Conjuntura

Ruídos na política atrapalham crescimento, avalia Guedes

Em evento virtual promovido pelo Credit Suisse, ministro admite efeito negativo de ataques de Bolsonaro às instituições, mas diz que o presidente não ultrapassou as regras democráticas. E, em avaliação otimista, afirma que o pior da inflação já passou

Rosana Hessel
postado em 11/09/2021 06:00 / atualizado em 11/09/2021 07:19
Paulo Guedes, política econômica está na direção certa e deficit nas contas públicas e dívida do governo vão diminuir no próximo ano -  (crédito: Marcos Correa/PR)
Paulo Guedes, política econômica está na direção certa e deficit nas contas públicas e dívida do governo vão diminuir no próximo ano - (crédito: Marcos Correa/PR)

O ministro da Economia, Paulo Guedes, reconheceu que os “ruídos” recentes em relação às instituições democráticas provocados pelo presidente Jair Bolsonaro, podem atrapalhar o crescimento da economia. “A pergunta é se todo esse ruído sobre instituições e democracia poderia atrapalhar essa bem posicionada economia, no sentido de que estamos prontos para avançar de novo. Minha resposta é: isso poderia gerar muito ruído, isso poderia desacelerar o crescimento. Mas não mudaremos a nossa direção (na economia). Estamos na direção certa há muito tempo”, disse Guedes, ontem, em resposta a uma pergunta feita pelo ex-presidente do Banco Central e presidente do Conselho do Credit Suisse, Ilan Goldfajn, em um evento virtual da instituição financeira voltada para investidores.

O mercado reagiu mal às falas de Bolsonaro durante as manifestações de 7 de Setembro. O ministro, no entanto, procurou minimizar os riscos apontados pelos agentes econômicos, tanto em relação à inflação quanto à questão fiscal. Ele reafirmou que o choque de preços “é temporário” e fez previsões bem mais otimistas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do que as do mercado.

“Acho que estamos no pior momento da inflação, mas ela vai desacelerar até o fim do ano ficando em torno de 7,5% e 8%”, afirmou Guedes. A mediana das estimativas do mercado estava em 7,58%, mas depois da alta acima do esperado no IPCA de agosto, que alcançou 0,87%, uma nova onda de revisões começou. O piso das novas previsões está em 8,2%, mas elas chegam até a 9,5%.

Rombo

Em relação à piora das expectativas do quadro fiscal, Guedes voltou falar em redução do deficit primário neste ano e no próximo, assim como da dívida pública bruta, mas esqueceu de explicar que isso está ocorrendo, principalmente, devido à inflação elevada — que tem ajudando no aumento da arrecadação, por conta dos preços mais altos, e do PIB nominal usado como denominador do cálculo da dívida. O ministro voltou a falar que o rombo das contas públicas passará de 1,5% do PIB neste ano para menos de 0,3% do PIB. Ele também garantiu que as despesas em relação ao PIB passarão de 19,5% do PIB, neste ano, para 17% do PIB, no ano que vem. “Estamos nos trilhos do compromisso de consolidação fiscal”, garantiu.

Contudo, a previsão de queda nas despesas está baseada em parâmetros desatualizados do Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) enviado ao Congresso no fim de agosto, que não inclui uma série de gastos prometidos por Bolsonaro e que não puderam ser incluídos, como o Bolsa Família turbinado, que dependendo do novo valor do benefício, poderá superar R$ 20 bilhões. E, para fechar as contas incluindo a previsão integral de R$ 89,1 bilhões de precatórios — dívidas judiciais —, o governo entregou o Orçamento de 2022 com despesas indexadas ao salário mínimo corrigidas por uma taxa de 6,2% para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (INPC), que já acumula alta de 10,4% nos 12 meses encerrados em agosto.

Teto de gastos

Para cada ponto percentual a mais no INPC, a margem do teto de gastos vai encolher R$ 8 bilhões, de acordo com dados da Economia, que previa uma folga de R$ 30,4 bilhões. Logo, se o INPC ficar em torno de 10%, não haverá margem extra no limite da regra que corrige as despesas pelo IPCA acumulado em 12 meses até junho.

Outra despesa recentemente criada pela Câmara dos Deputados também vai disputar espaço com os precatórios e o novo programa social, que são R$ 28,9 bilhões de perdas para a União com as mudanças do projeto da reforma do Imposto de Renda, conforme estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI). Além disso, as receitas estão superestimadas, porque o governo prevê alta de 2,5% no PIB enquanto o mercado vem reduzindo as projeções para algo entre 1,1% e 1,8%, no máximo, o que, segundo analistas, torna um estouro no teto de gastos em 2022 cada vez mais inevitável.

O ministro disse que uma solução para a questão dos precatórios deverá sair a partir das negociações, na próxima semana, entre o governo e os presidentes do Legislativo e do Judiciário, para, assim, abrir caminho para um Bolsa Família “moderado e substancial”.

