação direta de inconstitucionalidade. Por quê? Porque a Constituinte tinha aumentado o número de legitimados para promover as ações diretas de inconstitucionalidade.

Aí, o que aconteceu? Os políticos que não resolviam, que não se satisfaziam com a solução no âmbito político começaram a acionar o Tribunal, o Supremo. Aí, o que aconteceu? No início, o Supremo teve uma posição de retração, ou seja, de contenção: "Não, isso é matéria política, não vou entrar nisso". Mas, depois, com as mudanças da composição do Tribunal, começaram alguns a gostar disso, e aí começou o Supremo a intervir no processo político, começando... inclusive, agora, neste momento, nós temos aí duas hipóteses curiosas. Por exemplo, a Constituição diz claramente que não é possível... Uma das condições de admissibilidade de uma candidatura é você ter filiação partidária. E agora tem lá um pedido no Supremo, uma ação, não sei bem o que é, de que é Relator o Ministro Barroso, que pede a tal de candidatura avulsa, que é não filiada a partido. Aí, o Supremo marcou audiências públicas. Para quê? Para discutir conveniência? Conveniência não se discute no Supremo, discute-se no Congresso.

ENTREVISTADORA – Era isso que eu queria perguntar para o senhor. Na verdade, é a minha última pergunta. A gente tem hoje, com tudo que está estabelecido e com isso que o senhor acaba de relatar e apontar, um absoluto equilíbrio entre os Poderes? Está estabelecido isso na Constituição?

MINISTRO NELSON JOBIM– Há uma disfuncionalidade.

Nós temos, hoje, um mecanismo de disfuncionalidade dentro da Câmara. No Senado, não, porque o Senado tem uma característica diferente. Dentro da Câmara há uma disfuncionalidade, e temos uma disfuncionalidade também dentro do Supremo.

Na Câmara, a disfuncionalidade começou... havia iniciado o processo de inconsistência dos partidos políticos, mas ele ficou mais agravado com a eleição do Severino Cavalcanti. Lembre-se de que, em 2005, o PT e o PSDB não se acertaram na composição da Mesa. E aí houve três candidatos, três ou quatro candidatos a Presidente da Câmara: um daqui de São Paulo, o Greenhalgh; uma divergência interna dentro do PT, o candidato era o Virgílio Guimarães; um candidato do PFL, que foi um Deputado da Bahia, o Aleluia; e, em quarto lugar, o Severino Cavalcanti, que era candidato do "baixo clero". O PSDB não se entendeu com o PT, e o PT, internamente, também não se entendeu. Teve um candidato dessa... E aí o PSDB não teve candidato.

Resultado da votação, em primeiro turno: os mais votados foram o Greenhalgh e o Severino Cavalcanti. Quando foi para o segundo turno o Severino Cavalcanti, o PSDB despejou os votos no Severino Cavalcanti como retaliação ao PT, porque deveria ele ter a Presidência da Câmara, porque ele era o partido majoritário naquele momento. Elege-se o Severino Cavalcanti.

Qual foi o efeito da eleição do Severino? Naquilo que eu conheço a Câmara, você tem, tinha uma estruturação da Câmara no seguinte sentido: você tem a massa de Deputados, que hoje são 513; em cima dela você tinha as Lideranças partidárias; e em cima a Presidência da Câmara e, depois, o governo.

Os Deputados, para terem acesso ao Presidente da Câmara, para, enfim, levar suas reivindicações, precisavam do apoio dos seus Líderes. Para ter acesso ao Governo, para os Deputados irem lá reivindicar posições e situações regionais, etc., eles precisavam dos Líderes.

Com isso, o Líder tinha não só uma autoridade política, como tinha uma utilidade instrumental para os Deputados. O Deputado tinha que ter, digamos, uma relação com a Liderança. E, com isso, em linhas gerais, nós podíamos dizer que um Líder partidário tinha o voto de 80% da sua Bancada. Vinte por cento da Bancada eram de Deputados da sua Bancada, que eram, digamos, autoridades ou tinham formação de opinião – e esse Líder tinha que se dirigir para negociar com eles.

