Entrevista com Senador Fernando Collor - Bloco 1


ENTREVISTADORA– Em 10 de abril de 2018, registramos o depoimento do ex-Presidente da República e Senador Fernando Collor a respeito da Constituição de 1988, como parte do projeto de História Oral comemorativo dos 30 anos de promulgação da Carta. Participam da gravação nós servidores, Virgínia Malheiros Galvez, Tania Fusco, Ricardo Alagemovits e Francisco Boneta.

O senhor foi o primeiro Presidente eleito pelo voto popular depois de promulgada a nova Constituição em 1988; assumiu em 1990. Como foi governar sob a égide da nova Carta Magna?

SENADOR FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – Em primeiro lugar, fui o primeiro Presidente eleito depois de longo período sem que ao povo fosse dada a oportunidade de escolher pelo voto o seu Presidente da República. A última eleição direta para Presidente havia sido realizada em 1960. Então, foram 29 anos esperando para se votar em um Presidente. Calhou de ser o meu nome a participar da eleição de 1989 e de ter sido eu eleito Presidente do Brasil. Portanto, fui também o primeiro Presidente a exercer o seu mandato com a nova Constituição, aprovada em 1988.

Foi uma experiência, portanto, única, pioneira, porque nunca nenhum outro Presidente havia governado sob a Constituição de 1988, e também uma maneira de nós encontrarmos, no intrincado da Constituição de 1988, modos de poder governar de forma mais livre, porque havia uma questão fundamental: a Constituição impedia, como impede, que um Presidente eleito com o voto popular que tenha um programa que tenha sido votado e, portanto, aprovado, se esse programa, quando for colocado em prática, esbarrar com o excesso de regulações que a Constituição impõe, simplesmente implemente o programa que ele sugeriu e que foi aprovado pela população, ou seja, a população, que é a fonte de onde emana todo o poder num regime democrático, não pode ver concretizada a proposta votada e apresentada pelo seu candidato, porque a Constituição, aqui e acolá, impede que alguns desses pontos possam ser levados adiante.

ENTREVISTADORA– O senhor pode dar exemplo disso, Senador?

SENADOR FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – Dou um exemplo: a questão de se estabelecer o que nós chamamos de engessamento. Especifica-se muito o percentual que deve ser aplicado, por exemplo, na educação, na saúde e em outras áreas, criando dificuldades. Na educação e na saúde, o intuito foi até positivo, no sentido de garantir à educação um mínimo de x por cento e à saúde um mínimo de x por cento.

Por exemplo, o meu programa de governo pressupunha um investimento muito forte em educação, com a criação dos Centros Integrados de Ensino, que foi a primeira iniciativa que se teve de federalização do ensino básico. Isso me custou algum dinheiro. Nós esbarrávamos na execução desse programa, em alguns momentos, por falta de dotação orçamentária e por não termos como dizer: "Não, nós queremos investir mais do que a Constituição determina para o setor educacional."

Enfim, em várias outras matérias, a Constituição sempre direciona – chamamos isso de engessamento do Orçamento – as ações de um governo para certas áreas que, às vezes, não são prioritárias e que foram ditas pela votação da população ao programa que se quer implementar.

Ao lado disso, é uma Constituição... A Constituição, por definição, deve se preocupar com assuntos que digam respeito, por exemplo, aos poderes do Estado e às garantias e aos direitos do cidadão. São esses pontos com que a Constituição deveria se preocupar; ela deveria se abster de entrar em outras áreas. Hoje, nós temos uma Constituição prolixa – são duzentos e tantos artigos mais cento e tantos outros artigos nas Disposições Transitórias –, o que faz um enorme emaranhado no sentido da interpretação que se dá a cada um desses artigos.

Quando se fala, hoje, na judicialização da política, isso nada mais é do que o Poder Judiciário sendo provocado por nós Parlamentares, por agentes políticos, por partidos políticos, para que o Supremo Tribunal Federal interprete aquilo que nós, no caso, os Constituintes, colocamos na Lei Maior.

