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Economia

Auxílio Brasil: Especialistas apontam quadro que não ajuda contas públicas nem crescimento da economia

Para economistas, soluções para o benefício até agora mostram impacto da pressão por gastos, e governo deve furar teto
Auxílio: Projeto do governo amplia de 14,7 milhões para 17 milhões o total de famílias beneficiadas pelo programa Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo
Auxílio: Projeto do governo amplia de 14,7 milhões para 17 milhões o total de famílias beneficiadas pelo programa Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

RIO - As soluções aventadas até agora pelo governo para colocar em marcha o Auxílio Brasil , programa que substitui o Bolsa Família , desagradam a especialistas, que veem risco de deterioração do quadro fiscal no país, agravado pela proximidade do calendário eleitoral.

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A declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, ontem de que o governo deve pedir um waiver, na realidade, uma permissão para extrapolar temporariamente o teto de gastos não foi bem recebida por especialistas. O teto de gastos é a principal regra fiscal em vigor e restringe o crescimento das despesas públicas à inflação do ano anterior.

Para garantir um benefício de R$ 400 durante 14 meses, o governo terá de pagar o equivalente a R$ 30 bilhões fora do teto de gastos.

— Na verdade, isso nada mais é que deixar que esses R$ 30 bilhões não sejam afetados pela regra do teto. É só um jeito mais sofisticado de falar usando a palavra em inglês — diz Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.

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‘Institucionalizar brechas’

Para Juliana Damasceno, pesquisadora de Economia Aplicada do FGV Ibre, essa medida criaria uma espécie de Orçamento paralelo, que esvazia a ideia original do teto de gastos de funcionar como uma âncora fiscal para o país. A preocupação, segundo a economista, é que se acabe institucionalizando as “brechas”:

— Se vamos abrir esse precedente, quais amarras vamos colocar para que não se crie um descontrole completo?

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A regra do teto foi criada para evitar o descontrole das contas públicas. O problema é que o governo conta com o programa social reformulado como bandeira para a campanha de reeleição de Jair Bolsonaro.

Além disso, o presidente busca mais apoio no Congresso. A engenharia fiscal do novo programa abre espaço para emendas parlamentares de R$ 16 bilhões no próximo ano.

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Para Sérgio Vale, economista da MB Associados, a conta do Auxílio Brasil, que prevê gastos totais de R$ 84 bilhões em 2022, não fecha.

Ele destaca que o país estará diante de quatro pressões de gastos no próximo ano: a PEC dos Precatórios (criada para resolver o entrave de decisões judiciais sobre as quais não é mais possível recorrer, mas que abrirá espaço para o pagamento do Auxílio Brasil dentro e fora do teto), o novo programa social, a inflação em alta e as emendas parlamentares:

— É uma contabilidade totalmente criativa. Não tem como colocar todos os gastos planejados para o ano que vem. Temos um cenário de quatro grandes pressões de gastos pela frente e muito provavelmente não vai ter a regra do teto sobrevivendo a isso.

A inflação em alta não corrói apenas a renda do brasileiro, mas aumenta os gastos do governo com benefícios sociais e aposentadorias, que são reajustados no começo do ano

Para os economistas, o problema fiscal no Brasil é estrutural e deveria ter sido tratado desta forma. Agora, no entanto, não há tempo para medidas de longo prazo.

As reformas estruturantes estão paradas no Congresso e, com o ano chegando ao fim, não há expectativas de que sejam aprovadas a tempo, muito menos que consigam resultados fiscais que permitam ampliar o Bolsa Família sem estourar o teto.

— Como se resolve agora um problema que é de longo prazo? O cobertor está muito curto e isso vai acabar afetando a dinâmica da economia brasileira. E se a economia não cresce, não tem arrecadação, não recupera empregos, acaba prejudicando os mais vulneráveis — disse o economista Ricardo Macedo.

Guedes chegou a indicar também a troca do indexador do teto, que permitiria aumentar o limite de gastos.

— O problema é fazer essa mudança de maneira oportunista, neste momento em que há uma pressão enorme por diferentes tipos de gastos novos. A chance de dar errado é muito grande, porque não é uma mudança orientada do ponto de vista técnico — avalia Salto, do IFI.

Esse ambiente de turbulência fiscal continuou no radar dos investidores. Após a queda acentuada do mercado na véspera, a Bolsa encerrou perto da estabilidade, com leve alta de 0,1%. O dólar comercial teve queda de 0,65%, a R$ 5,5583, após atuação do Banco Central. Os juros futuros tiveram leve alta. O contrato DI para janeiro de 2022 subiu de 7,61% para 7,63%.