Com isso, você tinha um mecanismo de consistência de negociação. O Governo – não só o Governo, mas também os projetos internos dos partidos, etc. –, para fazer uma negociação, negociava com os Líderes partidários. E para a negociação com as Lideranças partidárias sobre um projeto – em um projeto de Governo, que tem interesse no Governo –, você possuía duas formas de negociação: ou você conseguia fazer uma negociação de mérito... Na negociação de mérito, havia dois tipos: a negociação que envolvia o próprio Governo – o Governo assumia o compromisso de não vetar ou assumia o compromisso de vetar, mas mandava um projeto imediato, porque precisava votar rápido ou coisa parecida – e ainda existia a outra forma, que não envolvia o Governo – o sujeito aprovava no Congresso, e o Governo tinha possibilidade de vetar.

Se não houvesse (acordos) ou não desse solução para esses acordos, não se construísse uma solução de acordo, você tinha os chamados acordos processuais, que eram acordos de procedimento: como é que vamos votar?  Coisas simples. Que dia iremos votar? Como a votação será feita? Essa votação será na quinta-feira ou na terça-feira? Quinta-feira é mais interessante para aqueles que não querem aprovar, porque o quórum cai mais rápido, etc. Então, você tinha esses entendimentos que eram feitos pelos Líderes.

No momento em que foi eleito o Severino – isso depois continuou, no meu ponto de vista –, o Severino se reverenciava diretamente...  Ou melhor, os Deputados baixo clero ou a massa se reverenciavam diretamente ao Presidente da Câmara, e aí os Líderes perderam a sua capacidade de controle das Bancadas, porque era o Severino que, digamos, marcava audiência dos Deputados com o Governo, pedia para receber fulano ou beltrano, substituindo a função dos Líderes, que perderam a importância. Tanto é que hoje, vou repetir, você sabe quem são os Líderes dos Partidos na Câmara?

ENTREVISTADORA – Não. Só muito poucos.

MINISTRO NELSON JOBIM– Não sabe. Antes você tinha o Líder do PMDB, que dava entrevista e tal. Não tem nada, hoje não tem nada. Por quê? Porque não tem importância. E, com isso, você perdeu a consistência do Partido. Você criou um problema brutal para uma negociação política que possa se fazer dentro para criar as maiorias necessárias para aprovar a matéria. Isto empurrou o Governo a recorrer, digamos, abusivamente das medidas provisórias, porque, na medida provisória, você cria um fato consumado e, depois, vai tentar negociar em cima do fato consumado.

Então, você observa que há muito pouco projeto do Governo. Usa-se medida provisória para qualquer coisa. Não é porque o Governo é autoritário, é porque a disfuncionalidade está posta dentro da Câmara.

Isso se repetiu. Quando o Severino caiu, o Michel foi eleito Presidente da Câmara, mas ele já não reconstituiu aquele Governo que vinha detrás. Depois, quando foi eleito o Eduardo Cunha, foi a mesma coisa. O Eduardo não fez nada no sentido de reconstituir. Os presidentes posteriores não retomaram a consistência, por quê? Porque gostaram de ser o personagem principal do jogo.

O mesmo se passou com o atual Presidente, o Rodrigo Maia, que também é, são todos bonapartistas. Eles se dirigem ao Plenário e não aos Líderes, não são intermediados pelos Líderes. E aí, perdeu a importância.

ENTREVISTADORA – Bom, isso...

ENTREVISTADORA – A segunda coisa que o senhor ia dizer é em relação ao Judiciário, porque a gente estava falando do equilíbrio.

MINISTRO NELSON JOBIM– Vamos chegar lá.

Então, veja bem, com essa inconsistência da Câmara, essas inconsistências da Câmara começaram a levar as disputas políticas para o Poder Judiciário. Como o texto da Constituição é muito amplo, o Judiciário começou a avançar em decisões claramente legislativas, através de discursos. O que aconteceu no Poder Judiciário? Começou a moda dos princípios. O princípio passou a ser um instrumento retórico para não aplicar a Constituição e inventar uma solução nova.

Eu te dou o exemplo, esse aí, que é texto óbvio: é condição de elegibilidade ou de ser candidato ter registro em partido político. Aí, o sujeito diz: "Não precisa, vamos botar um avulso". O sujeito, em vez de indeferir esse troço logo, não; convoca uma audiência coletiva. Para discutir o quê? A conveniência. A mesma coisa vai acontecer com o negócio do aborto. Vão fazer audiência coletiva sobre o aborto, vão ficar discutindo dois meses, três meses, pode, não pode. Se pode, pode até quando? Isso tudo é uma discussão tipicamente legislativa, mas está sendo feita dentro do Supremo, dentro daquela regra que eu referi a vocês.