Hoje está muito em voga essa questão da segunda instância. O que é a segunda instância? O artigo da Constituição está sendo questionado. O que ela quer dizer? Esse é um caso em que a Constituição me parece muito clara, porque ela fala textualmente que ninguém pode ser condenado sem que tenha ocorrido o trânsito em julgado de todos os seus recursos, ou seja, sem que todos os seus recursos tenham sido analisados, avaliados pela Justiça brasileira. A interpretação que se deu a isso foi que, já na segunda instância, pode-se determinar o recolhimento daquele que foi condenado. Digo isso para citar um exemplo do que está acontecendo agora. Mas, se procurarem no Supremo Tribunal Federal, vão encontrar inúmeras arguições de inconstitucionalidade por parte de partidos políticos e de entidades que trabalharam para fazer a Constituição chamada pelo Dr. Ulysses como Constituição cidadã.

Então, realmente, governar sob essa nova Constituição foi uma experiência interessante, uma experiência totalmente nova. Enfim, com muito esforço, conseguimos sobrepassar isso, graças – é bom que se diga – a um instrumento, a um corpo estranho ao sistema de governo que nós temos, que é o sistema presidencialista. A medida provisória é um corpo estranho, porque ela é um instrumento típico de um sistema parlamentarista, mas, como nós sabemos, foi votada uma sugestão para a nova Constituição pela Comissão de Sistematização, que antecedeu a realização da Assembleia Constituinte Plena. Foi votado na Comissão de Sistematização o regime parlamentarista, com o mandato de quatro anos para o Presidente da República. Quando foi para o Plenário, na Assembleia Constituinte Plena, isso foi modificado, passou o regime presidencialista, passou-se o mandato para cinco anos, e ficou lá a medida provisória.

Então, se não fosse o instituto da medida provisória, que ficou, remanesceu da proposta original na Comissão de Sistematização, governar seria impossível. Por isso, reclama-se muito da edição de medidas provisórias, e, realmente, é um instrumento um pouco forte demais, mas é a válvula de escape que a Constituição dá a quem governa para poder fazer alguma coisa, porque, sem as medidas provisórias, com a Constituição do jeito que ela está, seria absolutamente impossível qualquer um governar.

ENTREVISTADORA– Senador, no entanto, voltando um pouco à questão de governar com essa Constituição, com as suas qualidades e defeitos, foi graças a alguns recursos que a Constituição instituiu que o senhor conseguiu abrir a economia aos produtos e ao mercado internacional. Eu gostaria que o senhor falasse um pouco sobre isso, porque essa foi uma marca do seu governo, e foi a Constituição que permitiu.

SENADOR FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – Sim! Ainda bem que não proibiram que o Brasil se abrisse ao mercado externo, porque senão ficaríamos como uma ilha isolada do resto do mundo, não é?

A abertura comercial promovida pelo meu governo foi uma abertura unilateral, uma abertura de muita confiança na boa receptividade que isso causaria no sistema internacional de comércio. Isso realmente aconteceu. Junto a isso, aconteceu uma modernização muito rápida no País em termos da introdução de novas tecnologias, a começar do próprio celular, de novos computadores. A questão dos carros ficou emblemática, com a expressão "carroças", porque eu dizia que os carros que nós tínhamos naquela época eram carroças, pois eram tecnologicamente muito atrasados, comparando-os com automóveis fabricados em outros países.

Houve o fim da reserva de mercado, a desestatização, a retirada do Estado de áreas que não lhe diziam respeito, em que ele não deveria atuar. Para citar um exemplo, o governo, o Estado brasileiro era o detentor do controle de uma empresa que fabricava hélices de avião e de outra empresa que fabricava botões. Essas empresas todas eram empresas estatais, porque foram financiadas sem muito cuidado, na época, pelo BNDE – não havia o S ainda. Então, o BNDE entrava como um sócio, porque, caso aquele sócio majoritário não tivesse condições de levar adiante, ele teria de assumir. Então, houve muitas dessas empresas. Pela falta de estudo técnico mais rigoroso, essas empresas não puderam ir adiante. Então, o Brasil assumiu o controle dessas empresas.

Então, a primeira coisa que nós fizemos foi retirar o Estado dessas atividades que não lhe diziam respeito e procurar investir naquilo que era mais importante para o Brasil, sobretudo na questão educacional, na questão de melhorar a competitividade das empresas brasileiras, de melhorar a nossa produtividade, para que pudéssemos concorrer no mercado internacional em condições de disputar novos mercados com outros países com produtos iguais aos nossos.