O Estado de S. Paulo

Metas de médio prazo e revisão de despesas entrarão no Orçamento

Diretora da Instituição Fiscal Independente diz que novas regras vão ‘exigir adicional de receita’ Pesquisadora licenciada da FGV, é graduada em Ciências Econômicas pela Uerj, com mestrado pela FGV

ADRIANA FERNANDES MARIANA CARNEIRO

O Ministério do Planejamento anunciou ontem as linhas gerais da reforma do Orçamento. O pontapé inicial será dado já no projeto de lei orçamentária (PLOA) de 2024. A União também vai propor uma modernização de legislação para substituir a lei 4.320, que completa 60 anos no ano que vem e que trata das regras para a elaboração dos orçamentos públicos.

Batizada de “Orçamento por desempenho 2.0”, a proposta foca também o planejamento de médio prazo e as chamadas metas físicas para as ações e políticas públicas, como o número de casas ou de famílias beneficiadas pelo programa Minha Casa, Minha Vida. A proposta da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, é discutir o novo modelo também com Estados e municípios.

O diagnóstico traçado pelo secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, é de que o Brasil ficou para trás nesse planejamento de médio prazo, que já é adotado em vários países. “Essa agenda de modernização está alinhada às melhoras práticas internacionais”, afirmou.

EIXOS. A proposta prevê a criação de um novo marco orçamentário formado por cinco grandes eixos: resgate do Orçamento por desempenho com metas físicas; Orçamento de despesas de médio prazo (quatro anos); revisão de gastos; nova lei 4.320; e incorporação de agendas transversais (como a agenda ambiental).

Bijos destacou que o Orçamento por desempenho é debatido no mundo desde a década de 1950, mas, no caso brasileiro, está “apagado e escondido” na lei orçamentária. Por exemplo: a lei orçamentária anual contém o número de casas e de famílias beneficiadas em programas como o Minha Casa, Minha Vida, mas essa informação não é acompanhada depois.

Já a revisão periódica de gastos foi pensada para identificar o que pode ser cortado das políticas em andamento e que não são bem-sucedidas, para remanejar os recursos para outras áreas mais prioritárias. Já houve várias tentativas de adotar essa prática nos últimos anos, mas

Negociação

A ministra Simone Tebet quer discutir novo modelo orçamentário também com Estados e municípios

todas esbarraram na pressão de setores e grupos beneficiados por essas políticas. O Brasil gastou só no ano passado R$ 581,5 bilhões (quase 6% do Produto Interno Bruto) com subsídios.

Sobre as emendas parlamentares, o secretário não falou em mudanças. Ele disse que o Congresso tem essa “reserva” no Orçamento, que garante a chamada impositividade (obrigação de serem executadas). Apesar disso, podem ser bloqueadas e contingenciadas se houver necessidade para o cumprimento das regras fiscais. •

“Acredito que mudar a meta logo na largada traria uma sinalização ruim. Então, minha percepção é de que o governo vai tentar atingir a meta de primário (em 2024)”

Adiretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto, afirma que as metas traçadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para o resultado das contas do governo nos próximos anos podem não ser cumpridas caso sejam frustradas as expectativas de aumento de receitas. E essas expectativas são ambiciosas. No primeiro ano de vigência do novo arcabouço fiscal, em 2024, o governo prevê ampliar as receitas em R$ 238 bilhões para zerar o déficit público. Segundo a economista, porém, um novo aumento de receita será necessário para o cumprimento da meta fiscal em 2025, quando o governo prevê entregar um superávit primário equivalente a 0,5% do PIB. A seguir, trechos da entrevista.

A IFI projeta que a meta fiscal pode não ser cumprida já em 2025. Pode explicar melhor essa previsão?

A gente parte de um cenário em que o objetivo de 2024 é cumprido, que o déficit fiscal é zerado no ano que vem. Sabemos que existe uma dificuldade em razão do potencial de receita que vai poder ser incrementado, mas tem esse dado como partida. E, a partir daí, traçamos diversos cenários que mostram a dependência de receitas. O governo precisa alcançar um volume expressivo de receitas para cumprir as metas que ele mesmo definiu. Mas ainda não há clareza em relação às medidas que vão ser adotadas, dado que o foco desse ajuste está sendo concentrado em receitas.

Mas partindo do pressuposto de que o governo atinja a receita que ele precisa em 2024, o cenário para frente, só com a aplicação da regra do teto de gastos, é suficiente para ele conseguir continuar cumprindo as metas de resultado fiscal ou ainda vai precisar de aumento adicional de receita?

O nosso cenário indica que, mesmo partindo de 2024 como um cenário de déficit zero, ele ainda assim poderia encontrar dificuldades para cumprir a meta de primário nos anos seguintes. Naturalmente, esse número pode variar a depender do PIB, da taxa de juros.

Mas ele já descumpriria a meta em 2025?

Para 2025, se conseguirmos fazer com que o crescimento econômico seja um pouco melhor, isso pode ajudar no cumprimento (da meta), mas ainda assim é um cenário que mostra claramente que o governo vai precisar de incrementos adicionais de receita. Fizemos várias hipóteses olhando um pouco do passado do crescimento das receitas. Somente no cenário que a gente considera mais otimista, pegando a média de crescimento (da receita ) de 1999 até 2022, que pega aquele período de boom de commodities, que a gente consegue ver o cumprimento da meta em 2025. Agora, aplicando as regras de gastos puramente, de teto e de piso, realmente o cenário é um pouco preocupante. Até chegar em 2027 pelo menos, o governo deve encontrar alguma dificuldade para fazer esse incremento adicional de metas de primário, saindo de zero, em 2024, para 0,5%, em 2025, 1%, em 2026, e 1,5% em 2027. Essa trajetória vai exigir algum adicional de receita.

Então, o grande teste vai ser nos dois primeiros anos (2024 e 2025)?

Exatamente. É uma regra fiscal que tem alguns elementos interessantes. Em cenários normais, nos quais não há queda da receita ou que a receita não cresça pouco, você teria sempre um cenário em que a despesa cresce abaixo do crescimento da receita. Então, isso gera uma convergência, uma melhora gradual dos resultados fiscais. Mas, como fixado no texto do arcabouço, as metas de resultado primário têm de ser compatíveis com a estabilização da relação dívida/PIB. Então, mesmo que você tenha uma melhora do resultado primário, por conta da regra, essa melhora pode não ser suficiente para cumprir a meta de primário. Por isso, é necessário recorrer a mais receita.

Pelas contas da IFI, qual o impacto das medidas já anunciadas pelo ministro da Fazenda pelo lado das receitas?

O governo está sinalizando que precisa incrementar (as receitas) em R$ 238 bilhões, e já anunciou como potencial R$ 251 bilhões que a gente sabe que tem muita incerteza nesses números. Então, o número que a gente está considerando nas nossas contas, a princípio, é algo como R$ 90 bilhões desses R$ 251 bilhões para 2024.

Sua avaliação é de que o governo está colocando a régua muito alta, e a tendência é revisar a meta para baixo já na LDO de 2024, que tramita no Congresso?

Eu acredito que mudar a meta logo na largada traria uma sinalização ruim. Então, por enquanto, minha percepção é de que o governo vai tentar atingir a meta de primário (em 2024). •

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2023-06-14T07:00:00.0000000Z

2023-06-14T07:00:00.0000000Z

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