E, no Supremo, você tem o problema da visibilidade. A transparência, que era o objetivo do Marco Aurélio quando criou a TV Justiça – foi ele que criou isso –, o Marco Aurélio tinha o compromisso de fazer o trabalho transparente. A transparência hoje do Tribunal, via televisão da Justiça, não é mais transparência; é visibilidade individual dos seus membros, que é um problema, digamos, de inconsistência dentro do próprio Tribunal, de disfuncionalidade dentro do Tribunal, porque você não tem mais liderança dentro do Tribunal que dê uma conformidade colegiada. O Tribunal hoje são disputas internas entre diversas correntes e diversos indivíduos que tentam ter sua visibilidade através desse mecanismo aí que vocês estão usando.

Bom, o que é que eu acho? Como é que você consegue um acordo de reforma constitucional, no meu ponto de vista? Teríamos que, primeiro, fazer um acordo, dizendo: "Quais as matérias que estão na Constituição que devem ir para a lei, sair da Constituição e irem para a lei?". Há várias. Então, alguém faz um conjunto disso e examina. E qual é o discurso político para convencer o Parlamento a tirar da Constituição aqueles artigos? O discurso político é que, com isso, você retoma a capacidade de controle do processo de gestão do País, não fica mais com o Judiciário. Não sendo matéria constitucional, o que vai ser votado lá não tem nada a ver com Constituição; tem a ver com legislação ordinária.

Como é que você pode fazer isso? Você não pode fazer isso tentando discutir méritos das questões. Então, você dividiria em dois momentos: um primeiro momento seria fazer um acordo sobre o que é que tem que sair do texto. Na ordem tributária, aquilo lá é um corte tributário infernal. Tira aquilo lá de dentro, mas uma parte você não pode tirar. Vai substituir o que por aquilo? Então, você faz a seguinte técnica: pega um texto, artigo tal, etc., na emenda, essa constitucional e diz: "vai para as disposições transitórias". E bota um artigozinho dizendo o seguinte: "Até que seja votada a lei ordinária correspondente, continuarão vigendo essas regras". Essas regras deixam de ser de ser constitucionais, mas continuaram, vai haver um gap, um buraco entre as duas coisas. Então, lá adiante você vai discutir a reforma constitucional, que não é mais; é reforma da lei. Aí vão votar a lei e serão leis complementares, depende do acordo que for feito.

ENTREVISTADORA – Faria a mesma coisa para a reforma política, Ministro?

MINISTRO NELSON JOBIM– Perfeitamente. Mas qual é o grande argumento? O grande argumento é: essa é a nossa proposta, uma proposta para que o Parlamento retome sua autonomia e sua capacidade de decidir matérias, já que o Judiciário estava fazendo isso através da alegação de que determinadas decisões nossas contrariam a Constituição. Tirem os artigos que justificariam esse discurso e nós voltamos a ter o poder de novo.

ENTREVISTADORA – Na reforma política, no que o senhor acha que é preciso mexer?

MINISTRO NELSON JOBIM– Veja, eu vi essa reforma, essa minirreforma que foi feita: muito boa. É muito boa por quê? Observe, nós temos hoje, na Câmara – é claro, eu estou me referindo sempre à Câmara, porque é eleição proporcional –, 25 partidos políticos, sendo que alguns deles são organizados em dois blocos parlamentares.

Faz-se uma reforma política e se estabelece o seguinte: 1. Na eleição de 2018, pode haver coligação partidária; na eleição de 2022, não pode haver coligação partidária nem mais para a frente. Essa seria a última coligação partidária nas proporcionais. E diz mais, redesenha a cláusula de desempenho, que não é cláusula de barreira; é cláusula de desempenho, estabelecendo uma progressão.

ENTREVISTADORA – O senhor pode explicar a diferença entre desempenho e barreira?

