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Propostas no Congresso em ano eleitoral ampliam gastos em R$ 46 bi, calcula Economia

Pressão fiscal se soma ao impacto dos reajustes já concedidos por governadores em ano eleitoral

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Brasília

O apetite do Congresso Nacional por medidas eleitoreiras disparou um alerta na equipe econômica para a chance de avanço em propostas que ameaçam a sustentabilidade das finanças não só da União, mas principalmente de estados e municípios.

Levantamento feito pelo Ministério da Economia a pedido da Folha lista projetos cujo risco de aprovação é considerado "grave e muito elevado" pela pasta, dado o custo anual de ao menos R$ 46 bilhões para todos os entes federativos.

São propostas que preveem pisos salariais para profissionais de saúde, inclusive aqueles que atuam no setor público, ou que resgatam penduricalhos como o chamado quinquênio —um adicional no salário a cada cinco anos de serviço.

O ministro Paulo Guedes (Economia) durante anúncio de medidas do Ministério do Turismo, no Palácio do Planalto, em junho de 2021 - Pedro Ladeira/Folhapress

Técnicos da área econômica lembram que governadores já estão usando o aumento da arrecadação para conceder reajustes a servidores. Quase todos os estados deram recomposição ou propuseram medidas nesse sentido.

Por isso, o governo avalia que a combinação dos aumentos com eventual aprovação das propostas pode criar as condições para uma grave crise fiscal nos estados, em um processo similar ao que ocorreu entre 2014 e 2016.

Naquela época, os governadores concederam uma série de reajustes em meio à euforia eleitoral. Em seguida, precisaram parcelar salários e bater às portas da União para pedir socorro e renegociar dívidas.

No ano passado, os estados e o Distrito Federal tiveram um superávit primário de R$ 124,1 bilhões, ou seja, arrecadaram mais do que gastaram. Em 2020, essa folga já havia sido considerável, de R$ 64,8 bilhões, segundo o Tesouro Nacional.

Técnicos do Ministério da Economia e especialistas de fora do governo alertam, porém, que boa parte da elevação de receitas é conjuntural, impulsionada pelo aumento no valor das commodities (incluindo petróleo) e pela inflação mais elevada.

Nesse contexto, eles são categóricos em afirmar que não há melhora estrutural nas contas dos estados que dê margem ao aumento significativo dos gastos.

No governo federal, o excesso de arrecadação alardeado pelo ministro Paulo Guedes (Economia) tem sido usado para bancar cortes de tributos, medida que os técnicos buscam descolar das iniciativas dos estados. O argumento é que as desonerações ajudam a dinamizar a economia, contribuindo para consolidar a retomada e sustentar a arrecadação.

O levantamento de riscos feito pela Economia inclui um projeto de lei que institui o piso salarial para profissionais de enfermagem, aprovado no Senado e que aguarda votação na Câmara.

A Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados) calcula que o impacto pode chegar a R$ 5,7 bilhões para estabelecimentos do setor público.

Outros R$ 6,4 bilhões afetam instituições privadas sem fins lucrativos, efeito que pode acabar recaindo sobre o governo, uma vez que parte dessas organizações são remuneradas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) pela prestação de serviços.

O Tesouro Nacional, por sua vez, estima um impacto ainda maior, de até R$ 7 bilhões, no caso de hospitais públicos, e de R$ 8 bilhões no caso das filantrópicas. Segundo os técnicos do governo, o custo adicional recai quase totalmente sobre as finanças de estados e municípios.

Há ainda uma PEC (proposta de emenda à Constituição) de 2011 que estabelece um piso para agentes comunitários de saúde. O texto foi desengavetado e aprovado em março pelos deputados, mas ainda precisa ser apreciado pelos senadores

Outros projetos criam pisos salariais para médicos, dentistas e outros profissionais. Ao todo, os impactos chegariam a R$ 17,2 bilhões no setor público e R$ 13,9 bilhões nas entidades sem fins lucrativos, segundo a Anahp.

O Senado também resgatou uma PEC de 2013 para restabelecer o chamado quinquênio no Ministério Público e no Judiciário. A medida tem angariado apoio entre aliados do governo e foi defendida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), embora o Ministério da Economia seja contrário por temer um efeito cascata de penduricalhos.

O quinquênio seria um adicional no salário pago a cada cinco anos. Os técnicos do governo estimam um custo de R$ 3,6 bilhões para União, estados e municípios caso a proposta seja aprovada.

Já há advogados, defensores públicos e delegados reivindicando o mesmo tratamento. Com isso, a conta subiria a R$ 4,5 bilhões.

Em meio às pressões para a concessão de reajustes a servidores federais, uma eventual extensão da benesse a todas as carreiras elevaria o gasto anual a R$ 10 bilhões nas três esferas.

Também está no radar da Economia a pressão de prefeituras pela aprovação de um repasse anual de R$ 5 bilhões para ajudar a bancar a gratuidade de idosos no transporte público urbano. Os prefeitos argumentam que a verba ajudaria a evitar um tarifaço em ano eleitoral.

Outras propostas também podem pesar nas contas, como a eventual flexibilização de critérios de acesso à aposentadoria especial por trabalhadores expostos a agentes nocivos à saúde. Além dos estados, mais de 2.000 municípios têm regimes próprios de Previdência e precisam arcar com o déficit. O impacto desse projeto, no entanto, ainda não foi estimado.

A economista Vilma Pinto, diretora da IFI (Instituição Fiscal Independente), do Senado. e especialista em finanças regionais, alerta que é preciso haver planejamento para evitar desequilíbrios fiscais futuros.

Segundo ela, o crescimento da receita tem causado uma "sensação de melhora nas contas", mas boa parte do aumento vem de royalties de petróleo (na esteira da cotação do barril no mercado internacional e do dólar) e da inflação.

"A alta da receita é conjuntural e não necessariamente vai se verificar nos próximos anos. Já a despesa é permanente", adverte.

A especialista chama a atenção para os indicadores de gasto com pessoal dos estados. Enquanto a comparação com a RCL (receita corrente líquida) mostra um cenário benevolente, com quase todos enquadrados no limite de 60% da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), os salários seguem comprometendo grande fatia dos orçamentos.

O Rio de Janeiro, por exemplo, encerrou 2021 destinando 47,6% da RCL ao custeio da folha. O gasto com pessoal, porém, representa 64,7% de toda a despesa primária do estado —ou seja, a cada R$ 3 gastos, R$ 2 vão para o pagamento dos servidores. O governador Cláudio Castro (PL) concedeu um aumento de 13% no início de 2022.

No Rio Grande do Norte, o gasto com pessoal respondia por 65,1% da RCL (acima do limite legal) e 76% do total das despesas —a cada R$ 4 gastos, R$ 3 vão para o funcionalismo. A governadora Fátima Bezerra (PT) concedeu um reajuste de 15%.

"Passado esse choque inflacionário e recuperação cíclica do PIB [Produto Interno Bruto], a arrecadação vai arrefecer substancialmente e, com isso, ficará mais evidente que permanece o desequilíbrio fiscal estrutural dos estados", avalia o sócio e economista-chefe da gestora Ryo Asset, Gabriel Leal de Barros, especialista em contas públicas.

Para ele, é temerário o uso de receitas temporárias para a concessão de benefícios permanentes, seja por parte dos governadores, seja por parte do Congresso Nacional. Ele ressalta que poucos estados fizeram uma reforma nas carreiras do funcionalismo, e alguns ainda não alteraram as regras de aposentadoria dos servidores.

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