Durante o evento virtual do Credit Suisse, Guedes ainda fez questão de afirmar que Bolsonaro não ultrapassou as “linhas do jogo”. “De fato, há muito ruído nas ruas. Mas nós merecemos respeito. O presidente merece respeito pelos 60 milhões de votos que recebeu. Verbalmente, há excessos. Mas ele não ultrapassou as regras democráticas”, disse. Ele voltou a afirmar que as instituições são fortes e que, como seres humanos, todos erram. E, portanto, se houve algum “erro ou mal-entendido”, o presidente divulgou a carta pacificadora na quinta-feira para tudo voltar aos trilhos.

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Popularidade corroída pela carestia

O aumento da inflação e a piora na qualidade de vida dos brasileiros são o principal motivo da redução da popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de acordo dados da pesquisa do banco digital Modalmais realizada pela consultoria AP Exata junto às redes sociais.

“A queda de popularidade de Bolsonaro não vem de tendências ideológicas. A credibilidade do presidente foi caindo e a confiança diminuiu bastante desde o aumento da inflação”, destacou o CEO da AP Exata, Sergio Denicoli, durante a apresentação virtual dos principais dados da pesquisa Modalmais-Exata, ontem. Ele reforçou que esse resultado está relacionado com a piora da economia, de forma geral, e, se isso persistir em 2022, as chances de reeleição diminuem. Mas, se houver melhora na conjuntura econômica, o cenário ficará mais favorável para o chefe do Executivo.

De acordo com Denicoli, a confiança no presidente vem atrás dos sentimentos de tristeza e raiva, e, quando se perde a credibilidade de uma fatia da população que perde poder econômico, é mais difícil recuperar essa confiança perdida. “O presidente vai ter que trabalhar a economia para poder recuperar essa confiança”, afirmou.

“Esta semana intensamente política, pautas de reformas e recuperação econômica ficaram em suspenso. A inflação de agosto veio acima do esperado, puxada pela alta da gasolina. Internautas continuam reclamando dos preços de alimentos, gás, combustíveis e energia”, destacou o documento. “O consenso nas redes é de que a inflação real já ultrapassou os dois dígitos há muito tempo. Desemprego e fome são outras preocupações dos internautas e constantemente usadas pela oposição para atacar o governo e o ministro da Economia, Paulo Guedes”, acrescentou.

Na avaliação do executivo, atualmente, inflação e emprego são as principais preocupações dos internautas nas redes quando o assunto está relacionado às eleições. Contudo, devido ao recente atraso no fornecimento de vacinas contra a covid-19, o tema saúde deverá voltar a estar entre as prioridades.

Conforme os dados da pesquisa, a popularidade de Bolsonaro chegou a cair 3% com o recuo dos ataques feitos nas manifestações de 7 de Setembro com a divulgação da carta pacificadora, “mas se recuperou em menos de 12 horas”.

Bolsa volta a fechar em queda

A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) voltou a fechar em baixa, ontem, após um dia de muita volatilidade. O Ibovespa, principal índice dos negócios, fechou o dia em queda de 0,93%, aos 114.285 pontos, terminando a semana com recuo de 2,26%. Já o dólar, que chegou a abrir o dia em declínio, terminou o dia com alta de 0,76%, cotado a R$ 5,26 para venda. Na semana, a moeda norte-americana fechou com valorização de 1,59%.

Segundo analistas, o mercado continua suscetível aos problemas políticos. Na quarta-feira, em reação aos discursos radicais proferidos pelo presidente, Jair Bolsonaro no 7 de Setembro, a Bolsa desabou quase 4% e o dólar subiu perto de 3%. Na quinta, após a carta divulgada pelo chefe do Executivo na tentativa de pacificar os ânimos entre os Poderes, as ações avançaram 2%.

A “trégua”, porém, durou pouco. Entre os motivos apontados por agentes financeiros para a nova queda registrada ontem, estão a retração das bolsas norte-americanas, com baixa de 0,77% no índice S&P 500, e as novas afirmações de Bolsonaro, que, para tranquilizar os apoiadores, declarou não estar “recuando” no embate com o Judiciário, e que a última manifestação pró-governo “não foi em vão”.

“As novas declarações do Bolsonaro deixam o receio no mercado de que, talvez, a crise institucional, apesar de ter tido uma trégua, ainda não esteja no fim”, explica Romero Oliveira, analista da Valor Investimentos

Flávio de Oliveira, especialista da Zahl Investimentos, ressalta que mesmo que o cenário político seja apaziguado, há outras questões que refletem no mercado financeiro. “Existem problemas como a crise hídrica e o movimento dos caminhoneiros que deixam sombras no mercado”, destacou.

No cenário de investimentos é mais fácil perder do que conquistar credibilidade, e o mercado “segue em tom de cautela e de observação, por conta da falta de previsibilidade do presidente”, explica a economista-chefe do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte.

A economista explica um dos maiores receios dos investidores diante da crise entre Poderes, é sobre como ela pode afetar as matérias de interesse do mercado em tramitação no Congresso Nacional, como a reforma do Imposto de Renda. “Pode acabar impactando na evolução das reformas, e com um cenário de inflação subindo e previsões de crescimento econômico em baixa, acaba aumentando a cautela e a aversão ao risco para o Brasil”, afirmou.

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