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Quando a intenção vale muito

Com a meta fiscal, zerar o déficit em 2024 é improvável; sem ela, é virtualmente impossível. Mantê-la inalterada é o único freio ao ímpeto gastador de parte do governo e do Congresso

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Por Notas & Informações
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A diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Vilma Pinto, disse que o governo só deve atingir um superávit primário em 2030. A economista prevê um déficit de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem, maior, portanto, que a meta anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A IFI não é a única instituição a ver com receio a promessa do ministro. Os especialistas que participaram da série de entrevistas do Estadão sobre a questão fiscal foram unânimes em apontar o paradoxo de uma meta que depende fortemente de receitas para ser atingida quando o maior problema a ser resolvido está justamente no lado das despesas. Essas dúvidas, levantadas ainda na apresentação da proposta do arcabouço, em janeiro, aumentaram com o passar dos meses, sobretudo na ocasião do envio do Orçamento ao Congresso, em agosto.

A exemplo do que acontece todos os anos, o detalhamento da peça orçamentária revelou uma combinação entre receitas muito otimistas e despesas subestimadas. Nesta edição, em particular, destacou-se uma confiança exacerbada na efetividade de operações do tipo pente-fino para cortar gastos na Previdência Social e no Bolsa Família e uma crença digna de fé na disposição do Congresso em aprovar medidas para taxar parcelas da sociedade que gozam de privilégios tributários há muitos anos.

Este jornal, que fique claro, não acredita que o governo esteja errado. Há que criar mecanismos contínuos de combate a fraudes na concessão de benefícios sociais. Também já passou da hora de o País avançar na direção de uma carga tributária mais justa e progressiva, que cobre proporcionalmente mais daqueles com maior poder aquisitivo. Mas isso não é ajuste fiscal, tampouco é suficiente para trazer resultados promissores em tão curto espaço de tempo.

O rompimento da meta de 2024 são favas contadas. Mas, como disse um dos entrevistados da série do Estadão, o coordenador do Observatório Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Manoel Pires, o sucesso da equipe econômica não depende exatamente do cumprimento da meta, e sim da entrega de um orçamento que seja exequível e que, ao mesmo tempo, conduza a um melhor resultado fiscal. “No final das contas, o papel da equipe econômica é criar condições para solvência da dívida pública, melhorando o resultado fiscal”, definiu Pires.

Para isso, no entanto, é fundamental, ainda que irônico, que a meta seja mantida sem alterações. Esse parece ser o entendimento do Banco Central (BC). As palavras do comunicado divulgado após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) não foram acidentais. Mencionando a relevância das metas fiscais para ancorar as expectativas de inflação e, consequentemente, para orientar a condução da política monetária, o BC reforçou a importância da “firme persecução dessas metas” – e não de atingi-las à risca.

No limite, o descumprimento da meta até tem suas virtudes. Ela obrigará a aplicação de gatilhos automáticos para limitar o crescimento das despesas, proibindo a realização de concursos e os aumentos salariais para servidores públicos e o lançamento ou expansão de programas de incentivo tributário e de linhas de financiamento para renegociação de dívidas – entre outras medidas necessárias, amargas e impopulares que muitos se recusam a encarar.

Sabendo que todas essas ações estão no horizonte, parte do governo e do Congresso se movimenta para flexibilizar a meta e aumentar os gastos desde já. A intenção não é substituí-la por um objetivo mais realista e crível, mas impedir o acionamento dos gatilhos em qualquer cenário, independentemente das consequências desses atos na trajetória da dívida pública.

Se com a meta fiscal zerar o déficit é bastante improvável, sem ela isso será virtualmente impossível. Defender a manutenção da meta talvez seja o único freio à disposição do governo para começar um debate amplo sobre a revisão dos gastos que leve o País a fazer escolhas para além das já definidas pelos gatilhos. Por isso mesmo, é um freio de valor inestimável.