Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Para Bolsonaro e Guedes, teto de gastos vai fazer botox precoce ou cair

Governo abandonou aumento do Bolsa Família em 2020; agora, faz mutreta eleitoreira emergencial

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Se depender de Jair Bolsonaro e de Paulo Guedes, o teto de gastos já era, como confirmou o ministro da Economia nesta quarta-feira.

Mexer no teto poderia ser boa coisa. No caso, se trata apenas de uma gambiarra para: 1) engordar o Bolsa Família, agora apelidado de “Auxílio Brasil”; 2) reservar dinheiro para emendas parlamentares no valor exigido pelo centrão.

O teto é a regra que limita o crescimento da despesa do governo federal, norma inscrita na Constituição em 2016. A despesa de um certo ano pode ser apenas a do ano anterior, reajustada pela inflação (IPCA). Pela Constituição, essa regra poderia ser modificada em 2026.

O presidente da República, Jair Bolsonaro, e o ministro da Economia, Paulo Guedes - Marcos Corrêa - 9.set.2021/PR

Guedes disse que o governo quer estourar o teto do Orçamento de 2022 em pelo menos R$ 30 bilhões. Pode tentar fazer a coisa por meio de uma gambiarra simples, uma licença para gastar (“waiver”). Para evitar rolo legal, é preciso inscrever na Constituição esse casuísmo eleitoreiro grosso de Bolsonaro.

A gambiarra com regulador de voltagem, mais chique, implica mudar a regra de reajuste da despesa. A finalidade é a mesma, mas a mumunha ganha ares mais institucionais. Mudar o quê? Guedes é confuso ou não sabe bem o que diz. Falou em “sincronizar” índices de inflação que corrigem as despesas do governo.

A despesa de um certo ano, digamos 2022, é a despesa de 2021 reajustada pelo IPCA dos 12 meses contados até junho (o projeto de lei do Orçamento vai para o Congresso antes do final do ano). Certas despesas, como benefícios da Previdência ou BPC, são reajustadas pelo INPC cheio do ano anterior. Quando mandou o projeto de lei do Orçamento, o governo previa um INPC de 6,2% em 2021. Agora, projeta que o INPC deva ser de 8,4%. Ou seja, algumas despesas obrigatórias vão aumentar mais do que o previsto e o limite de gasto está dado pelo IPCA medido até junho. Logo, também por isso vai faltar dinheiro no Orçamento projetado pelo governo. A saída seria cortar gastos em outra parte —não vai acontecer. Em vez disso, o governo quer aumentar a despesa com o “Auxílio Brasil” em pelo menos R$ 36 bilhões. Guedes e turma estudam alguma mudança nesses indexadores, de modo a reduzir o estouro de despesa, dada da alta da inflação. Mas podem querem mudar ainda mais a regra de reajuste do teto. Por exemplo, corrigir o valor da despesa pela inflação e ainda fazer um reajuste real, lembra Felipe Salto, que dirige a Instituição Fiscal Independente, de acompanhamento de contas públicas, ligada ao Senado. Salto acha que é possível aumentar a despesa de benefícios sociais dentro do teto. “Mas ninguém quer. O desejo é fazer um gasto que acabará sendo insustentável, porque combinado com emendas, enfim, gastos pulverizados em geral.”

No caso da gambiarra simples, provisória, a conta ficaria para o próximo governo, que teria de cortar gastos para manter a despesa no teto ou cortar o valor do “Auxílio Brasil” em 2023. A mumunha dependeria ainda de alguma solução para a despesa dos precatórios (moratória, calote). No caso da gambiarra incrementada, o teto poderia ser aumentado de modo a acomodar o que se quiser.

É evidente que é preciso gastar mais em Bolsa Família (e Bolsonaro-Guedes querem deixar de fora dele muita gente que recebe auxílio emergencial). Mas o governo abandonou o assunto em agosto de 2020. Agora, faz mutreta eleitoreira emergencial.

Salto é contra a mudança. “Não acho que o debate técnico sobre o teto ou qualquer outra regra deva ser interditado. Mas, ainda que a discussão da indexação do limite possa ser importante, a motivação da proposta, neste momento crítico, é uma só: aumentar gastos sem muito foco, em ano eleitoral.” ​

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