Por Alexandro Martello, g1 — Brasília


Se nada for feito, o progressivo aumento das despesas obrigatórias, associado às restrições impostas pela regra do teto de gastos, tendem a levar a uma "inviabilidade administrativa e política" nos próximos anos, afetando o mandato do futuro presidente da República, segundo avaliação das consultorias de Orçamento da Câmara dos Deputados e do Senado.

A previsão consta de nota técnica sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 divulgada na semana passada pelas duas consultorias.

Aprovado em 2016, com validade de 2017 em diante, o teto de gastos determina que a maior parte das despesas não podem crescer acima da taxa de inflação do ano anterior.

Como os gastos obrigatórios continuarão avançando (veja detalhes mais abaixo) — segundo estimativas oficiais —, o novo governo terá de comprimir ainda mais os gastos livres dos ministérios (as chamadas despesas "discricionárias") a fim de conseguir cumprir o teto, gerando, segundo o documento, um cenário de paralisia na administração pública nos próximos anos.

Segundo o documento, é "pouco provável" que as projeções contidas no Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias se concretizem, "dado que a compressão projetada das despesas discricionárias tende à inviabilidade administrativa e política".

As opções para evitar a paralisia da administração pública seriam, assim, ou uma redução das despesas obrigatórias – o que exigiria medidas imediatas e consistentes – ou novas alterações do arcabouço fiscal [teto de gastos], flexibilizando-o a fim de permitir a preservação das despesas discricionárias, ou até mesmo sua expansão, uma vez que se encontram em mínimos históricos", alertam as consultorias.

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Gastos livres em queda

De acordo com estimativa das consultorias da Câmara e do Senado, as despesas discricionárias do orçamento devem cair 41% entre 2023, o primeiro ano do novo mandato, e 2025 — quando atingiriam R$ 67,1 bilhões, o menor nível desde a entrada em vigora da regra do teto de gastos, em 2017.

Segundo análise do diretor-executivo interino da Instituição Fiscal Independente (IFI), Daniel Couri, existe um "risco alto" de os gastos livres do governo ficarem abaixo do nível mínimo necessário para funcionamento da máquina pública a partir de 2024.

Dentro dos gastos livres do governo, estão ações de custeio administrativo dos ministérios, como os serviços públicos, e os investimentos da União.

Dentre os serviços que poderiam ser impactados, estão:

  • ações de defesa agropecuária;
  • bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq);
  • bolsas de estudo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes);
  • Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec);
  • emissão de passaportes;
  • programa Farmácia Popular;
  • fiscalização ambiental (Ibama);
  • bolsas para atletas;
  • aquisição e distribuição de alimentos para agricultura familiar.

O próprio governo já tinha admitido que a queda prevista dos gastos livres "tende a precarizar gradualmente a oferta de bens e serviços públicos e a pressionar ou até mesmo eliminar investimentos importantes, reforçando ainda mais a necessidade de avanço na agenda de reformas estruturais".

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Pré-candidatos

Alguns pré-candidatos à Presidência da República têm se manifestado sobre o teto de gastos. Ciro Gomes (PDT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vêm pedindo — e até prometendo – a revogação do teto de gastos.

Nos documentos orçamentários, a área econômica do presidente Jair Bolsonaro vem defendendo reformas para reduzir os gastos obrigatórios. Entre essas reformas, estão a administrativa. que, segundo projeções do governo, poderia reduzir os gastos com servidores em cerca de R$ 300 bilhões em dez anos.

Entretanto, integrantes do Ministério da Economia já admitem que a possibilidade de substituir o teto de gastos pela dívida pública como principal meta de sustentabilidade das despesas públicas. Proposta com essa finalidade pode ser encaminhada ao Congresso Nacional ainda neste ano. A intenção é definir o nível de dívida pública como a principal meta de sustentabilidade das despesas públicas – no jargão dos economistas, definir a dívida como a "âncora fiscal". Atualmente, esse papel é desempenhado pelo teto de gastos.

Em março deste ano, o secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, afirmou, em evento do Tribunal de Contas da União (TCU), que as regras fiscais não podem ser imutáveis.

"Com relação às flexibilizações das regras fiscais, eu entendo que é necessário. A realidade vai mudando ao longo do tempo. Eu não acredito em uma regra imutável. Vai passar por situações em que você vai ter que flexibilizar um pouco, em outro momento você vai ter que recrudescer outro ponto. Isso é um pouco cíclico", declarou na ocasião.

Gastos obrigatórios em relação às despesas totais
Projeções para o período 2023-2025 (em %)
Fonte: Ministério da Economia

Despesas obrigatórias sobem

A área econômica prevê que as despesas obrigatórias (salários, benefícios do INSS, gastos com seguro-desemprego e abono salarial, entre outros), que não podem ser bloqueados, continuarão avançando nos próximos anos.

Apesar do crescimento, as despesas obrigatórias não deverão atingir 95% das despesas totais, patamar a partir do qual, segundo a PEC emergencial, aprovada em 2021, seriam acionados gatilhos que impediriam, de forma automática, reajustes aos servidores e imporiam limitação para concursos públicos.

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Daniel Couri, da Instituição Fiscal Independente, entende que o subteto (95% para as despesas totais) foi "mal calibrado" porque as despesas livres do governo devem ficar abaixo do mínimo necessário para o bom funcionamento do serviços públicos nos próximos anos mesmo que não sejam acionados os gatilhos da PEC emergencial.

"Cinco por cento [para gastos livres] é um nível inviável, que nunca existiu. Em 2024, já haveria uma pressão muito grande para modificação do teto", declarou.

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