Recentemente, falei sobre a situação fiscal insustentável que se abate sobre o Brasil.  Entretanto, mesmo após a aposta que todos tínhamos, de que haveria um segundo turno das eleições dividindo o país literalmente ao meio, nenhum dos dois candidatos apresentou uma proposta de plano econômico explicitando como vão lidar com a situação fiscal, que é a grande amarra do crescimento econômico de curto e médio prazos. Para colocar em contexto, em 2023, o déficit primário certamente ultrapassará os 2% do PIB, e poderá chegar até a cifra assombrosa de R$440 bilhões, ou 4,5% do produto.

Insisto nesse ponto porque ele é um tema existencial e que deve ser central nos debates sobre política econômica nos próximos anos, e o público, mais do que nunca, deveria se preocupar com o assunto uma vez que a estabilidade do poder de compra, o crescimento, a taxa de desemprego e principalmente a Selic e a trajetória da dívida pública, que hoje representa cerca de 78% do PIB, dependem de como o governo, reeleito ou eleito, vai endereçar os gastos públicos.

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Para financiar todo esse gasto, e que grande parte é feito de forma ineficiente, somente em 2022, assumindo uma Selic média de 11% nos 12 meses de janeiro a dezembro, os gastos com o serviço da dívida, isto é, o pagamento de juros, vai chegar a U$ 100 bi.  Esse valor equivale a mais de R$ 500 bi, ou 6% do PIB e que é 67% superior aos orçamentos da saúde e da educação juntos. Isso demanda uma pergunta sobre as prioridades do governo!

Nem Bolsonaro nem Lula nos disseram como vão lidar com essa situação que é insustentável, e o país precisa de uma resposta urgentemente para que os eleitores possam votar de forma consciente no dia 30 de outubro, porque o futuro de curto prazo depende disso.  Entretanto, ambos os candidatos atacam o teto de gastos como se essa amarra institucional fosse algo lesivo à nação e responsável pela falta de investimentos públicos, que atingiram o menor patamar histórico em 2022 em 2% do PIB.

Todavia, como podemos observar, existe um “trade off” entre as prioridades do governo manifestadas em benesses com gastos prometidos em campanha, e não orçados, de mais de R$ 400 bilhões, mais benesses em renúncias fiscais que passam de R$ 440 bilhões, e uma dívida pública de R$ 6 trilhões que exige pagamentos de juros anuais de mais de R$ 500 bilhões. Do outro lado da equação, temos os investimentos necessários em áreas carentes como infraestrutura, educação e saúde. Juntos, esses gastos, não orçados e somados às renúncias fiscais, representam R$ 1,3 trilhão, ou 14% do PIB.

Essas cifras fantásticas e incompressíveis pelo brasileiro médio promovem distorções sérias que precisam ser contidas, se não eliminadas, através de duas reformas essenciais e que veem sendo adiadas por mais de 30 anos – a Reforma Administrativa e a Reforma Tributária, nessa ordem.

Não deveria surpreender o fato de o Brasil ser um dos países que mais arrecada impostos no mundo, estamos na 33ª posição no ranking da OCDE cuja média, entre os 30 países mais ricos, é de 33%. O Brasil não é um dos países mais ricos do mundo em termos de PIB per capita, e quando comparado com outros países emergentes e de renda média, é o país que disparadamente taxa mais a sua população e empresas. No que tange a imposto corporativo, o Brasil é o que mais taxa empresas no mundo, o que em si já nos coloca em desvantagem em termos de competitividade, mas a falta de competitividade apenas começa aqui.

O que realmente é interessante de tudo isso é o fato de o sistema tributário brasileiro ser uma espécie de cebola com diversas camadas de complexidade burocrática, mas no qual existem atalhos para os “amigos do poder”. Como indiquei acima, em termos de renúncia fiscal, o país abre mão de mais de R$ 440 bi por ano ou quase 5% do PIB, fora linhas de créditos especiais e outros benefícios não contabilizados como gastos.  Somente a agroindústria e a agricultura têm quase R$ 50 bi em benefícios, a Zona Franca de Manaus, R$ 46 bi, o Simples Nacional mais R$ 82 bi e desenvolvimento regional outros R$ 11,7 bi, para exemplificar alguns beneficiários.

