Entrevista com Ministro Nelson Jobim - Bloco 4


ENTREVISTADORA – Eu tinha 200 historinhas para perguntar para o senhor. Várias delas o senhor já contou, por isso eu não o interrompi. Estavam aqui contadas. Mas algumas coisas...

A gente está falando dessa coisa do consenso, do consenso possível, do jeitinho, da metodologia que vocês encontraram para tocar esse trabalho para frente. E aí eu li uma coisa muito interessante, que é a história da indicação do Jarbas Passarinho para Vice Relator da Comissão, sendo feita pelo...

MINISTRO NELSON JOBIM– Vice-Presidente.

ENTREVISTADORA – ... pelo Haroldo Lima, do PCdoB, não é?

MINISTRO NELSON JOBIM– Aconteceu o seguinte. Foi eleito Presidente da Comissão de Sistematização, que era a comissão final daquele processo complicado, o Senador Afonso Arinos. E aí se fez a primeira sessão. E o Afonso já estava com mais idade. E ele também já estava muito... Ele queria contar história... Era um sujeito extraordinário. Mas não tinha mais autoridade para comandar, e, naquele quadro, não dava. Então, não dava e surgiu um problema. Aí se levou o problema ao Dr. Ulysses: "Olha, o Afonso não tem condição de conduzir, porque ele não tem interesse nisso; não é do feitio dele ser o Presidente para ter autoridade e tocar aquilo para frente." Aí o Dr. Ulysses ligou e reuniu os Líderes... E a verdade é o seguinte: todas as Lideranças, de todos os partidos, confiavam absolutamente no Dr. Ulysses.

Aí levaram ao Dr. Ulysses: "Olha, temos esse problema aí." Aí o Dr. Ulysses disse: "Olha, vamos fazer o seguinte; nós não podemos tirá-lo; vamos criar Vice-Presidentes, vamos botar Vice-Presidente para esta comissão e depois o Vice-Presidente assume e não se criam dificuldades." E aí foi o que aconteceu.

Aí quem são os Vice-Presidentes? E aí o PCdoB foi uma surpresa! O Haroldo Lima, que era o líder do PCdoB, que era um Deputado da Bahia, um bom sujeito, extraordinário, o Haroldo indica o Jarbas Passarinho. Foi aquele negócio! Acontece que o Jarbas tinha sido Presidente do Senado e o Jarbas era absolutamente legalista. Ele não atropelava ninguém. Ele era confiável. Eles tinham confiança. Aí foram o Fernando Henrique e o Jarbas, não sei se havia um terceiro...

ENTREVISTADORA – Havia um terceiro. Agora não estou me lembrando, mas tinha um terceiro. Eram três.

MINISTRO NELSON JOBIM– O terceiro já era Vice-Presidente, antes, que era o Aluízio. Era um que tinha um problema de um olho... Aluízio Campos*, uma coisa assim, que era o Vice-Presidente, também não funcionava. E aí botaram mais dois. Esses dois acabaram presidindo aqui.

A gente resolveu o assunto.

ENTREVISTADORA – Vou pegar outra historinha, daí a gente entra na parte mais séria para encerrar, mas é que são histórias boas e o senhor tem essa memória.

É a história lá do ciúme do Dr. Ulysses em relação ao Mário Covas, ou vice-versa. O ciúme do Mário Covas em relação...

Essa história é muito boa.

ENTREVISTADORA – É verdade que o senhor... Chamava de Dr. Ricardo, se identificava como Dr. Ricardo.

MINISTRO NELSON JOBIM– Havia um problema paulista. O Senador Mário Covas era um sujeito extraordinário, mas tinha lá suas divergências locais e tinha uma imposição refratária em relação ao Dr. Ulysses, porque o Dr. Ulysses também era reconhecida autoridade. Então os dois – o Mário também era daquele modelo – eram bicudos.

