A alta da inflação que sempre ajudou a arranhar imagens de presidentes pode, em certa dose, ter contribuído para reeleger a maioria dos governadores que venceram o pleito em primeiro turno. Não pela impopular inflação em si, mas pela popular disparada do recolhimento de impostos e dos investimentos estaduais. No primeiro semestre deste ano, na comparação com janeiro a junho de 2018, mesmo período de disputa da eleição passada, a arrecadação média dos estados aumentou em 21,7%, segundo os relatórios fiscais apresentados pelos estados à Secretaria do Tesouro Nacional (STN). No entanto, o gasto médio dos estados em serviços públicos mais do que duplicou, passando de R$ 13,4 bilhões (em cifras já corrigidas pelo IPCA) para R$ 31,4 bilhões da primeira metade deste ano.

Em clima de eleição, o aumento dos gastos acima da arrecadação é, obviamente, uma versão regionalizada da bomba fiscal que tem sido armada pelo governo Bolsonaro para o próximo ano. É o vale-tudo da reeleição, que agrada o eleitor. O próprio governo federal tem dado uma ajudinha aos estados parceiros. Em junho, os três que tiveram as maiores dívidas atrasadas bancadas pelo governo central, segundo Relatório de Garantias Honradas pela União, foram Rio de Janeiro (R$ 709,93 milhões), Minas Gerais (R$ 518,77 milhões) e Goiás (R$ 77,58 milhões) – todos eles com governadores que apoiam o presidente para o segundo turno. No total, de acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional, a União pagou R$ 1,36 bilhão em compromissos dos governadores no fechamento do primeiro semestre. Os valores foram pagos porque a União é fiadora de estados e municípios em operações de crédito junto a instituições financeiras.

O fato é que entre os governos estaduais que mais aumentaram os investimentos estavam alguns dos que tiveram as melhores performances em seus currais eleitorais. No topo do ranking, Minas Gerais anabolizou os gastos em 498,2% na comparação com janeiro a junho de 2018, com injeção de R$ 955,7 milhões. Por isso, talvez não tenha sido coincidência que o governador Romeu Zema (Novo) renovou seu mandato por mais quatro anos com 56,18% dos votos, enquanto no mesmo quintal seu aliado Bolsonaro (43,6%) perdeu para Lula (48,2%). No Rio de Janeiro, onde o governador Cláudio Castro (PL) teve a preferência de 56,67% dos eleitores, as despesas foram turbinadas em 441,8% no primeiro semestre. Assim como no Pará, onde Helder Barbalho (MDB), o mais bem aprovado no País com 70,4% dos votos, os investimentos dobram no mesmo período (100,6%). Os dados de arrecadação sinalizam que o caixa dos estados orientou muitos eleitores ao voto, e ajudam a explicar a derrota de Bolsonaro em locais em que os governadores simpáticos ao presidente se reelegeram, como o já citado caso de Minas Gerais.

Enquanto a arrecadação federal alcançou R$ 1,089 trilhão de janeiro a junho, aumento real de 11% (IPCA) sobre o primeiro semestre do ano passado, segundo a Receita Federal, o caixa dos estados engordou, na média, quase o dobro desse porcentual. O ponto de virada ocorreu em fevereiro, quando a arrecadação de estados e municípios chegou a R$ 440 bilhões, o melhor resultado desde 2014, de acordo com a economista Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), em reportagem do Valor. A cifra também representa um aumento de 20% sobre 2021.Na avaliação do economista Antonio Pires, economistapelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), o ritmo de expansão das despesas, muito superior ao que se calculava antes e acima do crescimento do PIB, traduz o calendário eleitoral e a melhora das receitas. “Trata-se de um resultado muito positivo se pudermos excluir da análise a contaminação política sobre as decisões de investimento”, afirmou Pires. “Mas se não houver recuperação econômica nos próximos dois ou três anos, esses investimentos se tornarão uma imensa dor de cabeça para os governadores.”

Embora a recente melhora na situação fiscal dos governos estaduais e do Distrito Federal seja inegável, quatro complicadores tornam o quadro mais incerto já nos próximos anos, segundo estudo de Cláudio Hamilton Matos dos Santos, economista de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas (Dimac) do Ipea. O primeiro é a tendência de médio prazo de crescimento dos gastos com servidores inativos. O segundo é a incerteza sobre a continuidade do ajuste em curso desde 2014 nos gastos com pessoal ativo. O terceiro é a sustentabilidade do quadro atual de investimentos públicos. O quarto e último desafio para as contas públicas nos próximos anos é a sustentabilidade do quadro benigno atual das receitas, tendo em vista as mudanças recentes nas alíquotas máximas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre combustíveis. Seja qual for o governador ou presidente que estiver no comando dos estados e do País, é indiscutível que o saldo dos erros ou dos acertos no campo fiscal serão pagos pelo eleitor.