MINISTRO NELSON JOBIM– Nesse caso não é. Nesse caso é o seguinte, na eleição de 2018, depois aumenta: o partido que não obtiver 1,5% dos votos nacionais ou não tiver elegido um mínimo de nove Deputados distribuídos em um terço dos Estados brasileiros, que são nove, não cumpriu o desempenho. E aí qual é a consequência? Esse partido não pode, não participará do Fundo Partidário e não participará daquelas propagandas eleitorais intercorrentes, não de campanhas, aquelas de anúncio.

ENTREVISTADORA – A institucional?

MINISTRO NELSON JOBIM– A institucional. Pois bem, aí você conjuga as duas regras. Eu sou candidato, sou Deputado ou vou ser candidato a Deputado e entro numa coligação partidária. Sou eleito. Na coligação, a conquista das vagas num Estado é feita pelos votos dados à coligação: o número de votos que a coligação obteve, que os candidatos da legenda da coligação obtiveram fazem a conquista de vagas. Quem foram os eleitos? Vamos supor que essa coligação conseguiu, conquistou cinco vagas. Foram os cinco mais votados. Nessa hipótese, com relação aos cinco mais votados, o que nós vamos ter? Eu, vamos supor, sou o quinto mais votado e fui eleito, fui eleito com esse quinto lugar. Sou eleito, tomo posse e verifico que o meu partido, que é o caldo dessa coisa feita com base nos votos dados ao partido e não à coligação, o partido da coligação conseguiu x votos. Aí, eu verifico que o meu partido não fez 0,5% no País todo e, portanto, não vai ter essas benesses das duas situações.

O que acontece? Eu tenho ainda uma notícia terrível: em 2022, essa coligação que viabilizou a minha eleição não vai acontecer. O que vai acontecer? Esse Deputado troca de partido, porque a lei autoriza, durante esse período, que pode haver ajustamento de partidos. O que vai acontecer? Esse Deputado sai do partido que lhe deu a vaga e vai para um partido maior, para viabilizar a sua reeleição lá, em um partido que tenha cumprido a cláusula de desempenho.

Com isso, você estreita o número de partidos e viabiliza que o novo governo que vem em 2019 possa recompor a funcionalidade da Câmara. E observe que eu fiz um cálculo simples, apliquei essa regra nova nas eleições, na atual composição da Câmara: 10 partidos não teriam cumprido a cláusula de desempenho, ou seja, dos 25 partidos, 15 continuariam utilizando. Lembre-se: sem mexer nos Deputados. Agora, se você sabe que eu me elegi na coligação e vejo que o meu partido é um dos 15, eu vou sair do meu partido. O meu partido desaparece na Câmara.

ENTREVISTADORA – A gente não queria encerrar, mas a gente só vai encerrar porque o senhor precisa ir embora. Então, eu vou fazer a última pergunta que a gente faz. A Constituição mudou a sua vida, a sua participação na Constituinte e ter realizado a Constituição mudou a sua vida de cidadão ou de jurista ou de advogado?

MINISTRO NELSON JOBIM– Alterou tudo, porque eu era um advogado do interior do Estado, professor da faculdade de Direito de lá, e aí entrei num outro ritmo. Agora, eu não faço comparação. Alguém me pergunta assim: "Foi melhor ser Deputado constituinte ou foi melhor ser Ministro da Justiça, ou era melhor ser Ministro do Supremo, durante os dez anos em que você ficou, ou era melhor ser Ministro da Defesa? Qual era o melhor?".

ENTREVISTADORA – Não, não estou fazendo...

MINISTRO NELSON JOBIM– Esse tipo de assunto eu não olho, porque só dá problema e não dá solução.

ENTREVISTADORA – Eu não estou fazendo. É só mesmo para saber o que aconteceu com o ser humano quando fez...

MINISTRO NELSON JOBIM– Quem é sábio na verdade é o Zeca Pagodinho: "Deixa a vida me levar".

ENTREVISTADORA – Ministro, eu vou ter que fazer uma pergunta de jornalista, porque, em 2003, o senhor fez uma revelação ao O Globo, e essas coisas precisam ser ditas, daqueles artigos que teriam entrado apenas na comissão de redação. Eu considero que foi, enfim, ajuste, mas queria sua opinião, para o senhor ter a oportunidade até de dar um depoimento sobre o que aconteceu.

