Economia

Indefinição sobre Auxílio Brasil e mudança de regras aumentam pressão sobre teto de gastos em 2022, alerta IFI

Órgão ligado ao Senado aponta, ainda, que comportamento da inflação pode permitir maior folga fiscal em 2023
Cartão do Bolsa Família, programa que Bolsonaro quer reformular Foto: Divulgação
Cartão do Bolsa Família, programa que Bolsonaro quer reformular Foto: Divulgação

BRASÍLIA – A incerteza em relação ao cumprimento do teto de gastos, regra fiscal que limita o crescimento de gastos da União, agora é turbinada pelas dúvidas em relação a modificações na regra.

A indefinição a respeito do Auxílio Brasil , programa que substituirá o Bolsa Família e que deverá ter benefício médio de R$ 400, aumenta essa pressão, alerta a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal.

“Para 2022, essa tensão convive com a expansão dos gastos derivados de sentenças judiciais e precatórios, a provável ampliação de despesas com a criação do Auxílio Brasil e a indisposição de se realizarem cortes compensatórios”, diz o Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de outubro, divulgado nesta quarta-feira.

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O documento pondera que as dúvidas sobre o cumprimento das regras vigentes sempre estiveram presentes, mas que a discussão sobre o arcabouço legal da âncora fiscal agora tem um peso maior.

Isso ocorre porque o governo contava com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios, para abrir espaço no Orçamento do próximo ano. O texto pode ser votado nesta quarta na Câmara.

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A partir dessa folga, seria viabilizada a ampliação do Auxílio Brasil, a reformulação do Bolsa Família, que permitiria um pagamento de benefício médio maior para mais famílias.

Mas, na terça-feira, o governo decidiu reformular totalmente a proposta do programa, prevendo recursos fora do teto de gastos, tornando esse cenário mais nebuloso.

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Caso as regras atuais sejam mantidas, a IFI projeta uma folga fiscal maior em 2023 por causa do comportamento da inflação . “Assim como se previa para 2022, há alguns meses, é provável que, em 2023, o descasamento entre os índices de inflação de junho e dezembro facilite o cumprimento do teto de gastos”, pontua.

O teto é reajustado pela inflação do meio do ano. Já despesas relevantes, como benefícios previdenciários, são corrigidos pela inflação do fim do ano. “Tudo o mais constante, um reajuste maior do limite do que do gasto sujeito a ele gera espaço fiscal para eventual elevação de despesas no exercício”, apontam.

Revisão do teto

A regra do teto de gastos foi criada em 2016 e passou a valer no ano seguinte. De lá para cá, a pandemia acabou jogando várias despesas para fora do teto, cujo prazo para primeira revisão é só em 2026. Questionado sobre uma possível antecipação dessa revisão, Felipe Salto, diretor- executivo da IFI pontuou que esse não é um debate trivial:

— A dinâmica do gasto, a pandemia e uma série de fatores têm afetado a evolução dessas despesas primárias sujeitas ao teto. Vale lembrar que existem as exceções, como o próprio debate sobre os precatórios, e toda essa discussão de retirar ou não os precatórios do teto ou mesmo delimitar a expedição pela justiça dessas despesas.

No entanto, a IFI vem notando uma deterioração da regra fiscal.

— O que nós temosmostrado é que há um risco evidente de desmonte do teto de gastos. Não é só o precatório: você teve a retirada da cessão onerosa, teve algumas mudanças pequenas, marginais, ao regramento do teto, a PEC emergencial, que mudou a regra dos gatilhos, e vão de certo modo alterando um pouco aquilo que é preconizado no texto original da regra – ponderou.

Também diretora da IFI, Vilma Pinto lembra que não é simples promover qualquer nova alteração no arcabouço legal do teto de gastos :

— Antecipar poderia, de fato, trazer um alívio para o teto dos gastos, para as despesas, mas isso envolveria mudança na Constituição.


Rombo menor

A IFI revisou para baixo a projeção do déficit primário para 2021, que ficou em R$ 158,3 bilhões ou 1,8% do PIB – inferior aos R$ 197 bilhões projetados anteriormente.

“Para 2022, contudo, permanecem as dúvidas quanto aos gastos com Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, e precatórios. Tanto a magnitude dessas despesas quanto o impacto sobre o cumprimento das regras fiscais ainda são incertos”, alertam.

Já as perspectivas para o médio prazo pioraram: o resultado primário só deve voltar a ser positivo em 2026.

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A instituição ainda estima que o PIB brasileiro vai fechar 2021 em 4,9%, valor levemente inferior às projeções do mercado no boletim Focus desta semana. Para 2022, a expectativa é de um crescimento de 1,7%.

A redução na projeção foi justificada pelo “aumento da taxa de juros para patamares contracionistas, dado o objetivo do Banco Central de conter o avanço da inflação e de ancorar as expectativas à meta, restringe o desempenho da demanda agregada”.

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Essas projeções levam em conta o arrefecimento da crise sanitária, pelo avanço da vacinação e diminuição das restrições, mas não considera um corte no consumo de energia elétrica. Um agravamento da crise hídrica pode implicar em diminuição do PIB – de 0,1% em 2022, no cenário pessimista.