Aí o Dr. Ulysses às vezes ligava para o Plenário, lá para a comissão, para a liderança para falar com alguém. Nisso deu problema. Houve uma cena em que nós estávamos numa reunião de Líderes, presidida pelo Mário Covas, e nós estávamos discutindo Previdência Social, o capítulo da Previdência Social. E quem tocou nesse negócio da Previdência Social dentro da Liderança foi o Almir Gabriel, que era Senador e depois foi Governador do Pará. E o Almir tocou esse assunto.

Então o Almir estava sentado ao lado... eu ficava sempre lá porque eu era o sujeito para escrever. Aí estava o Almir, o Mário, o Almir ao lado do Mário, o Britto e depois eu. Aí de repente veio uma moça lá da assessoria da Liderança e fala com o Almir no ouvido. E o Almir diz: "Mário, me desculpe, porque eu tenho que dar uma saída." Aí saiu lá, saiu o Almir, e demorou. E a sessão não começava, porque quem na verdade ia conduzir a sessão era o Almir Gabriel, que controlava aquele assunto. O Mário dava a ordem, ou mantinha a estrutura, mas não conhecia o problema. Aí volta o Almir. Quando o Almir volta, ele diz: "Pô, demorou!" E o Mário naquela época tinha largado o cigarro, então ele ficava com o cigarro na boca apagado, e mordia o cigarro... aí o Almir disse: "Me desculpe, Mário, mas é que o Dr. Ulysses me chamou."; "O quê? Chamou para quê?"; "Ele queria falar comigo sobre esse assunto."; "Ah, então ele que venha comandar aqui." E (Covas) saiu da mesa, ficou furioso.

Bom, a partir daquele momento, nos telefonemas que ele, o Dr. Ulysses, fazia para mim, ele não dizia que era ele que queria falar comigo. Dizia que era o Dr. Ricardo, porque aí evitava que desse algum estresse.

Eu fui galgando posições. Quando o Mário adoeceu e eu fui para a Constituinte, eu fiquei muito ligado ao Scalco, que era o 1º Vice-Líder. Eu fiquei muito atuante, junto com o Brito, mas as desconfianças criavam essa situação.

ENTREVISTADORA – Eu queria que o senhor falasse um pouquinho... O senhor foi uma pessoa que batalhou muito contra o decreto-lei. Não foi? O senhor tinha uma posição bem contrária ao decreto-lei, desde antes.

MINISTRO NELSON JOBIM– Lá atrás. Era o mesmo negócio da medida provisória.

ENTREVISTADORA – É. Aí, chegamos à medida provisória, que vários consideram o monstrengo da...

MINISTRO NELSON JOBIM– O que acontece é o seguinte: a diferença fundamental que se estabelecia é que o decreto-lei, se não fosse modificado pelo Congresso dentro de um período tal, ele se transformava em lei. Nós tínhamos clareza de que era necessário dar ao governo uma determinada posição de provocar o processo legislativo em questões urgentes.

Então, nós fomos atrás do decreto legge, da Itália, e nós chamamos de medida provisória, porque era diferente o mecanismo. A medida provisória era editada, entrava em vigor desde logo e se ela não fosse votada dentro do período, num primeiro momento, de trinta dias, ela perdia o efeito desde logo.

Então, como tinha a necessidade de haver a aprovação da medida provisória, eu defendi a medida provisória no modelo da época. Quem foi contra, duramente contra, foi o Líder do PDS, um Deputado do PDS do Rio Grande do Sul, que acabou sendo presidente do TCU, o Adylson Motta. O Adylson Motta é que fez o encaminhamento contra, e eu defendia a medida provisória. Eu era contra o decreto-lei no modelo militar. Inclusive, fiz um texto no início para os partidos, etc.

ENTREVISTADORA – Parece-me que o senhor não tem o entendimento de que a medida provisória não é realmente imprópria no texto da Constituição. Existe essa crítica de que ela não deveria ter sido mantida, porque o texto original era parlamentarista e tal. Parece que o senhor não concorda com isso, não é, Ministro?

