Técnicos do Tesouro Nacional concluíram versão preliminar de proposta para um novo arcabouço fiscal para o Brasil. O modelo, que será consolidado em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), preserva o teto de gastos. Mas altera o instrumento para permitir um crescimento real de gastos de até 2,5% ao ano, dependendo do comportamento de três variáveis.
A proposta já foi exposta ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que autorizou sua discussão com outros atores, como analistas do Congresso Nacional e integrantes da Instituição Fiscal Independente (IFI). O plano é discuti-la também com organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
Atualmente, a principal âncora para as contas públicas é o teto de gastos, instrumento que limita o crescimento das despesas primárias (excluindo, portanto, gastos com a dívida) do governo federal à inflação do ano anterior. Mas o teto foi alvo de uma série de mudanças nos últimos anos que, na prática, o enfraqueceram como principal instrumento do arcabouço fiscal. Outras propostas dentro do próprio Ministério da Economia, como a da Secretaria de Política Econômica (SPE), também estão sendo elaboradas.
O texto do Tesouro estabelece como referência, mas não como meta, a dívida líquida do governo geral (DLGG). O indicador leva em conta ativos e passivos de União, Estados e municípios. No entanto, exclui ativos e passivos em posse do Banco Central (BC).
A proposta leva em conta em primeiro lugar o nível da DLGG em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) no ano corrente, com três bandas possíveis: abaixo de 45% do PIB; entre 45% e 55% do PIB; e acima de 55% do PIB.
Além disso, compara esse patamar com a média do indicador nos três anos anteriores, para avaliar se houve queda ou alta.
Por fim, também considera se a média bianual de resultados primários mostra um resultado positivo e crescente, na comparação com os dois anos anteriores. Caso o resultado seja positivo e crescente, será concedido um bônus de 0,5 ponto percentual para a expansão as despesas. Se a média estiver acima de superávit de 1,5%, será concedido o bônus, independentemente da trajetória do resultado primário.
Ao todo, são 12 combinações possíveis, que permitem variação anual da despesa (gastos primários do governo federal) entre zero e 2,5%. Também é importante destacar que a regra estabelece o comportamento das despesas para os dois anos subsequentes, diferentemente do teto, que só estabelece para o ano seguinte.
Como exemplo, em 2023 o governo federal precisará definir o limite de gastos para 2024 e 2025. Para isso, em primeiro lugar, avaliaria a DLGG média de 2022, que foi de 61,9%. Em segundo lugar, compararia esse valor com a DLGG média dos três anos anteriores (64,17%). Em terceiro lugar, compararia o resultado primário médio dos dois anos anteriores (déficit de 0,22%) com o de 2019 e 2020 (déficit de 5,67%). Com essa combinação das três variáveis, seria permitido um crescimento real de 0,5% dados despesas em 2024 e 2025.
“Fizemos exercícios com vários cenários e o modelo se mostrou eficiente em todos eles”, diz um integrante do governo. A preocupação, segundo ele, é construir um modelo perene que garanta a sustentabilidade da dívida pública. A literatura mais recente aponta que a trajetória do endividamento é tão importante quanto seu nível.
Trata-se de uma proposta inicial que ainda será discutida pela próxima equipe de governo, recebendo ajustes. Admite-se, por exemplo, que no primeiro ano de funcionamento do modelo seja dada uma folga maior para ampliação de gastos, de 2% acima da inflação.
Segundo um técnico, essa licença foi admitida por reconhecer que o teto está muito “apertado”, sem espaço para todas as demandas de um futuro governo. Poderia, por exemplo, acomodar mais investimentos ou o aumento do Auxílio Brasil.
No entanto, ele afirma que essa licença não deve ser encarada como um “waiver”, já que a ideia é estabelecer uma regra permanente. As mudanças precisam ser realizadas por meio de PEC, já que o teto de gastos faz parte da Constituição.
Outra possível alteração no teto é a composição dos gastos sujeitos ao novo limite, com a possível exclusão de investimentos dessa conta. Na proposta, o Tesouro diz que há “discussão sobre composição da despesa sujeita ao limite, que poderá ser diferente da atual despesa sujeita ao teto”.