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Novas dúvidas sobre as metas fiscais

Arcabouço ainda não foi aprovado, mas a expansão fiscal do governo Lula já coloca em xeque a credibilidade do dispositivo. É preciso anunciar metas realistas e começar a cortar gastos

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Por Notas & Informações
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A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado trouxe um novo alerta sobre o cumprimento das metas fiscais. Com base em dados de sistemas do Senado e do próprio governo, o órgão destaca que a arrecadação está em desaceleração desde maio, enquanto o ritmo de execução de despesas tem aumentado de forma consistente. Essa combinação teve como consequência uma piora acentuada do resultado primário nos últimos meses, comportamento que deve ser mantido ao longo do ano.

Os gastos, segundo a IFI, foram pressionados pelo reajuste do funcionalismo público e do salário-mínimo, piso dos benefícios pagos pela Previdência Social, do abono salarial e do seguro-desemprego. A tendência é que eles continuem a crescer, em razão do aumento do número de benefícios concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

As receitas, por outro lado, caíram 5,4% entre janeiro e julho deste ano. Com a queda na cotação do barril de petróleo no exterior, o governo arrecadou R$ 16,1 bilhões a menos em royalties. As receitas com dividendos, por sua vez, recuaram quase R$ 19 bilhões. Mesmo a arrecadação de tributos também caiu nos sete primeiros meses do ano, com exceção das receitas recolhidas com o Imposto de Renda das pessoas físicas.

De acordo com a projeção da IFI, o governo deve registrar um déficit primário de R$ 67 bilhões nos sete primeiros meses do ano. Será muito difícil, portanto, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, consiga reduzir o buraco entre receitas e despesas para algo mais próximo dos R$ 100 bilhões neste ano, muito menos zerá-lo no ano que vem.

O relatório confirma a pertinência das críticas que o governo recebeu quando apresentou o arcabouço fiscal. As metas dependem demais de medidas de recuperação de receitas e de propostas que ainda precisam da aprovação do Legislativo, mas a expansão real das despesas está garantida, qualquer que seja o cenário de arrecadação.

No Legislativo, a agenda econômica do governo está travada desde o fim do recesso parlamentar. Lideranças da Câmara sentaram sobre a medida provisória (MP) que taxa fundos no exterior, que perderá validade se não for votada na próxima semana. A estratégia do governo, de incluir a medida como emenda na MP que reajusta o salário-mínimo, foi mal recebida e pode ser facilmente derrubada.

Também já há muita resistência sobre a taxação de fundos exclusivos, tema que o Congresso já rejeitou em ocasiões anteriores e quer que seja tratado no âmbito da segunda etapa da reforma tributária, sobre a renda. Essa proposta, no entanto, só deve ser enviada ao Legislativo depois que o Senado aprovar a primeira etapa da reforma tributária, sobre bens e serviços – o que, na melhor das hipóteses, ocorrerá somente em outubro, segundo o plano de trabalho apresentado pelo relator, Eduardo Braga (MDB-AM).

A apreciação do arcabouço fiscal tampouco foi concluída no Congresso, o que tem comprometido a elaboração do próprio Orçamento. Sem o arcabouço, o governo precisará deixar R$ 200 bilhões em despesas penduradas, ou seja, condicionadas à aprovação do dispositivo que substituirá o teto de gastos. O número evidencia o tamanho da expansão fiscal que o presidente Lula promoveu, muito além do necessário para recompor as políticas públicas devastadas pelos anos de bolsonarismo.

O pior, no entanto, é que esses gastos colocam em xeque a credibilidade do arcabouço antes mesmo de o dispositivo ter sido aprovado. Parece claro que Haddad terá de recuar e anunciar metas fiscais mais realistas e compatíveis com a realidade – a não ser que decida compactuar com manobras.

A queda de braço que a Câmara tem feito com o governo em torno do arcabouço, no entanto, é uma oportunidade para que os dois lados trabalhem juntos em prol da responsabilidade fiscal. Os deputados podem apertar mais o arcabouço, retirando as exceções que o Senado incluiu no texto e que deixou fora do alcance do dispositivo. Já o Executivo pode finalmente começar a cumprir sua promessa de reavaliar o tamanho de seus gastos, políticas públicas, subsídios e renúncias fiscais.