MINISTRO NELSON JOBIM– Inventaram isso depois. Quando houve o texto do Centrão, qual foi a grande a disputa que tinha naquele momento, já na sistematização? A grande disputa no Plenário era presidencialismo ou parlamentarismo. Política. E de outro lado, você tinha uma outra disputa, que era dentro do mandato do Presidente Sarney.

 

ENTREVISTADORA – Então, medida provisória é ou não é imprópria na Constituição?

MINISTRO NELSON JOBIM– Como nós discutimos... Como se discutiu na Comissão de Sistematização, introduziu-se a medida provisória por necessidade, que seria para levar essa medida provisória para o primeiro-ministro, no regime parlamentarista. Quando veio a emenda substitutiva do Centrão, que era o regime presidencialista, a medida provisória era um texto do Centrão. Não foi um texto que veio para sistematização; se manteve no texto do Centrão como um mecanismo de edição de um ato contínuo, um decreto-lei do governo militar, que era a forma de você ter o enfrentamento de problemas urgentes. Como é que era? São duas condições: é urgência...

ENTREVISTADORA – ... e relevância.

MINISTRO NELSON JOBIM– ... e relevância. Em matérias urgentes e relevantes podia o governo usar a medida provisória, que era a forma de você viabilizar...  Isso tem no regime presidencialista e tem no regime parlamentarista. A medida provisória tem no regime parlamentarista, como também esses tipos de atos, digamos, de vigência desde logo, para tratamento de casos excepcionais, tem no regime presidencialista. Então, é bobagem se dizer... E tem uns que dizem: "Ah, porque a Constituinte nasceu parlamentarista e depois virou presidencialista". Aí você pergunta para esse personagem: "Onde está o remanescente do parlamentarismo dentro da Constituição, que tu não encontras?" Aí eles vão para a medida provisória: "Ah, tem a medida provisória!" – E é só isso. Ou seja, é bobagem. Essa história é conversa. Do meu ponto de vista, é completamente... não tem sentido.

E aí eu citei outra coisa também. A Constituição é muito grande. Então, eu me lembro... Primeiro, vou contar dois fatos. Depois, o problema do tratamento dos direitos da pessoa humana, dos direitos humanos deu muito elogio para a Constituinte.

Quando nós estávamos fazendo o Regimento Interno...  Na história da Constituição brasileira, das Constituições brasileiras, os textos dos direitos humanos, estavam lá no art. 140, 150, normalmente. Portanto, desde lá atrás, desde a Constituição de 1891, republicana, como nas outras: no 140, está lá o elenco de direitos e garantias individuais. Aí, o Fernando Henrique disse o seguinte: "Olha, vamos fazer o seguinte: vamos trazer esse texto para cá, para o primeiro título da Constituição, para botar ali, porque esses textos são mais fáceis de aprovar. Aprovando esses textos aqui, nós prejudicamos vários outros assuntos que vão ser suscitados nas outras comissões".

E foi o que aconteceu. Então, nós botamos o texto de direitos e garantias individuais, porque votaríamos texto de direitos e garantias individuais ali, e depois de alguns debates na ordem econômica, ordem social, já estaria resolvido isso aqui. Então, várias emendas ou vários textos caíam pelo fato de você ter aprovado aqueles direitos em que o debate era só sobre o direito, não era sobre aquele texto logo adiante.

ENTREVISTADORA – O art. 5º, então?

MINISTRO NELSON JOBIM– É. O art. 5º. Aí, então, os comentaristas diziam: "Os Constituintes foram extraordinários por botar o compromisso". Não era, era uma técnica para você reduzir o debate na ordem econômica. Mas muita gente acreditou que haviam feito isso porque era um privilégio, e começaram a repetir.

Mas, na verdade, não foi assim.