Por Jéssica Sant'Ana, g1 — Brasília


Câmara aprova texto-base do arcabouço fiscal

Câmara aprova texto-base do arcabouço fiscal

O texto-base do novo arcabouço fiscal foi aprovado pela Câmara dos Deputados, na noite de terça-feira (23). A medida deve substituir o teto de gastos – regra que limita o crescimento de grande parte das despesas da União à inflação – e prevê aumento de despesas atrelado à alta na arrecadação pública.

Nesta quarta (25), a Câmara deve finalizar a tramitação da proposta na Casa, com a votação de quatro destaques que podem alterar o texto. Em seguida, será enviado para análise no Senado, onde pode passar por comissões ou seguir direto para votação em plenário.

Se aprovado no Congresso, o novo marco fiscal segue para sanção do presidente Lula. A última etapa é a publicação no "Diário Oficial da União". Com isso, o arcabouço passará a ser oficialmente a âncora fiscal do governo.

  • ❓ Mas, afinal, por que o governo precisa de um novo regime fiscal?
  • 💸 E qual a importância da nova regra para a economia e, consequentemente, para a população?

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, aprovada e sancionada no fim do ano passado, determinou que o governo apresentasse, via projeto de lei complementar, uma nova regra fiscal para substituir o teto de gastos. O prazo ia até 31 de agosto deste ano.

🔍 O objetivo, segundo a emenda, é "instituir regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico".

Essa obrigação de apresentação de uma nova regra fiscal foi negociada durante o período de transição governamental, no fim de 2022.

O que propõe o novo marco fiscal?

O arcabouço fiscal limita os gastos do governo e coloca regras para o crescimento das despesas nos próximos anos. O texto prevê:

  • que o crescimento dos gastos públicos fica limitado a 70% do crescimento real da arrecadação do governo, caso a meta de resultada das contas públicas seja cumprida (exemplo: se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá aumentar até 1,4%);
  • que o crescimento dos gastos públicos fica limitado a 50% do crescimento real da arrecadação do governo, caso a meta não seja cumprida (exemplo: se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá aumentar até 1%);
  • que mesmo que arrecadação do governo cresça muito, será necessário respeitar um intervalo fixo no crescimento real dos gastos, variando entre 0,6% e 2,5%, desconsiderando a inflação do período;

O texto também prevê gatilhos que obrigam a contenção de despesas sempre que os gastos do governo ultrapassarem certos limites. Veja quais são eles:

  • se as receitas não avançarem como projetado, o governo será obrigado a contingenciar despesas;
  • se mesmo contingenciando despesas o governo não conseguir cumprir as metas ficais (zerar déficit em 2024 e ter superávit em 2025 e 2026), gatilhos graduais de contenção de gastos serão acionados.

Por que substituir o teto de gastos?

O entendimento do governo Lula é que o teto de gastos, a regra em vigor atualmente, não permitiu que o país investisse com deveria nos últimos anos, trazendo prejuízos para diversas áreas, como infraestrutura, moradia, educação e saúde.

🛑 Além disso, o próprio teto de gastos – criado em 2016 e implementado a partir de 2017 – caiu em descredibilidade, após as exceções que foram criadas nos últimos anos para driblar o cumprimento da regra.

"A regra do teto vem perdendo eficácia e não há mais garantia de que será capaz de assegurar a sustentabilidade fiscal", afirmou Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal.

Por isso, com a nova regra, a equipe econômica de Lula quer criar novos parâmetros fiscais que permitam:

  • estabilizar a dívida pública
  • equilibrar as contas do governo
  • aumentar investimento em áreas consideradas prioritárias

Por que a nova regra fiscal será importante?

Especialistas consultados pelo g1 são unânimes em dizer que o novo arcabouço é necessário para que o governo consiga melhorar ao longo do tempo o resultado das suas contas públicas e também para estabilizar o endividamento público.

"O arcabouço fiscal tem papel de evitar que tenha descontrole das contas públicas, que significa gasto crescendo de forma excessiva e que pode pressionar a inflação e o crescimento forte do endividamento público", disse Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

"Um novo arcabouço fiscal sinaliza firmar um compromisso com a sociedade de que o governo vai conduzir a política fiscal com responsabilidade", resumiu Vilma, da IFI.

Caso contrário, o governo Lula teria que:

  • se endividar mais para cumprir promessas de campanha
  • ou contar com aumento de arrecadação, que pode vir através da melhora da economia (hipótese remota no curto prazo, segundo especialistas)
  • ou ainda aumentar os impostos que são cobrados da população e das empresas

Qual o efeito do arcabouço no curto prazo?

▶️ No curto prazo, o principal efeito do novo arcabouço fiscal deve ser nas expectativas dos agentes econômicos, afirmam os especialistas. Com a proposta aprovada pela Câmara, o governo espera que o país passe a contar com mais credibilidade.

"O governo conseguindo criar regra fiscal crível tem impacto de curto prazo via confiança, reduzindo as incertezas fiscais e o próprio risco fiscal. Isso vai gerar resultados positivos do ponto de vista da confiança", afirmou Vilma.

▶️ Essa melhora nas expectativas poderá se refletir em redução da taxa de prêmio dos juros futuros e também da própria Selic, a taxa básica de juros da economia.

Quanto maiores essas taxas, mais caro fica para o governo se endividar e também para as pessoas e empresas, o que inibe o crescimento econômico. Também aumenta a percepção de risco do país, ou seja, da ideia de que o país pode acabar não pagando a sua dívida pública.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, já indicou que a nova regra pode ajudar na queda da taxa Selic, hoje em 13,75%. No entanto, afirmou que ela não será imediata, e que não existe "relação mecânica" entre os juros e o novo arcabouço.

Qual o efeito do arcabouço no longo prazo?

▶️ No médio e longo prazo, caso o novo marco fiscal seja aprovado e bem recebido pelos agentes econômicos, poderá ajudar no crescimento da economia, na disponibilidade de crédito e no controle da inflação.

"O arcabouço fiscal, se ele for bem-feito e significar queda mais consistente de juros no futuro, essa queda de juros pode resultar em mais crédito e maior crescimento econômico", explicou Sergio Vale, da MB Associados.

▶️ Também possibilitará que o governo invista em políticas sociais.

"Quando a gente fala em arcabouço fiscal, é a tentativa de o governo fazer políticas públicas, mas com responsabilidade fiscal, ou seja, equilibrar o que ganha com o que gasta", apontou Bianca Xavier, professora da FGV Direito Rio.

"É como fazer política pública sem causar déficit e alto endividamento [público]", resumiu.

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