MINISTRO NELSON JOBIM– O que saiu em O Globo na época não era bem aquilo. Eles fizeram aquilo e ficou, mas o fato foi o seguinte: como nós tínhamos começado aquele processo Constituinte todo, quando chegou à Comissão de Sistematização, aliás, quando aprovamos o texto final do segundo turno é que nós começamos a examinar o conjunto total da obra, porque antes as discussões eram pontuais. Aí se identificou que faltavam coisas, que havia coisas contraditórias, que nós tínhamos aprovado uma coisa que poderia contradizer outra. E aí, o que aconteceu? Na Comissão de Redação, que era presidida pelo Dr. Ulysses – e integravam a Comissão de Redação as Lideranças partidárias todas e mais alguns Líderes, cuja regra eu não lembro –, nós tínhamos um acordo político. O acordo político era o seguinte: "Olha, esse artigo acabou não aparecendo, vamos ter que colocar". Se todos os Líderes que participaram concordassem, você colocava o artigo ou modificava o artigo.

Eu me lembro de dois deles. Um deles foi aquela regra do art. 3º: os Poderes são harmônicos e independentes entre si. Isso foi um artigo que faltou quando se mudou do governo parlamentarista para o governo presidencialista, porque não tinha essa regra. Então, vamos colocar. Todos concordam? Concordamos. Outro foi o negócio da autonomia das universidades, que não existia. Então, se fez um texto sobre a autonomia das universidades.

Quando terminou a Comissão de Sistematização, houve uma reação, por parte dos Parlamentares, de que a Comissão de Redação tinha modificado o texto, não era só uma Comissão de Redação, mas tinha conteúdo, o que era verdade.

Qual foi a solução dada ao problema? O Carlos Santana, que era o Líder do Governo na Constituinte, levantaria uma questão de ordem mostrando as modificações que a Comissão de Sistematização fez. Eu, que era Líder do PMDB, no final, contradiria a questão de ordem, dizendo que as modificações se fizeram por isso e por isso. E a solução que o Dr. Ulysses daria era que a aprovação da redação final se daria por maioria absoluta com voto aberto, com voto nominal e não com voto simbólico. Ou seja, nós criamos o que seria um terceiro turno.

Aí, quando houve a sessão, o Dr. Ulysses nos disse: "Não vamos fazer aquela liturgia das questões de ordem, eu vou decidir logo isso". Ele fez um discurso, quando da votação da redação final, fez um discurso não reconhecendo o fato, mas dizendo: "Afirma-se que a Comissão de Redação, que a Constituinte, no segundo turno, também fez modificações que não podia fazer", porque o segundo turno era só emenda supressiva e houve modificações no mérito no segundo turno, aquelas tais emendas de transação. Aí o Dr. Ulysses disse isso e convocou: "Vamos fazer uma votação final, para aprovação do texto final, não com votação simbólica", como dizia o Regimento, "mas com votação nominal". E ele fez a votação nominal, houve 480 votos, então, ele disse: "Com isso ficam sanados os problemas existentes". Então, foi isso que se resolveu. Não tem nada de misterioso, foi tudo combinado.

Eu me lembro de um caso em que sugerimos que fosse mexido na Comissão de Redação, e não foi aceito, que era alguma coisa relativa à Justiça Militar, não me lembro bem o que era. E que se opôs foi o Líder do PDT, que era...

ENTREVISTADORA – Vivaldo?

MINISTRO NELSON JOBIM– Não, um sujeito forte. Você se lembra dele.

ENTREVISTADORA – Lembro, do Rio de Janeiro.

MINISTRO NELSON JOBIM– Do Rio, muito boa pessoa.

ENTREVISTADORA – Esqueci o nome dele. (Brandão Monteiro – PDT/RJ)

MINISTRO NELSON JOBIM– Esse líder, que era um cara ótimo, tinha recebido a posição do Paulo Ramos, que era Deputado, depois foi secretário, enfim. O Paulo Ramos era um Deputado do Rio de Janeiro ligado à Polícia Militar e ele disse: "Olha, eu não concordo com isso". Aí o Líder do PDT, a bancada se opôs. Acabou, então, não se fechou.

ENTREVISTADORA – Então, a conclusão disso é de que não houve inclusão de matéria não votada?

MINISTRO NELSON JOBIM– Essa discussão está toda no Diário Oficial, no Diário da Constituinte. O único defeito da Constituinte sabe qual é? Aquele mundaréu de volumes que foram publicados, mas não tem índice.

e resolve.