O ponto mais relevante sobre renúncias fiscais é que nós não sabemos e não nos esforçamos para saber quais os benefícios de fato que eles aportam à sociedade com emprego, renda, além de alguns serem benefícios desenhados sob medida para certos setores econômicos motivados por interesses menos do que republicanos.

Tais renúncias fiscais suscitam algumas perguntas relevantes como: se o nosso agronegócio é tão competitivo mundo afora e se nós temos as terras mais produtivas do mundo, então por que os subsídios em valores astronômicos como R$ 50 bi? Afinal, somos competitivos porque realmente usamos nossas vantagens comparativas e temos empresas que são o estado da arte da indústria, ou por que gastamos quase um Renda Brasil por ano para “ganhar” essa competitividade?

A Zona Franca de Manaus recebe 1/3 do valor total destinado ao orçamento da educação e em contrapartida abriga cerca de 600 empresas, 100 mil empregos diretos e 400 mil indiretos, porém apenas representa 0,7% do parque industrial brasileiro. Em termos de arrecadação de tributos federais gera cerca de R$ 19 bilhões e movimenta R$ 158 bilhões em receita por ano; porém, tem a maior parte do escoamento de sua produção através do modal rodoviário, que é altamente ineficiente e caro, e não faz uso pleno de modais eficientes como a cabotagem ou ferroviário como principais meios de distribuição.

É em situações como essa que me pergunto, será que ninguém faz contas? Será possível que os benefícios auferidos pela ZFM justificam os valores das renúncias ficais? Poderia ser que R$ 50 bi não poderiam ser melhores utilizados através de outras políticas mais efetivas de desenvolvimento para a região Amazônica?

Aí vem o Simples Nacional! Obviamente que que esse regime tributário ajuda milhares de micro e pequenas empresas, e esse é um ganho institucional importante, mas o outro lado da moeda revela que o mesmo regime tributário que viabiliza pequenos empresários também sofre de abusos sérios por parte de grandes empresários que organizam seus empreendimentos em dezenas e até centenas de pequenas empresas para burlar o fisco sério e que passam despercebidos pela fiscalização.

Outro ponto que chama a atenção é o nosso sistema tributário, que é o mais complexo do mundo, um sistema que penaliza consumo e não taxa de forma adequada e progressiva a renda, e que desestimula o empresário e toda a sociedade porque gera diversas distorções, e sobretudo impacta negativamente a competitividade da indústria brasileira.

Entretanto, em vez de fazermos uma reforma tributária ampla derivada de uma reforma administrativa, através da qual saberemos o que a sociedade espera receber do governo e quanto isso vai custar aos cofres públicos, e o que será provido pela iniciativa privada e quanto vai custar aos bolsos individuais, nós optamos pelo casuísmo, por “puxadinhos” fiscais sem a análise necessária no bom estilo brasileiro de “depois a gente arruma”.

Com esse modelo improvisado de conceder vantagens tributárias, muitas vezes sem contrapartida de receitas, como no caso recente dos combustíveis e do IPI, acabamos nunca “depois arrumando” esse emaranhado de distorções, e como resultado temos as situações fiscal e tributária insustentáveis em que estamos. Ao mesmo tempo seguimos concedendo benefícios fiscais cujos benefícios reais são opacos e impossíveis de serem mensurados.

O que fica claro é que no Brasil, para o “cachorro passar a abanar o próprio rabo”, nós precisamos de um plano objetivo e com metas para a solução da situação fiscal, um compromisso inequívoco do presidente reeleito ou eleito com as reformas administrativa e tributária, o enxugamento do Estado e uma acelerada ativação do setor privado na economia sem protecionismo ou paternalismo para que finalmente o país possa se tornar competitivo e crescer.